O ensaio fascista de Paula Mascarenhas (PSDB)
- Opinión
Pelotas é uma cidade do interior do Rio Grande do Sul cheia de problemas e contradições. O passado escravagista relegou boa parte da população, em sua grande maioria negra ou mestiça, à pobreza, enquanto uma pequena elite mantém uma das mais altas poupanças internas do país que segue estagnada e depositada em bancos. A crise produzida no Governo Collor, com a abertura do mercado às importações e a onda de privatizações da década de 1990 rebaixaram a economia do Município do 2º lugar no ranking estadual para 11º.
Com a implantação da indústria naval na cidade vizinha de Rio Grande, ocorreu um crescimento geral do nível de emprego em toda a região, uma migração de milhares em busca do novo “Eldorado Gaúcho”, o que alavancou a indústria da construção civil e uma aparente estabilidade.
Entretanto, com o Golpe de Estado patrocinado por Michel Temer (PDMB) e seu grupo de apoio (PMDB, PSDB, DEM e outros partidos menores), ocorreu uma mudança no modelo de gestão da matriz econômica do petróleo e do gás, com a privatização de importantes ativos do pré-sal e a destruição da nascente indústria naval. Assim, o ciclo virtuoso desapareceu e todos os municípios da Zona Sul do Estado passaram a conviver com elevadas taxas de desemprego e com o retorno da estagnação econômica.
O resultado imediato do desemprego em massa foi o crescimento da chamada violência social, tanto em Pelotas, como em Rio Grande: furtos, roubos, consumo intensivo de drogas e outros pequenos delitos. Qualquer pesquisador mais ou menos informado sabe que cidades que sofrem impactos negativos abruptos na economia também são vitimadas pelo crescimento da violência. Aos menos informados, sugiro a leitura de um livro de fácil acesso, a “Miséria do Mundo”, de Pierre Bourdieu, como ponto de partida. Depois há um rico universo bibliográfico sobre o assunto.
Muitos países reagem a este tipo de problema com políticas inclusivas, como fomento à economia solidária e à inclusão produtiva, renda mínima, dentre outras. Esta foi a grande alternativa que emergiu com sucesso na década de noventa e garantiu um mínimo de dignidade para as populações socialmente excluídas. A violência social é uma estratégia de sobrevivência para um modelo econômico injusto e a melhor forma de combatê-la é fazer o contrário, promover a inclusão.
Todavia, vivemos um momento de crescimento do conservadorismo, de visões arcaicas e ultrapassadas de administração dos problemas sociais que lembram, e muito, a emergência da cultura fascista das décadas de 1920 e 1930. Projetos como “escola sem partido” e outras panaceias autoritárias são decantadas como alternativas pelo proto-fascismo que circula nas ruas.
O problema é quando essas alternativas autoritárias são adotadas como estratégia ou como solução pela administração pública e um exemplo deste tipo de instrumento é o novo Código de Convivência apresentado pela Prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB), à Câmara de Vereadores.
É difícil ler esse libelo do absurdo e acreditar que alguém, com o mínimo de senso do razoável, consiga defendê-lo de forma sincera. Na prática, é um documento eivado de inconstitucionalidades gritantes, que vão do vício de iniciativa ao absoluto abuso de poder, além de normas inúteis para dar credibilidade ao documento.
Por exemplo: tráfico de drogas é crime tipificado em Lei. É competência privativa da União dispor sobre legislação penal. Contudo, Pelotas inova ao criar sanção administrativa (multa) para quem vender drogas nas escolas. Ora, se tráfico de drogas é crime, qual é a função da sanção administrativa? O agente fiscal da Prefeitura vai multar o infrator em vez de chamar a polícia? A proposta é ridícula e inócua, mas serve para legitimar outros absurdos, como a punição de pais que não encaminham menores para o tratamento indicado pela escola ou conselho escolar. O objetivo é punir os pais por serviços que deveriam ser prestados pela própria Prefeitura, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal.
Mas o projeto contém outras aberrações, como a proibição da distribuição gratuita de bebidas em eventos com venda de ingressos ou a proibição do barulho de animais de estimação. Ambas absolutamente inconstitucionais, pois violam o direito ao livre comércio, no primeiro caso, e normas ambientais internacionais, no segundo exemplo.
Por trás de todo o discurso de preocupação moral e social da Prefeita Paula Mascarenhas (PSDB), esconde-se uma evidente estratégia autoritária: a de punir a sociedade pelas falhas do Estado nas suas funções essenciais. Além disso, a Prefeitura acaba criando um foco diferente para o enfrentamento da violência que é derivada de ações políticas sustentadas pelo partido da própria Prefeita, como a política econômica federal e o desmonte dos serviços públicos pelo Governo do Estado.
No fundo, apesar de todo o discurso travestido de modernidade, o PSDB continua sendo uma versão leve, com terno e gravata, da velha e ultrapassada UDN. Um arremedo oligárquico do que há de pior na política nacional.
-Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais
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