Pela "refundação" do legislativo

01/08/2006
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Definidas as candidaturas a Presidente da República e a Governadores, suas campanhas começam a tomar as ruas e os meios de comunicação. Os eleitores, por sua vez, vão tomando posição, pela reeleição ou por novos detentores desses mandatos. Outros decidirão votar nulo, para demonstrar sua insatisfação e desânimo. Mas o mais votado será eleito, e pronto. Com ou sem entusiasmo, nós os teremos por quatro anos. Vamos no entanto eleger também Deputados Federais, Estaduais e Senadores. Ora, para esta escolha é provável que o desejo de votar nulo seja maior. O Congresso está desacreditado e por tabela as Assembléias Estaduais. Os candidatos vão pintar muros, espalhar cartazes, usar a TV como puderem, tentando nos convencer de que merecem nossa confiança. Mas muito pouca gente acredita que é possível ter parlamentos diferentes do que se tem visto. Sem "sanguessugas", "mensalões" ou "caixa dois", sem as "pizzas" da impunidade. Para que se dar ao trabalho de escolher entre tantos candidatos ao Legislativo? O problema é que a eleição para o Legislativo deveria ser a principal. A tendência, no Brasil, é deixá-la acontecer, encoberta pelas campanhas para os Executivos. Numa democracia, no entanto, esse Poder é o único que pode representar toda a sociedade. Por isso mesmo é ele que legisla, para os demais Poderes e para todos os cidadãos. Presidente, Governador, Prefeito, todos dele dependem inteiramente: não podem fazer nada sem autorização legal. A tal de "governabilidade" está em suas mãos. E a ele cabe, ainda, fiscalizar o Executivo. Por essas razões procuram sempre "comprá-lo". Ele é decisivo também para nós, cidadãos: é dele que saem as leis que precisamos respeitar e que asseguram nossos direitos. Assim, não é a melhor opção dar atenção somente ao voto para Presidente e Governador, e reagir agora à vergonheira do Congresso votando nulo para Deputados e Senadores. Não dá para se desinteressar do Legislativo. Ele precisa ser composto de "representantes" capazes de cumprir suas importantes funções. O mínimo a fazer - e muitos já se mobilizam para isso - é não deixar que sejam reeleitos os que nesta crise mostraram o que são. Mas é preciso muito mais. É preciso "refundar" o Legislativo. Reforma política? Há os que esperam fazer com que 2007 seja o ano da Reforma Política, modificando tudo que precisa ser modificado para que nossas instituições políticas funcionem melhor. Mas lutar por novas leis e emendas constitucionais nos joga numa armadilha. Quem teria que aprovar essas leis - entre as quais as que impeçam abusos de poder e falcatruas - é o mesmo Legislativo que hoje nos escandaliza... Regras que reprimam os infratores com eficácia vão ferir muitos interesses consolidados, e mais ainda interesses espúrios. Em 2005, apesar de toda a indignação popular, o Congresso não conseguiu introduzir senão mudanças cosméticas na legislação eleitoral. Pressionar, como cidadãos, para conseguir que tais leis sejam aprovadas, tem uma eficácia limitada. O cidadão comum, no seu cotidiano, tem que "ganhar a vida". Suas manifestações de rua podem até "derrubar" leis e dirigentes políticos. Mas a "pressão popular" possível é sempre em torno de objetivos pontuais, com duração limitada. Enquanto quem se encontra dentro do "mundo da política" pode dedicar todo o seu tempo para resistir. É até remunerado para fazê-lo, impondo seu ritmo e sua agenda à participação da sociedade. A ampla "reforma política" de que precisamos exige uma continuidade que está fora do alcance da ação cidadã. E se por milagre conseguíssemos as leis necessárias, elas sempre deixariam brechas. Ora, num país em que prevalece a cultura do "levar vantagem" e do orgulho da esperteza, há uma infinidade de agentes privados e mesmo públicos com extrema competência para encontrar e usar essas brechas. A falta de escrúpulos faz com que sempre se encontrem os meios de burlar as regras. E o espírito de corpo se encarrega de neutralizar quaisquer excessos de zelo... Mudando a lógica A única saída possível é mudar a lógica: uma dinâmica de "refundação" do Legislativo tem que vir de