De qual crise estamos falando?
- Opinión
Toda crise precisa ser interpretada, seja nos seus fundamentos, seja nas suas consequências. Nelas há sempre quem ganha e quem perde.
Um consenso entre os grandes pensadores modernos – incluindo o Papa Francisco – é que atravessamos uma “crise de civilização”. Ela atinge todas as dimensões da realidade, desde a política, econômica, ética e vai até a ambiental. Com o avanço da técnica e da ciência não sabemos como será a humanidade desse final de século e muito menos como será o planeta no qual habitamos.
Entretanto, a chamada “crise brasileira” atual é imediata e precisa ser compreendida em todas as suas dimensões para não incorrermos em erros de avaliação que favorecem exatamente os já aquinhoados desse país.
Aqui pelo sertão há 35 anos, a gente acaba aprendendo a linguagem do povo, particularmente a população rural do nosso imenso Semiárido.
Lá pela década de 80, quando o povo citava a expressão “crise”, era para dizer que havia fome, sede, miséria. A consequência era a migração, os saques, quando não a imensa mortalidade de crianças e até adultos.
Na seca de 82 o IBASE (Betinho), CPT e outras entidades elaboraram um livro chamado “Genocídio do Nordeste”. O levantamento de nomes de pessoas mortas por inanição (fome e sede) foi projetada para a fábula de 700 mil pessoas por essa razão.
Um humorista paraibano, Zé Lezin, esses dias fez piadas com a tal “crise”. Ele diz que na terra dele “os meninos estão derrubando manga com queijo do reino”. Ou ainda, “o pessoal no bar comenta a crise tomando whisky e comendo camarão”.
Ele é um humorista e essas expressões precisam ser consideradas dentro de sua linguagem. Mas, o que ele exprime, é que a crise depende do ponto de vista de quem a vê e, como já dizia Leonardo Boff, “cada ponto de vista é a vista de um ponto”.
Para aqueles que estão sendo desempregados a crise é uma realidade. Mas, os 7,6% de desempregados da população economicamente ativa estão longe dos 12% dos tempos de Fernando Henrique.
A inflação que passou de 6,5% para 9,5% ao ano é um problema para todos, mas não como no tempo do Sarney, cuja inflação era 13% ao dia. E os econometristas do mercado dizem que ela estará em torno de 5,5% no ano que vem.
A crise do dólar afeta alguns produtos importados, talvez a viagem de muita gente ao exterior, mas em grande parte é jogo da especulação dos mercados.
As recessões serão inevitáveis enquanto esse país depender da exportação de matérias primas como minério de ferro, soja e mais meia dúzia de commodities.
Por aqui ainda não voltou a fome, a sede e a miséria. Portanto, nosso povo simples fica com um sorriso estranho quando se fala em crise. A casa continua lá, a cisterna, a energia, a comida.
Os especuladores – juros básicos de 14,5% ao ano – estão surfando na fantástica onda da crise. Portanto, há quem ganhe – e muito – com a tal crise real e a forjada.
Também é o pretexto para mexer em direitos trabalhistas, previdenciários e “reformas” em cima de quem trabalha.
É o preço que pagamos por não ter sido feita a reforma política – deu em Cunha e nesse PMDB – a tributária, a do judiciário, a educacional, sem falar na reforma agrária, no saneamento básico e mudança da matriz energética.
É um absurdo que um pais energético como esse – ventos, sol, etc. – tenha que sofrer aumento de preços em função do alto custo da energia.
Há dez anos nos diziam que energia eólica era economicamente inviável. Hoje já responde por 30% da energia nordestina e já é a segunda mais barata do Brasil. E nem precisava confiscar terras de comunidades, derrubar topos de morros, ou enfeiar paisagens paradisíacas.
Hoje continuam recitando a mesma ladainha em relação à solar. Daqui alguns anos fará parte integrada e importante de nossa matriz energética. Se for descentralizada, gerará renda para as famílias, como é o caso do Minha Casa, Minha Vida aqui de Juazeiro.
Agora, se a falta de água e a degradação dos solos continuarem se aprofundando e se expandindo, em razão do desmatamento, então iremos cavando uma crise verdadeira e sem retorno.
A crise permanente desse país é a da estupidez.
Roberto Malvezzi (Gogó)
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