A América Latina entre o velho e o novo
04/04/2005
- Opinión
As convulsões por que passa a América Latina atualmente são
os sintomas de uma luta entre o velho e o novo, entre o que
o neoliberalismo produziu no continente, seu esgotamento e
as forças que lutam para sua superação. Em pouco tempo –
menos de três décadas -, o modelo que pretendia ser solução
para a crise latino-americana revelou o fracasso de suas
promessas e joga o continente em uma situação limite,
similar à que viveu nos anos 1930, em uma crise hegemônica
que pede novos rumos e propostas para sua superação
positiva.
As falsas promessas de retomada do desenvolvimento
empurraram a América Latina à estagnação que a afeta desde
1999, enquanto a desigualdade e a exclusão social se
aprofundam, as fragilidades externas aumenta, a renúncia à
afirmação das nossas identidades se estende e o continente
se vê transformado no mais instável do mundo em termos
econômicos e sociais.
Essa instabilidade é produto do esgotamento do velho – as
políticas neoliberais – e a força ainda insuficiente do
novo – um mundo em que a justiça e a solidariedade tenham
preponderância sobre as leis do mercado – para se
constituir em alternativa. Essa é a marca do momento atual
vivido pelo nosso continente.
O velho insiste em sobreviver por meio de governos que
mantêm e reproduzem as desumanas e antidemocráticas
políticas de ajuste fiscal, priorizadas em relação às
políticas sociais. Isolados em relação às necessidades
prementes da massa da população, se apóiam no capital
especulativo, nos organismos financeiros internacionais e
no monopólio privado da mídia, que os ampara e sustenta.
Procura sobreviver por meio das políticas belicistas de
Washington, que militariza os conflitos e se arvoram a
resolvê-los pela força. Isolados, os EUA tentam impedir que
em 2006 a América Latina conte com uma ampla frente de
governos que se opõem a essa política, que pode ir do
México ao Uruguai, passando por Brasil, Venezuela,
Argentina, Cuba, Bolívia – no único bloco de forças, já
hoje existente, que resiste de forma organizada ao governo
Bush no mundo. Tentam impedir que o povo mexicano decida
livremente o seu destino, buscando fraudulentamente
impugnar a candidatura do governados do Distrito Federal,
Lopez Obrador, líder nas pesquisas eleitorais há muito
tempo.
O novo revela sinais da força já acumulada para construir
alternativas ao neoliberalismo e ao belicismo. O novo
começou a surgia há muito tempo – desde o grito de Chiapas
dos zapatistas, em 1994 -, mas tomou novo impulso quando os
camponeses bolivianos impediram a privatização da água e
derrubaram o presidente que a promovia, construindo uma
força política social alternativa ao governo. Surge quando
os movimentos sociais latino-americanos – a começar pelo
MST -, lutam pela reforma agrária, contra os transgênicos e
pela segurança alimentar. O novo está presente na vitoriosa
reestruturação da dívida externa Argentina, realizada por
Nestor Kirchner. O novo se expressa na eleição da Frente
Ampla para dirigir o Uruguai, na vitória de Hugo Chavez no
referendo venezuelano, na política de integração latino-
americana – renovada e fortalecida na reunião de Lula,
Kirchner e Hugo Chavez, em Montevidéu, para programar
cúpulas dos ministérios sociais, de energia e econômicos
dos seus governos e dos que queiram se somar a essas
iniciativas.
Também fazer parte do novo as propostas de criação de uma
televisão pública dos paises do continente, de integração
das empresas petrolíferas da América Latina e do Banco da
Semente, para proteger o nosso patrimônio natural. O novo
está presente nos acordos estratégicos assinados entre os
governos de Brasil, Venezuela, Cuba, Argentina, Uruguai,
entre si e com China, Irã, Rússia e Espanha, projetando uma
nova inserção internacional do continente.
Mas essa força acumulada pelo novo ainda encontra muitas
dificuldades para se firmar, para se constituir em
alternativa à crise hegemônica que vive a América Latina. A
primeira é a sobrevivência do eixo das políticas
neoliberais em governos tão decisivos na região como os do
Brasil e da Argentina. As políticas de ajuste fiscal, de
“livre comércio”, de desregulação dos mercados financeiros
são parte integrante do velho, do “Consenso de Washington”
e se constituem em barreiras para que se possa construir
sociedades solidárias e justas. Da mesma forma que as
políticas agressivas do governo dos EUA – expressas, entre
outras formas, no Plano Colômbia e nos ataques sistemáticos
contra Cuba e a Venezuela – representam a expressão da
“guerra infinita” de Bush no continente e devem ser
isoladas e derrotadas para que a América Latina possa sair
da crise atual e tornar-se um continente integrado e
soberano.
A solução positiva da crise atual, a vitória do novo sobre
o velho depende da esquerda – das forças políticas, dos
movimentos sociais e culturais, da imprensa independente,
da intelectualidade crítica, da cidadania militante.
Depende da formulação de uma plataforma de saída do modelo
atual e de criação de um novo padrão de relações sociais,
antimercantil, solidário e justo. Depende da aglutinação
das forças sociais, políticas e culturais interessadas na
sua realização, da luta ideológica constante contra os
valores neoliberais e mercantis e a favor de um mundo
fundado na universalização dos direitos e não da
mercantilização. Depende da mobilização popular e da
capacidade da cidadania da América Latina para derrotar o
velho e construir o novo.
https://www.alainet.org/fr/node/111707?language=en
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