Nanotecnologia: do campo a seu estômago
29/08/2004
- Opinión
A maior revolução industrial de todos os tempos sucede a uma
escala tão pequena que passa inadvertida a maioria das pessoas. A
industria da nanotecnologia - a manipulação da matéria à escala do
manômetro, a milionésima parte de um milímetro - move atualmente
mais de 50 bilhões de dólares a escala global, e os analistas
predizem que chegará a um bilhão de dólares anuais em 2011.
A maior parte das aplicações comerciais estão na engenharia de
materiais, a informática, a medicina e a defesa. Mas também as
aplicações em agricultura e alimentação crescem aceleradamente.
Em dezembro de 2002, o Departamento de Agricultura de Estados
Unidos (USDA, suas sigla em inglês) publicou uma primeira
aproximação sobre a nanotecnologia em sua área. Segundo a nova
visão nanotecnológica, a agricultura será mais automatizada e
industrializada, e se reduzirá a funções fragmentadas, eliminando
ainda mais pessoas do trabalho agrícola. Seguindo a tendência que
se potencializou a engenharia genética, de controle corporativo
desde a semente até o produto no supermercado, a agricultura
nanotecnológica controlaria inclusive os átomos que compõe esses
produtos.
Todas as corporações que dominam o negocio mundial dos
transgênicos estão investindo em nanotecnologia. A Monsanto tem
um acordo com a empresa nanotecnológica Flamel para desenvolver
seu herbicida Roundup (glifosato) em uma nova formulação em
nanocápsulas. O principal objetivo deste acordo é ganhar uma
extensão de sua patente por outros 20 anos. Pharmacia (agora parte
de Pfizer), tem patentes para fabricar nanocápsulas de liberação
lenta usadas em "agentes biológicos como fármacos, inseticidas,
fungicidas, praguicidas, herbicidas e fertilizantes". A Syngenta
patenteou a tecnologia Zeon, microcápsulas de 250 nanômetros que
liberam os praguicidas que contêm o contato com as folhas. Já
estão a venda com o inseticida Karate, para uso em arroz,
pimentão, tomates e milho. A Syngenta também tem uma patente sobre
uma nanocápsula que libera seu conteúdo ao contato com o estômago
de certos insetos (lepidóptera) lagartas.
Segundo a Syngenta, estas nanocápsulas tornariam mais seguro o
manejo de praguicidas perigosos. Justificam assim o maior uso de
agrotóxicos e a reintrodução de praguicidas de alta perigosidade.
Mas, como as nanopartículas são tão pequenas, podem atravessar o
sistema imunológico, mover-se a través da pele, aos pulmões e
outros órgãos. Ninguém conhece o que sucederá com estas
partículas artificiais a sua interação com os humanos, também com
o ambiente, insetos benéficos, fauna e flora silvestre. O que
acontecerá com as nanocápsulas que não "explodem", ao ser logo
ingeridas por animais ou humanos?
O USDA também planeja a utilização de exércitos de nanosensores
que se liberam nos campos de cultivo para medir os níveis de água,
nitrogênio, possíveis pragas, pólen e agroquímicos, emitindo
sinais que são captadas por computadores remotos. Estimam entre
cinco e 15 anos para completar o projeto, que também prevê que,
mediante nanocápsulas, pode-se administrar agroquímicos segundo a
informação recebida no computador. Por certo, esta é uma
aplicação desenhada originalmente para a industria bélica (Smart
Dust), para monitorar as condições dos campos de batalha, presença
inimiga, armamento, etc.
Os gigantes da industria alimentícia Kraft, Nestlé e Unilever
estão usando nanotecnologia para mudar a estrutura dos alimentos.
Kraft está desenvolvendo bebidas "interativas" que mudam de cor e
sabor, por exemplo um líquido com átomos suspensos que se
convertem na bebida requerida (café, suco de laranja, whisky,
leite e outros) ao submetê-lo a certas freqüências de onda. Nestlé
e Unilever desenvolveram emulsões em nanopartículas para mudar a
textura de sorvetes e outros alimentos.
Um dos trasfondos de todas estas aplicações em nossos cultivos e
alimentos é a incerteza, ainda maior da que existe com a
engenharia genética, sobre os impactos que terá a libertação de
nonopartículas artificiais no ambiente e na saúde. Onde se
depositarão, com que se combinarão, que reações químicas podem
detonar com outros elementos, nos organismos e no ambiente. Um
estudo apresentado em 2004 na Sociedade Americana de Química
mostrou que a presença de noesferas de carbono dissolvidas em água
causaram danos severos ao cérebro dos peixes em só 48 horas.
É evidente que o marco da crescente concentração corporativa e a
ciência desenvolvida neste contexto - ainda em instituições
públicas, em general financiada e orientada pela indústria
transacional - não inclui preocupar-se por que impactos podem ter
suas invenções para a gente comum, os camponeses, consumidores ou
o meio. Pelos vastos impactos potenciais que implica, o
desenvolvimento da nanotecnologia deve ser objeto de uma moratória
global imediata. Mais do que nunca, precisamos um amplo escrutínio
e um verdadeiro controle social da ciência. Mas, sobretudo,
recuperar o controle social de nossas condições de vida, por
exemplo, sobre algo tão básico para todos como a produção de
alimentos.
*Sílvia Ribeiro é pesquisadora mexicana, ligada ao ETC Group
https://www.alainet.org/fr/node/111131
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