A economia 'verde', o subsídio aos empresários e a ameaça de retirada de direitos

03/09/2014
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São Paulo – O discurso da preservação ambiental e da sustentabilidade é muito comumente classificado no campo ideológico da esquerda: afinal, que interesse teriam os empresários em reformular seus métodos de produção para adequar-se a uma economia "verde"? Eduardo Jorge (PV) e Marina Silva (PSB), candidatos a presidente da República cujo programa de governo dá maior peso às questões ambientais, ajudam a fortalecer essa impressão: enquanto Jorge une em seu discurso o ambientalismo à defesa de direitos sociais como o aborto e o uso de drogas psicoativas, pautas do campo progressista e em oposição à política conservadora, Marina insiste em apresentar-se como gestora da "nova política", e chama para o diálogo a juventude que foi às ruas em junho de 2013 ao lado do Movimento Passe Livre.
 
No entanto, pode não ser exatamente assim. Raquel Varela é historiadora da Universidade Nova de Lisboa, coordenadora do Grupo de Estudos do Trabalho e dos Conflitos Sociais e investigadora do Instituto Internacional de História Social, e afirma que setores do empresariado aliados a políticos "verdes", como os produtores de cana-de-açúcar e os bancos que apoiam a candidatura de Marina, têm muito a ganhar com a conversão da economia nacional: a começar por investimentos diretos do Estado na forma de subsídios, e até uma oportunidade para retirar direitos trabalhistas ao longo de processos de desindustrialização e reindustrialização, como ocorre hoje na Europa.
 
"Esse discurso [ambientalista] implica gigantescas massas dos orçamentos públicos para a 'economia verde', que não tem nada de verde. Sou coordenadora de um estudo internacional sobre os operários navais, e o grande objetivo do sindicato internacional que organiza esses trabalhadores é subsídios para a 'reconversão verde' dos navios. Isso é uma fraude", diz.
 
"Não há 'reconversão verde' nenhuma dos navios, o que há é uma gigantesca alocação de recursos públicos no setor privado, com a desculpa de salvar a todos nós. Na minha opinião, 'economia verde' é isso: um novo nome para uma política de subsídios às empresas", ressalta a professora. "Sob esse discurso, temos assistido a coisas absurdas como, por exemplo, a privatização dos resíduos sólidos das cidades, o uso de energias renováveis de uma forma que levam a um gasto ainda maior de combustíveis fósseis, ou monoculturas para produção de combustíveis renováveis que acabam agravando o problema da produção de alimentos, criando dependência alimentar."
 
RBA
 raq
A historiadora Raquel Varella: 'Economia verde
significa transferir dinheiro público para empresários'
 
Para Raquel, um programa "verde" verdadeiramente progressista teria de lidar, principalmente, com a reforma agrária e o regime de propriedade no campo. "Não há ambientalismo sério, digno desse nome, que não coloque em discussão o regime de propriedade. A contínua expulsão de trabalhadores do campo para a cidade, e a contínua exploração capitalista do campo, levam necessariamente aos latifúndios e à monocultura. Em Portugal, isso ocorre com a plantação de eucalipto para fazer pasta de papel. Então os ambientalistas são capazes de defender que não se derrube a mata nativa, mas ninguém questiona o regime de propriedades que torna os proprietários de terras, grandes e pequenos, dependentes dos preços fixados pelas empresas, que operam em monopólio", ressalta. No Brasil, 70% da produção para consumo interno vem da agricultura familiar, organizada em pequenas propriedades, enquanto o agronegócio concentra-se nas monoculturas de soja, milho e cana de açúcar.
É dessa forma que o "ambientalismo", quando aliado ao capitalismo, ajuda a apressar a transformação do Estado de bem-estar social, modelo que utiliza programas sociais de transferência de renda para reduzir os efeitos da pobreza, em "Estado de bem-estar do capital", voga no Velho Continente desde a crise econômica de 2008 e seus desdobramentos: "O que se passa hoje na Europa é que o Estado social passou por uma série de formas de privatização que chamamos de privatização não clássica. Incluem, portanto, parcerias público-privadas, subcontratação de serviços públicos por empresas privadas, certas aplicações rentistas, como a dívida pública, paga, sempre, por meio de cortes no Estado social. O que temos é uma erosão, uma descapitalização do orçamento do estado social em nome das transferências para as grandes empresas privadas." Ela cita como exemplo o fato de PPPs em Portugal chegarem a uma taxa de rentabilidade de 18%, "o que só existe no tráfico de drogas", e a salvação de bancos privados com dinheiro público.
Em Portugal, a pesca e a agricultura representavam 30% da riqueza nacional na década de 1950, mas, hoje, são 1,6% do Produto Interno Bruto, processo que foi acompanhado, no mesmo período, pela desindustrialização: se 26% da riqueza de Portugal já foi garantida pela indústria, hoje são apenas 12%. O movimento é continental: na União Europeia, a indústria caiu de 22% do PIB para 15,6% da riqueza criada nos países da Zona do Euro na última década, mas há esforço pela reindustrialização, motivado, principalmente, pela desvalorização dos salários e pelo fim de programas assistenciais ao longo do mesmo período, e com maior intensidade desde 2008, com a ascensão de governos guiados pelo princípio maior da austeridade com o orçamento do Estado. A questão é de competitividade: com menos direitos trabalhistas, é possível concorrer com os preços chineses, produzidos sob condições de trabalho precárias, análogas à escravidão.
 
"Há uma tentativa de exportar o modelo chinês a todo o mundo. Há, até, uma tentativa das várias frações da burguesia para reindustrializar Portugal, Inglaterra e Espanha, renovar algumas indústrias nesses países. Em Portugal isso se verifica, não sei se é o caso do Brasil, porque houve um brutal arrocho salarial e isso faz com que volte a compensar, do ponto de vista da produção do lucro, ter essas empresas na Europa, de forma geral", afirma. A contraposição entre o Estado de bem-estar social e o modelo chinês de produção foi o que levou o senador Romero Jucá (PMDB-RR) a se rebelar contra o apoio de seu partido à reeleição de Dilma Rousseff (PT): para ele, a presidenta peca por manter benefícios sociais aos trabalhadores brasileiros, enquanto a economia precisaria de "ajustes" para ser mais competitiva.
 
O resultado desse processo na Europa, além da degradação da qualidade de vida dos assalariados, foi também a desmobilização das entidades de classe. "Trata-se de um momento histórico absurdo, no qual os sindicatos nem sequer lutam por aumentos salariais, mas para evitar mais reduções salariais. No Brasil não está assim, mas em Portugal, sim. Nos próprios sindicatos há crise. A taxa de sindicalização em Portugal, neste momento, já está na ordem dos 15%, no setor público. No final dos anos 70, a taxa era de 60%", aponta. O desemprego é uma das questões sociais mais graves para o continente hoje, após o aprofundamento de uma política econômica que desprivilegia o trabalhador: na União Europeia, a taxa é de 10,2%, enquanto que nos países que adotaram o Euro como moeda, a taxa chega a 12%. A pior situação ocorre em Portugal (15,5%), Espanha (26%) e Grécia (27%).
 
"O que verificamos foi que, na Europa, não existe mais partido, de direita ou de esquerda, que defenda o pleno emprego. Essa era uma das principais bandeiras da Revolução [dos Cravos, que derrubou a ditadura militar portuguesa em 1974]. Seria essencial que retomássemos essa prioridade. No sistema capitalista, o direito ao trabalho é o direito a todas as coisas, à própria vida", pondera.
 
- Diego Sartorato, da RBA
 
03/09/2014
 
https://www.alainet.org/pt/active/76792?language=es
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