dentro para fora desse poder. Para isso é preciso que nele exista um número suficiente de parlamentares que não vejam a ética como simples tática eleitoral, e que se proponham a lutar pela mudança desse Poder como um compromisso pessoal. Como um imperativo ético que cada um assuma antes de ser eleito, disposto a viver, desde sua candidatura, uma profunda renovação das motivações e práticas nas campanhas e no exercício de mandatos políticos, sem precisar de nenhuma pressão externa. Uma tal "refundação" do Legislativo seria estratégica, porque influenciaria todos os demais Poderes, na construção de uma cultura de responsabilidade ética no mundo da política. Ela atingiria até os partidos políticos, tão necessitados que estão de uma renovação igualmente profunda no seu modo de funcionar. E a própria sociedade seria alcançada por este vento novo, pelo exemplo que vem de cima. Mas tudo depende de nós, cidadãos: caberá aos eleitores eleger esses parlamentares. O problema passa a ser o de como identificá-los, entre os milhares de candidatos. Um "Selo de responsabilidade ética" Uma solução poderia ser a criação de um "selo de responsabilidade ética", que indicasse que candidatos, de quaisquer partidos, estão dispostos a atuar como o devem os representantes eleitos numa real democracia. Esse "selo" seria atribuído a quem assinasse uma Carta-compromisso - cujos nomes seriam então amplamente divulgados por publicações, internet, etc.- especificando um certo número de comportamentos necessários para iniciar um tal processo de renovação. Digo comportamentos e não temas de luta social, porque estes são os que distinguem os partidos entre si, o que corresponde a um segundo critério de escolha para os eleitores. Nosso grande problema agora é o dos comportamentos éticos. É óbvio que, no atual descrédito dos nossos "políticos", a primeira reação dos que lerem ou ouvirem esta proposta é dizer que todos assinarão o compromisso... E sobram razões para acreditar que isto pode ocorrer. Quem garantirá que cumpram esse compromisso? A solução a ser pelo menos tentada teria que ser dupla: de um lado a Carta deveria conter itens exigentes, para "assustar" os oportunistas, numa perspectiva de efetiva "refundação" do Legislativo. De outro lado, teria que ser criada depois, dentro do Legislativo, uma articulação formal entre aqueles que tivesse assinado "pra valer" o compromisso. Quanto ao nível de exigência dos itens da Carta, é possível que para começar talvez não possamos ser muito radicais... Mas eu proporia, por exemplo, a regra de não se candidatar ao Legislativo por mais de dois mandatos consecutivos ou três intermitentes. Seria uma forma de valorizar a "representação" e combater a "profissionalização" da atividade política eletiva, que a transforma em carreira ou meio de vida. Outra regra, nessa mesma perspectiva, poderia ser a de não interromper mandatos para se candidatar a outros cargos ou exercer funções em Executivos. Quanto à articulação dentro do Legislativo, os parlamentares assim comprometidos teriam que formalizar alianças supra-partidárias públicas e explícitas, com as quais assegurassem tanto um apoio mútuo como um controle que toda a sociedade acompanhasse. Sem tais alianças eles se reduzirão a "Quixotes" rapidamente isolados pelos demais, sem portanto a força necessária para construir a nova cultura política de que estamos necessitando no Brasil. As organizações e cidadãos - e candidatos - que considerassem esta proposta viável poderiam tentar elaborar uma Carta-Compromisso desse tipo, a ser apresentada aos candidatos, para a devida divulgação dos nomes de quem a assinasse Se houver interessados, posso ajudar promovendo uma primeira reunião de discussão, em data a ser definida (escrever para repolítica@uol.com.br com copia para intercom@cidadania.org.br). Talvez um tal processo possa reavivar a esperança de que nossa democracia representativa funcione um pouco melhor, ganhando capacidade também para estimular o crescimento e a eficácia dos mecanismos de controle social e de democracia direta necessários para ela sobreviva.
https://www.alainet.org/fr/node/116401
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