Explosão social à vista
- Opinión
Somente os idiotas – que às vezes são abundantes na política – podem ignorar o clima de que uma explosão social a nível global está prestes a acontecer. O acúmulo histórico de injustiças e abusos, agora exacerbado pelo colapso das instituições neoliberais e pela implosão da pobreza e da desigualdade, tornou-se uma bomba social cujo gatilho é o desespero. No Chile, esse fenômeno já teve o seu início, em 18 de outubro de 2019: uma revolta espontânea e multi classista, de responsáveis desconhecidos, alimentada por uma rejeição furiosa à ordem imposta pela força em 1973. A expressão máxima desse feito – que durou até fevereiro de 2020 – foi a chamada “Grande Marcha do Chile”: em 25 de outubro, reuniu 1,2 milhão de pessoas em Santiago e outras 500.000 nas diversas províncias do país. Houve protestos até mesmo nos “bairros altos” da capital, onde moram as classes mais endinheiradas, com atos em frente à Escola Militar, nos quais muitos dos participantes eram parentes de oficiais das Forças Armadas.
Mas a massividade social da revolta foi diminuindo com o tempo. Um setor se voltou para a violência selvagem, o que atingiu duramente as pequenas e médias empresas – justamente aquelas que geram mais empregos. Outro setor, aterrorizado, procurava as beiradas das estruturas políticas antigas e desacreditadas. Assim, sob ameaça de Estado de sítio, nasceu o Acordo de Paz Social e a Nova Constituição, no dia 15 de novembro de 2019, que gerou a convocação de um plebiscito constitucional, hoje adiado para 25 de outubro… se Deus quiser.
Se o plebiscito fosse realizado de acordo com a correlação de forças sociais despertada pela revolta, as classes assalariadas, que totalizam quase 8 milhões, prevaleceriam por uma grande maioria. O eixo dessa população, que é a classe trabalhadora, cobre quase 4 milhões de homens e mulheres. No entanto, estes são apenas números. Um mundo social no papel, mas que na vida real carece de articulação e de uma alternativa política que interprete suas demandas por justiça social.
O plebiscito, que poderia ter sido a solução pacífica e democrática para o conflito, tornou-se mais uma barreira que tenta conter o fluxo de rebelião. A esta altura, é evidente que se tornou uma distração não relacionado à necessidade de uma assembleia constituinte real, soberana e democrática, como a que o povo exige. Nos três meses desta quarentena sanitária que adiaram o plebiscito, se constrói um clima que torna impossível para as forças de transformação, agora dispersadas, atingir o grau de coerência e unidade orgânica que tornaria possível chegar através do plebiscito à essa assembleia constituinte soberana que se espera.
Quase 15 milhões de cidadãos poderão votar no plebiscito. Para fazer com que o plebiscito termine com a convocação de uma assembleia constituinte, seriam necessários dois terços das 155 assembleístas. Ou seja, 102 homens e mulheres, verdadeiros democratas, que terão que derrubar as barreiras do quórum e as cordas de regulamentação forjadas pela classe política.
Uma “missão impossível” nas condições em que o Chile atual vive. Conseguir a mobilização de milhões de consciências para transformar o plebiscito e transformar uma sórdida armadilha da elite em uma vitória popular seria uma façanha épica. Especialmente em um país dominado por uma abstenção eleitoral de 60% e pela ausência de uma alternativa de esquerda.
A fome é hoje o protagonista social e político indiscutível. A fome reúne e ordena os outros fatores da subversão: o desemprego (um milhão de pessoas, segundo dados oficiais, e muito mais se você adicionar o trabalho informal dificultado pelas quarentenas); a pandemia (10 mil mortes) e sua horrível segmentação social; o endividamento (que consome 74,5% da renda familiar); o confinamento de mais de 100 mil famílias em 802 territórios sem água potável ou esgoto, e milhares de pessoas se amontoando em cubículos e apartamentos pelos quais pagam aluguéis abusivos; os salários de miséria; a educação que condena os pobres à eternidade da pobreza; a saúde de clínicas de luxo para poucos e hospitais em colapso para a maioria; e o ônus emocional de cinco meses de quarentenas e medidas sanitárias impondo limitações à liberdade de movimento.
Ficamos com as palavras do bispo de Concepción, Fernando Chomalí: “no Chile, aproximadamente 650 mil jovens entre 18 e 25 anos não estudam nem trabalham; gerando altos índices de doença mental e suicídio entre eles; e também há milhares de idosos solitários e abandonados, pelos quais ninguém se importa, também com taxas crescentes de suicídio entre eles. Neste país, a violência e a solidão também são uma pandemia”.
Nos dias 2 e 3 de julho, houve protestos convocados pelas redes sociais em várias cidades. Um imigrante haitiano foi morto e dezenas de pessoas foram detidas. Também houve ataques a delegacias de polícia, incêndios em veículos policiais e reforço militar para garantir o toque de recolher. São os resultados de uma efervescência populacional que anuncia uma nova explosão social que se aproxima no país. Enquanto isso, em na região da Araucania, a luta do povo mapuche continua de forma incansável. Todas as noites, os caminhões e máquinas das empresas florestais queimam em fogueiras, os presos políticos estão em greve de fome na cidade de Angol, o movimento indígena desafia a inteligência e a força do exército e da polícia chilenas, em um conflito que a mídia hegemônica cobre em silêncio.
O governo e a classe política, sem dúvida, não são idiotas. Eles sabem que uma tempestade social está chegando. No entanto, parecem estar confiantes de que as Forças Armadas e a polícia – como sempre – serão capazes de liquidar mais este risco para o sistema.
As forças dispersas da mudança estão obrigadas a fazer um enorme esforço para se organizar, liderar o movimento, recuperar a amplitude social que permite evitar um massacre, e fazer com que a razão prevaleça através de uma verdadeira assembleia constituinte.
08/07/2020
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Explosao-social-a-vista/6/48063
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