Irã: quem atira a primeira pedra?

30/05/2010
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O presidente Lula empreendeu  uma delicada operação diplomática para evitar que o Irã utilize a energia  nuclear para fins bélicos. As nações mais poderosas do mundo, capitaneadas  pelos EUA, logo expressaram sua indignação e discordância: como um “paiseco”  como o Brasil ousa querer ditar regras na política  internacional?

 Marx, Reich e Erich Fromm já nos haviam prevenido  que preconceito de classe costuma ser um tabu arraigado. Como alguém que  nasceu na cozinha tem o direito de ocupar a sala de jantar?

 Pelo  critério de George Bush, lamentavelmente preservado por Obama, o Irã faz parte  das nações que integram o “eixo do mal”. Não morro de amores pela terra dos  aiatolás, considero o governo iraniano uma autocracia fundamentalista e  discordo do modo patriarcal que o Irã trata as suas mulheres, como seres de  segunda classe. Diga-se de passagem, assim também faz o Vaticano, razão pela  qual as mulheres são impedidas de acesso ao sacerdócio.

 Mas não  custa questionar o cinismo dos senhores do mundo com poder de veto no Conselho  de Segurança da ONU: por que Israel tem o direito de possuir arsenal nuclear e  o Irã não? Ele jogaria uma bomba nuclear sobre outras nações? Ora, isso os EUA  já fez, em 1945, sacrificando milhares de vidas inocentes em Hiroshima e  Nagasaki.

 O Irã desencadearia uma guerra mundial? Ora, o  Ocidente civilizado já promoveu duas, a segunda vitimando 50 milhões de  pessoas. O nazismo e o fascismo surgiram no Oriente? Todos sabemos: foram  criação diabólicas de dois países considerados altamente civilizados, Alemanha  e Itália.

 Os árabes, ao longo de 800 anos, ocuparam a Península  Ibérica. Deixaram um lastro de cultura e arte. A Europa ocupou e saqueou a  África e a Ásia, e o lastro é de miséria, mortandade e extorsão. O Irã é uma  ditadura? Quantas não foram implantadas na América Latina pela Casa Branca?  Inclusive a do Brasil, que durou 21 anos (1964-1985). Há pouco a Casa Branca  apoiou o golpe militar que derrubou o governo democrático de  Honduras.

 Fortalecido belicamente o Irã poderia ocupar países  vizinhos? E o que dizer da ocupação usamericana de Porto Rico, desde 1898, e  agora do Iraque e do Afeganistão? E com que direito os EUA mantêm uma base  naval, transformada em cárcere clandestino de supostos terroristas, em  Guantánamo, território cubano?

 Respaldado em que lei  internacional os EUA implantaram 700 bases militares em países estrangeiros?  Só na Itália existem 14. Na Colômbia, 5. E quantas bases militares  estrangeiras há nos EUA?

 Há que admitir: o Irã não está  preparado para se integrar no seio das nações civilizadas... Nações que  financiam, pelo consumo, os cartéis das drogas, tratam imigrantes estrangeiros  como escória da humanidade, fazem do consumismo o ideal de vida.  

 E convém lembrar: fundamentalismo não é apenas uma síndrome  religiosa. É, sobretudo, uma enfermidade ideológica, que nos induz a acreditar  que o capitalismo é eterno, fora do mercado não há salvação e a desigualdade  social é tão natural quanto o inverno e o verão.

 Lula candidato  era discriminado pelo elitismo brasileiro por não dominar idiomas  estrangeiros. Surpreendeu a todos por falar a linguagem dos pobres e  revelar-se exímio negociador em questões internacionais.

 Sem o  apoio do Brasil não avançaria essa primavera democrática que, hoje, semeia  esperança de tempos melhores em toda a América Latina. Os eleitores dão as  costas às velhas oligarquias políticas e escolhem governantes progressistas.  

 Essa nova geopolítica latino-americana, que oficializará em 2011  a União das Nações Latino-Americanas e Caribenhas, certamente preocupa  Washington. A crise financeira bate as portas das nações mais poderosas do  mundo e a Europa entra num período de recessão. O livre mercado, o Estado  mínimo, a moeda única (euro), a ciranda especulativa, mergulham numa crise sem  precedentes.

 Tudo indica que, daqui pra frente, o mundo será  diferente. Se melhor ou pior, depende do resultado do embate entre duas forças  contrárias: os que pensam a partir do próprio umbigo, interessados apenas em  obter fortunas, e os que buscam um projeto alternativo de sociedade, menos  desigual e mais humano. É a antiética em confronto com a  ética.

- Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do  Poder”  (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org

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Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br
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