Baixo nível cultural como projeto de Estado: o PIG global

20/12/2016
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No mês passado, apresentamos aspectos eleitorais e socioeconômicos que em tempos de crise mundial levaram projetos políticos centristas a perderem espaço para facções conservadoras, que ora assumem o poder nos Estados Unidos e no Brasil (dentre outros países). Continuando com o paralelo entre essas duas nações, bastante assemelhadas em certos quesitos negativos, lancemos agora um olhar à questão cultural – já que quando falamos em uma suposta “guinada à direita”, pressupõe-se que aquele que “guinou” tomou esta atitude conscientemente, escolhendo representantes reacionários de acordo com seu discernimento e liberdade de opinião.

 

Na construção da opinião pública, duas instituições são cruciais: a mídia e a educação, ambas formadoras das estruturas dentro das quais se movem os valores, os princípios de uma sociedade. Tratemos primeiramente da grande mídia corporativa – cada vez mais concentrada e globalizada, no sentido mais daninho do termo –, que hegemoniza e homogeneíza nossas doses diárias de “verdade” (deixemos para o próximo artigo a questão educacional).

 

É bem sabido que o surrado conceito de “liberdade de imprensa” – na acepção limitada, que se restringe a certos interesses de grandes meios de manipulação informativa – não inclui e mesmo se opõe à “liberdade de opinião”. Tais oligarquias controladoras da imprensa, aliás – representantes do 1% global –, são os atores fundamentais que contribuem permanentemente ao “progresso do nosso subdesenvolvimento” (como diria Stanislaw Ponte Preta).

 

Periferização do mundo

 

No entanto, esse “progresso” da desgraça moderna – que tem por pilar a desinformação e o entretenimento vulgar –, não ocorre somente no Brasil ou em países submissos como o nosso, mas cada vez mais se faz presente no centro do sistema capitalista. Como observa o filósofo Paulo Arantes (“A fratura brasileira do mundo”), os países que comandam o neoliberalismo têm experimentado uma “brasilianização” ou “periferização” de suas sociedades – as quais estão se tornando mais parecidas com nossas nações inconclusas e desestruturadas da periferia (vejam-se os frequentes incêndios de carros nos apinhados subúrbios de Paris, ou as revoltas generalizadas contra a supressão de políticas de bem-estar social europeias).

 

Nos Estados Unidos, nas últimas décadas houve uma exponencial concentração da mídia (e inclusive o enfrentamento desse problema foi promessa não cumprida da campanha de Obama). Talvez por essa passividade do democrata no tema, mas sobretudo por suas atitudes intensamente belicistas, que movimentaram e agradaram muito aos “mercados” (renovação do estoque de armas, reconstrução de nações destruídas, apropriação de recursos energéticos), a imprensa estadunidense se colocou a favor dele, contra a candidatura de Trump – apesar de que o republicano em assuntos internos certamente se alinha mais com os objetivos de Estado mínimo pregados pelas poderosas organizações de comunicação do país. De todo modo, como se viu, esse apoio midiático ao democrata não foi suficiente para que, em curto tempo, se convencesse uma população sistematicamente “formada” na falta de princípios humanos (mediante fortes doses diárias de televisão e outras formas de violência, sempre a pregar valores como o individualismo, o machismo, a xenofobia, a competitividade, a lei do mais forte), a de repente negar seu voto a um candidato “apenas” pelo fato de ele ser machista, xenófobo, estúpido, racista...

 

Já no caso brasileiro, lembremos que um dos pilares do tripé promotor do golpe de Estado que neste ano derrubou a presidenta eleita foi justamente a mídia – ao lado de um parlamento e um judiciário dos mais desonestos da história de nossa semi-nação, instituições que conseguem causar estupor mesmo dentre seus pares (congressistas e togados quase sempre reacionários) europeus. O presente golpe, vale recordar, começou ainda na campanha de 2014, e dentre outros interesses, foi motivado por Dilma ter aventado colocar em pauta a regulação dos meios de comunicação. Por esta mesma época, a jornalista britânica Sue Branford – colaboradora dos maiores e mais influentes meios corporativos (conservadores) do mundo, como BBC, Financial Times e Guardian –, em mesa de debate com Otávio Frias criticou a vergonhosa concentração da mídia brasileira em mãos de poucas famílias que, segundo ela, manipulam notícias mediante ênfases e omissões planejadas, além de forjar edições de coberturas que distorcem os fatos. O capo da Folha, irritado com a insinuação, em sua resposta falha, limitou-se a tentar desqualificar a jornalista, sugerindo que ela agia “como petista”.

