Os cenários pós FARC

19/07/2008
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
No primeiro semestre de 2008 produziu-se uma forte reviravolta política, que permite às direitas, locais e globais, e às multinacionais, recuperar posições e retomar a ofensiva. A virada não se circunscreve à Colômbia, embora tenha ali seu epicentro, e estende-se a países como Argentina, Bolívia e Peru, mas, em essência, afeta toda a região.

Na Colômbia, se alguma vez houve qualquer equilíbrio estratégico entre as FARC e as forças armadas, acabou por romper-se, nos últimos meses, em favor do Estado. A guerrilha perdeu toda a possibilidade de negociar um acordo humanitário em condições favoráveis, não pode manter ofensivas militares nem políticas, sofre um agudo descrédito entre a população, e já não conta com aliados significativos na região e no mundo. Ainda assim, o mais provável é que as FARC sigam adiante, com minguada capacidade de iniciativa, e com a provável fragmentação entre seus comandos e frentes, como sugere o desfecho da libertação dos 15 seqüestrados.

Carlos LatuffA estratégia delineada pelo Comando Sul e o Pentágono, e modelada no Plano Colômbia II, não contempla nem a derrota definitiva nem a negociação com a guerrilha. Eliminar as FARC do cenário seria um péssimo negócio para a estratégia imperial de desestabilização e recolonização da região andina, a que Fidel Castro definiu como “paz romana”. Esse projeto não pode se desenvolver sem guerra, direta ou indireta, ou seja, sem a desestabilização permanente como forma de reconfiguração territorial e política da estratégica região, que inclui o arco que vai da Venezuela à Bolívia e ao Paraguai, passando pela Colômbia, Equador e Peru.

Por um lado, trata-se de isolar a região andina para facilitar o atual negócio multinacional (mineração a céu aberto, hidrocarburetos, biodiversidade, monoculturas para agrocombustíveis), o que supõe tanto a apropriação de bens públicos como o deslocamento das populações que ainda sobrevivem nesses espaços. Não estamos diante de um capitalismo, digamos, “normal”, aquele que foi capaz, em seu momento, de estabelecer alianças e pactos que deram vida ao Estado benfeitor, em base à tríplice aliança entre Estado, empresários nacionais e sindicatos. Trata-se de um modelo financeiro-especulativo e de acumulação por despojo, que substitui as negociações pelas guerras e a extração de mais-valia pela apropriação da natureza. Ou seja, um capitalismo de guerra para tempos de decadência imperial.

Este sistema assume a forma de capitalismo criminoso ou mafioso em países como a Colômbia, porque mais do que ser funcional à guerra e ao roubo, tem seu núcleo central formado por estes, seu principal modo de acumulação. Isso explica a aliança estreita entre empresas privadas de guerra, que contam nesse país com dois a três mil mercenários, agora apelidados de “contratistas”, com um Estado paramilitar como o que Alvaro Uribe lidera, assentado na aliança com paramilitares e narcotraficantes.

Este ordenamento foi confrontado, na Colômbia, por três forças: a guerrilha, a esquerda do Pólo Democrático e os movimentos sociais. A primeira acredita que pode vencer com as armas ou negociar com esse novo poder. O Pólo subestima o papel de Washington e das multinacionais como desenhistas e usufrutuários do Estado paramilitar mafioso, e superestima, portanto, as margens democráticas. Os movimentos, por seu lado, têm grandes dificuldades para superar a escala local e setorial, e não estão em condições, por enquanto, de erigir-se em atores alternativos.

O Plano Colômbia II foi o encarregado de esboçar esse Estado militarista e neste momento busca avalizá-lo. Agora que as FARC não representam maior risco para esse projeto, aparece com clareza o objetivo traçado de longo prazo. Longe de abrir espaços para a negociação, como deseja a esquerda, a mensagem dos últimos meses indica um só caminho: nem a paz nem a rendição garantem a vida aos guerrilheiros. Ou combatem e resistem ou lhes espera o extermínio, como ocorreu em fins da década de 1980. Trata-se de golpear seus núcleos territoriais para deslocá-los para as zonas fronteiriças com a Venezuela e o Equador, onde o Plano Colômbia II aspira convertê-los em instrumento da desestabilização regional.

Por isso, a Venezuela e Hugo Chávez adaptaram a estratégia de reduzir a tensão com o governo de Uribe. Não é uma questão ideológica, como pretendem alguns analistas. Este debate vale para as mesas de café ou os gabinetes acadêmicos, mas tem escassa utilidade quando se trata da sobrevivência de projetos de mudança social. Se o projeto imperial se consolidar, toda a região sofrerá com a polarização, daí a urgência em desmontar os conflitos, tanto na Colômbia como na Argentina e Bolívia.

Um eventual triunfo de Barack Obama tampouco modificará as coisas. Pode temperar os traços mais autoritários do uribismo, o que explica o nervosismo do governo de Bogotá e sua solícita aliança com o candidato republicano. O certo é que os planos do Comando Sul não dependem do inquilino da Casa Branca, já que apontam para a promoção de uma ação integral na região, transformando-a em uma zona estável e um baluarte inexpugnável para manter a hegemonia estadounidense em escala global. Em suma, as elites imperiais aspiram usar a força das armas para reverter sua decadência, o que passa pela recolonização da América Latina. Em um período como o atual, só a mobilização popular e as vias políticas podem contribuir para debilitar a ofensiva que vem do Norte.

Traduzido por Omar L. de Barros Filho

https://www.alainet.org/fr/node/128777
S'abonner à America Latina en Movimiento - RSS