Voto distrital e as velhas cantilenas eleitorais
- Opinión
Todos os anos o Brasil debate uma reforma eleitoral, mas, em regra, não ataca os principais problemas do nosso sistema. Ao contrário do que defende a grande mídia, não vejo nenhum problema na criação de um sistema de financiamento público de campanhas. Na verdade, a disseminação dos “caixas dois” e da corrupção eleitoral nos seus vários níveis nem uma origem única, que é o tradicional financiamento privado de campanhas e a relação patrimonialista e de compadrio entre agentes políticos e segmentos econômicos.
Ocorre que financiamento público com sistema eleitoral em lista aberta (aquela em que se vota no candidato), como pretendem muitos parlamentares, não funciona, é mera drenagem de recursos do estado para campanhas e encarecimento destas. O ideal é o financiamento público com sistema de lista fechada (onde vota-se no partido) ou preferencial (aquela mista, onde o eleitor pode votar no partido e no candidato), restringindo os gastos de campanha e fortalecendo os partidos, que foram a base institucional da política.
Precisamos, também, de uma reforma partidária que acabe com as siglas de aluguel e fortaleça o debate programático. Hoje, com algumas raras exceções, todas no campo da esquerda e da centro-esquerda, muitos partidos são meras organizações voltadas à busca do poder e fontes de personalismo. Em nada contribuem para o aperfeiçoamento político do país e para a luta social.
Mas voltados ao tema eleitoral, dos sistemas em discussão no parlamento, um que poucas pessoas debatem e pode ter efeito perverso para piorar ainda mais o nosso campo político é o do voto distrital. Tal proposta consiste no partilhamento do país em vários núcleos eleitorais onde os “chefes” da política local exercem o seu poder e os eleitores elegem um ou mais representantes por meio de votação majoritária. Quando falo em chefes, estou falando de fato em pessoas com poder real localizado e não em agentes políticos partidários. Estes “chefes” formariam um espectro que vai de latifundiários a milicianos e traficantes. Mesmo os bons líderes comunitários saem fragilizados com este sistema onde tende a predominar a influência do poderio econômico. Há uma tendência à desideologização e despolitização do voto, além do fortalecimento da problemática troca de favores, algo que já contamina a nossa política.
O Brasil já teve uma experiência com o voto distrital, durante a República Velha, onde predominou o “voto de cabresto” e o “compadrio”. Se é verdade que a nossa sociedade mudou, passando do mundo rural ao urbano, as relações de poder derivadas de fatores não democráticos ainda existem em várias cidades.
Os defensores do voto distrital sustentam que este funciona em vários países. Contudo, esquecem de divulgar que tal sistema é amplamente questionado em nações como a Grã-Bretanha e a Alemanha. Por sinal, no império insular o partido comunista já chegou a somar mais de 15% dos votos totais sem eleger parlamentares, na medida em que seus votos foram dispersos em vários distritos. Outros partidos bem menores e menos representativos elegeram parlamentares pela concentração em distritos. Ou seja, nada sustenta o modelo distrital, ainda mais o “distritão” proposto pelo campo conservador do Congresso.
Deveríamos, aliás, nos inspirar nos países citados e outros como Suíça, a Espanha e os Estados Unidos para fomentar modelos de atuação política com participação direta de cidadãos e cidadãs, através de referendos, plebiscitos, conselhos distritais, dentre outros. Isto, sim, poderia “renovar” a nossa política! Todavia, o Congresso Nacional costuma fazer o contrário e atacar todo o tipo de sistema onde cidadãos e cidadãs decidam diretamente os caminhos da sua vida, como na famosa votação contra o Decreto da “Política Nacional de Participação Social”, realizada no Congresso no final de 2014. Não é por acaso que muitos dos inimigos da participação social hoje estão presos, alguns, com milhões encontrados em caixas na sua residência…
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.
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