A Cúpula das Américas, Obama, o Papa e o Brasil
- Opinión
O IHU notícias de 14 deste abril publicou uma entrevista concedida por Noam Chomsky, em novembro do ano passado, sobre a política externa dos Estados Unidos, entre outros assuntos; um artigo do cientista político João Manoel Karg, sobre o comportamento de Obama na Cúpula das Américas, recentemente encerrada, e uma carta enviada pelo Papa ao presidente do Panamá onde esse evento se realizou, expressando preocupação com as desigualdades sociais persistentes nessa parte do mundo.
Conhecido pela radicalidade das suas críticas à história terrorista dos Estados Unidos, baseada na pressuposição de que toda a sua violência pode ser justificada pelo risco permanente vivido por sua segurança, hipótese fortalecida depois do ataque às torres gêmeas, Noam denuncia as invasões frequentes da sua poderosa força militar em outros países.
Para as atrocidades e assassinatos daí decorrentes, ele situa ainda na era Kennedy a mudança imposta pelos Estados Unidos aos militares dos países sujeitos à sua influência e domínio (Brasil também evidentemente). Desde 1962 deveriam substituir a “defesa hemisférica” pela “segurança interna”, ou seja, a conveniência de a Força Pública de cada nação, voltar-se contra o seu próprio povo. Tomando como exemplo religiosos assassinados na América Latina – Dom Oscar Romero, em El Salvador, entre eles – diz Noam:
“Houve mártires religiosos por todos os lados, e muitos outros. Instalam-se Estados de segurança nacional ao estilo neonazista no Brasil, no Uruguai, no Chile e na Argentina. Por fim, chegam à América Central na década de 1980. Foi um período horrendo. E ele basicamente culminou no dia 16 de novembro de 1989, com o assassinato dos seis jesuítas em El Salvador. É um evento de uma significação histórica muito grande. As pessoas nos EUA deveriam saber sobre ele. Somos os responsáveis por isso. É algo muito pior do que aconteceu na Europa Oriental neste mesmo tempo.”
A recente conclusão dos trabalhos das Comissões da Verdade, no Brasil, atestam a procedência dessa crítica. À uma pergunta do entrevistador sobre o socialismo, hoje, relacionada com crítica anterior de Chomsky, baseada na necessidade de uma inspiração nova para a sua construção, não se esquivou e surpreendeu:
“Tem de haver uma transformação espiritual entre as massas, que precisam estar dispostas a reconhecer que sua opressão não é uma lei da natureza. É isso o que os bispos latino-americanos estavam fazendo quando formaram as comunidades de base. Eles estavam tentando fazer com que os camponeses reconhecessem que podemos ter o nosso destino nas nossas próprias mãos. É isso o que o movimento dos direitos civis fez aqui [nos EUA]. É isso o que o movimento feminista fez.”
Se essa entrevista parece não ter qualquer relação com os outros fatos, por ter sido feita bem antes da Cúpula das Américas, a sua crítica histórica da política externa dos Estados Unidos talvez explique o comportamento do presidente norte-americano nesse encontro.
Se ela ainda não predomina, por arrogância e prepotência, talvez agora revele constrangimento e vergonha. João Manuel Karg, cientista político, conta como tudo se passou, na mesma publicação do IHU: “…após ouvir Raúl Castro, e antes que falassem Cristina Fernández de Kirchner e Nicolás Maduro, Obama retirou-se da plenária de Chefes de Estado, em uma atitude muito questionável. Esta imagem, que alguns analistas conservadores buscaram fazer passar como uma derrota dos países da Unasul, supõe antes o contrário: os Estados Unidos não podem dirigir um espaço que criaram com essa finalidade, lá por 1994, o que fica evidente com a saída de Obama da sala. Assim, o país que em décadas passadas foi “amo e senhor” deste tipo de encontro, nem sequer ouviu os discursos de boa parte dos presidentes da região, em uma atitude arrogante, mas também defensiva.”
Obama pode ter-se incomodado mais ainda ao conhecer o teor da carta enviada pelo Papa Francisco ao presidente do Panamá, valorizando o tema da Conferência: “Prosperidade com igualdade: o desafio da cooperação nas Américas”. Como já antecipara na sua primeira exortação apostólica, Francisco sublinhou a necessidade de serem tomadas, com a urgência e efetividade indispensáveis, as providências dos países de todo o mundo, no caso, os do continente americano, para se eliminar, de vez, a injustiça social geradora de pobreza e miséria. Tomando como um dos exemplos, a imigração forçada, um problema social enfrentado diariamente nos Estados Unidos (já não tão estranho ao Brasil, recebendo bolivianos e haitianos), escreveu:
“Não basta esperar que os pobres recolham as migalhas que caem da mesa dos ricos. São necessárias ações diretas a favor dos mais desfavorecidos, cuja atenção, como a dos menores em uma família, deveria -ser prioritária para os governantes.” (…) “Em determinadas circunstâncias, a falta de cooperação entre os Estados deixa muitas pessoas fora da legalidade e sem possibilidade de fazer valer seus direitos, obrigando-as a situar-se entre os que se aproveitam dos outros ou a resignar-se a ser vítima dos abusos. São situações em que não basta salvaguardar a lei para defender os direitos básicos da pessoa, nas quais a norma, sem piedade e misericórdia, não responde à justiça. Às vezes, mesmo dentro de cada país, há diferenças escandalosas e ofensivas, especialmente nas populações indígenas, nas zonas rurais ou nos subúrbios das grandes cidades. Sem uma autêntica defesa destas pessoas contra o racismo, a xenofobia e a intolerância, o Estado de direito perderia sua legitimidade.”
Reuniões entre chefes de Estado, como se sabe, nem sempre alcançam reflexo garantido na realidade de cada país participante delas. Há muito aperto de mão para fotos, preservação de aparências, jogo de cena para a mídia, tratados assinados, protocolos estabelecidos, aproveitamento da ocasião para se negociar renovação de algum auxílio financeiro, estabelecimento de novos prazos para quitação de dívidas e outras providências dessa espécie.
Pelas notícias do IHU do último dia 14, todavia, um terceiro, ausente da Cúpula das Américas, mas lá representado, parece ter salientado o mais importante, em três advertências muito oportunas: em vez de justiça, as previsões legais às vezes garantem o contrário “sem piedade”; é necessária e urgente a defesa efetiva do povo pobre e excluído; sob pena de o Estado de direito perder a sua legitimidade. Tomara seja ele ouvido.Final del formulario
abril 27, 2015
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