O pato manco
Velho em seu quinto mês, o governo, desarticulado na política, incompetente na gestão econômica, navega como nau sem rumo.
- Análisis
Velho em seu quinto mês, o governo, desarticulado na política, incompetente na gestão econômica, navega como nau sem rumo, frustrando não apenas as esperanças do eleitorado que mobilizou, mas, até, muitas das expectativas da Avenida Paulista.
Para além da ‘reforma’ da Previdência e seu furor austericídico, o “Posto Ipiranga” não conseguiu sinalizar para a sociedade com algum projeto, seja de desenvolvimento, seja de recuperação da economia. Esta caminha da estagnação para a recessão, e dela não sairemos enquanto o “mercado” não entender que a única alternativa para a crise fiscal (que, ademais, não é nosso desafio crucial) é o desenvolvimento do país, a saber, a promoção da riqueza. Mas tal objetivo é uma incongruência, tratando-se, como é o caso, de um governo retracionista.
A proposta do novo regime, diz em alto e bom som o capitão, não é construir, mas desfazer, desconstruir, desconstituir, irresponsavelmente, pois não sabe o que fazer sobre a terra que deseja ver arrasada. É um regime de ruptura, não exatamente com governos passados, mas com o projeto de nação e país que, há décadas, mas muito especialmente a partir da reconstitucionalização de 1988, vínhamos tentando construir, aos trancos e barrancos, após vencermos a ditadura militar que, todavia, renasce como valor.
No plano político, o projeto é a busca do caos, fácil de alcançar quando a insatisfação social é alimentada pelo radicalismo, quando a esclerose da democracia representativa é agravada pela crise dos partidos, quando a política é exorcizada, os políticos desmoralizados, e as instituições decaem no apreço nacional.
O recesso político faz-se acompanhar de uma política econômica retracionista, antinacional, antipovo, segregacionista, concentracionista. A necessidade do desenvolvimento acelerado, pois a pobreza é raiz de todos os nossos problemas, econômicos, sociais e políticos, deu lugar à busca dogmática pelo equilíbrio fiscal, elevado à condição de fim em si, artigo de fé que dispensa demonstração, sonho de acadêmicos e tecnocratas treinados nas agências financeiras internacionais.
Assim somos condenados a nos afastar do desenvolvimento sempre que dele estamos próximos e assim, décadas e décadas perdidas, permanecemos esperando um futuro que nunca chega. Nessa toada, nossas elites suicidas destruíram os espasmos desenvolvimentistas experimentados na República a partir de 1930, afogados por um liberalismo anacrônico que adiou, de forma irrecuperável, nossa industrialização, e nos condenou à dependência multiforme.
Se o país vai mal, se o povo vai mal, se o desemprego se acelera, se a Universidade é asfixiada, se o desenvolvimento cientifico e tecnológico – de que depende nosso futuro – é condenado às calendas gregas, isso tudo não passa de ‘detalhe’, como nos dizia em tempos passados madame Zélia Cardoso de Mello, ou quando, muito antes dela, e inumeráveis vezes mais ilustre e por isso mesmo incontáveis vezes mais pernicioso, Eugênio Gudin combatia nossa industrialização, os investimentos estatais e, de particular, nossa autonomia na produção de petróleo, renúncia lesa-pátria que o governo do capitão recupera.
O PIB para 2019, que em janeiro foi calculado em 2,53% (já muito pequeno), tem sua estimativa reduzida para 1,1% (projeção do Banco Itaú que se pode ler também nas entrelinhas da Ata do Copom do dia 14), assinalando três anos consecutivos de estagnação. E não há qualquer expectativa de recuperação no médio prazo, o que se reflete nos índices de insegurança econômica apurados pela pesquisa IBRE/FGV, os quais, em abril, atingiram 117 pontos, o mais alto indicador desde novembro de 2018. A panaceia da ‘reforma’ da Previdência – o cantochão do mercado tonitruado em uníssono pela grande imprensa – só oferecerá resultados, quaisquer que sejam, no médio e no longo prazos, para quando são adiados os milagres.