 

Apesar do esbravejamento, o herdeiro júnior sabe bem que seu jornal-partido protagoniza a manutenção da extrema falta de liberdade informativa brasileira. Segundo relatório de 2013 publicado pela ONG Repórter Sem Fronteiras, o Brasil sofre com um alto grau de “concentração midiática”, o que contrasta com a “extrema diversidade de sua sociedade civil”; este problema advém de um sistema nacional de comunicação estruturado pela ditadura militar, que ainda segue vigente. O documento afirma que “dez grandes grupos econômicos” – cada qual representando uma “família” – repartem a quase totalidade da “comunicação de massas” no país. Dentre estes, se destacam: na televisão, o grupo Globo (Marinho), o SBT (Sílvio Santos), a Rede Bandeirantes (Saad) e a Record (do industrial de igrejas Edir Macedo); e na imprensa escrita, além da Folha (que vem surpreendendo mesmo os concorrentes com sua ânsia golpista de nível Kataguiri), o Estadão (Mesquita), a Editora Abril (dona da Veja, órgão neofascista dos Civita) e, novamente, os Marinho (filhos de 1964, com seu jornal O Globo).

 

PIG Global – dos EUA para o mundo

 

O problema da falta de democracia na imprensa, contudo não é uma particularidade brasileira. Conforme entrevista do fundador do Wikileaks, Julian Assange, se no Brasil “há seis famílias que controlam 70% da imprensa”, este desequilíbrio chega a ser pior em países supostamente “desenvolvidos”, como a Suécia em que 60% da mídia é comandada por uma só organização, ou na Austrália, em que o tal Rupert Murdoch detém sozinho mais da metade da imprensa escrita.

 

No caso dos Estados Unidos, a relação entre a mídia e a política direitista é ainda mais orgânica – e a concentração de poderio, como mencionado, vem se agravando. O premiado jornalista e professor da Universidade da Califórnia, o armênio Ben Bagdikian mostra em seu estudo (O monopólio da mídia, 2000) que, se no início dos anos 1980 cinquenta empresas dominavam a comunicação nacional, no final dos 1990 elas tinham se reduzido a somente dez corporações. Em 2004, o autor reviu e atualizou sua obra, acabando por verificar que naquela data eram apenas cinco as empresas que monopolizavam 90% da informação de massas: Time Warner (CNN, AOL), Disney (ABC, D. Channel), Murdoch's News Corporation (Fox, The Wall Street Journal), Bertelsmann (RTL Group, Penguin Random) e Viacom (ex-CBS, Paramount, MTV).

 

Esses conglomerados corporativos não só controlam a opinião pública estadunidense, como influenciam diretamente diversos estamentos governamentais, caso do Conselho de Relações Exteriores, que durante o governo Obama promoveu o armamento de grupos neonazis em prol da destituição do governo eleito ucraniano e incendiou nações cujos governos eram opositores (Venezuela, Síria, Líbia), além de ter apoiado vários golpes de Estado (Honduras, Paraguai e Brasil). Logicamente, antes de iniciar cada conflito, tais meios se comprometeram com a construção dos discursos que os legitimariam nas televisões, jornais, cinemas do mundo.

 

20 Dezembro 2016

http://www.carosamigos.com.br/index.php/colunistas/227-yuri-martins-fontes/8791-baixo-nivel-cultural-como-projeto-de-estado-o-pig-global

 

https://www.alainet.org/fr/node/182509?language=es
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