No plano interno é grave a renitente crise da indústria, setor caracterizado pelo maior emprego de mão-de-obra formal, cuja produção recuou 2,2% e cujo faturamento caiu 4,1% comparado com os resultados do último trimestre de 2018, carregando consigo o baixo desempenho do setor serviços -- responsável por 70% do PIB! -- que despencou 0,7%. É o terceiro mês em queda. O setor de mineração, atingido por tragédias criminosas, é outro em crise, e apresenta, no primeiro trimestre, uma queda de 7,5%. De um modo geral o faturamento industrial recuou 6,3% em março com relação a fevereiro, as horas trabalhadas caíram 1,5%, a massa real de salários caiu 0,8% e a utilização da capacidade instalada recuou 0,9%. A indústria sofre com a ausência de demanda, o primeiro efeito da estagnação.
Em depoimento da Câmara dos Deputados, ainda nesta terça 14, o ‘Posto Ipiranga’ declara que o país ‘está no fundo do poço’.
No primeiro trimestre de aventura bolsonarista, 28,231 milhões de brasileiros não tiveram trabalho ou desistiram de procurar emprego. Mas o Brasil responde por 29% do lucro mundial do Santander e o Itaú teve, no trimestre, um lucro líquido de R$ 6,9 bi (Valor, 3/5/2019).
Nada obstante a obsessão dos Chicago boys com o déficit primário, o rombo das contas públicas – R$ 21,1 bilhões – é o segundo pior para março, desde 1997. Nos últimos 12 meses o déficit chegou a 118,6 bi. E a arrecadação continua serra abaixo, e em queda deve permanecer, pois este é o lado inafastável da recessão.
O desarranjo interno é agravado pelo quadro externo desfavorável, como a crise argentina que vem afetando nossas exportações de manufaturados, de especial as exportações do setor automobilístico, e, para além do plano regional, a tensão em alta entre Washington e a Comunidade Europeia, já às voltas com o Brexit. A perspectiva mais grave, porém, é a iminência de conflagração no Golfo Pérsico que, com ou sem invasão do Irã, com ou sem guerra, aponta para uma crise na produção e fornecimento de petróleo e o consequente e inevitável aumento do preço do barril. Os desdobramentos da guerra comercial que Donald Trump move contra a China estão em aberto, tudo pode acontecer.
Termômetro dessa insegurança, caem as bolsas de todo o mundo e aqui a queda do índice Bovespa se faz acompanhar da alta do dólar. Como responde o governo? Anunciando novos cortes (mais dez bilhões de reais), novos contingenciamentos, menos investimentos, ou seja, mais recessão, menos produção, menos emprego, menor arrecadação...
A lógica do governo se encerra num máximo de abertura comercial e liberação econômica associadas a um programa de privatizações liberal para atrair o investimento estrangeiro, a panaceia com a qual nos apontam o ministério da Economia e os analistas dos grandes bancos.
Faltou, porém, combinar com Wall Street. No rol dos 25 países preferidos dos investidores (Índice Global de Confiança para Investimentos Estrangeiros, elaborado pela consultoria A.T. Kearney), o Brasil sequer é mencionado.
O quadro do descalabro da economia nacional, acrescido da percepção da queda de sua popularidade, aumenta a paranoia do capitão, hoje certamente muito preocupado com o cerco que o Ministério Público do RJ começa a costurar em torno do ainda senador Flávio Bolsonaro, acusado de ligações com as milícias fluminenses e o crime organizado, quando já não são poucas as turbulências em suas hostes, acicatadas pela truculência escatológica do astrólogo.
• O pagador de promessas: o capitão anuncia que, grato, cumprirá o trato com o ex-juiz Sérgio Moro, indicando-o para a primeira vaga que se abrir no STF. * O partido da farda. Diz o Estadão (29/4/2019): “a ordem entre os militares é evitar disputas estéreis e se lembrar sempre de quem é o inimigo comum: a esquerda e o PT”. Pode?
• A pergunta que não pode calar: quem mandou matar Marielle Franco?
- Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia
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