Quatro economias
14/10/2004
- Opinión
A globocolonização provoca tamanha desigualdade socioeconômica
entre a população mundial que os dados são escandalosos: quatro
americanos Bill Gates, Paul Allen, Warren Buffett e Larry
Ellison possuem, juntos, fortuna superior à soma do PIB de 42
nações com 600 milhões de habitantes. No Real Madri, time de
futebol da Espanha, três jogadores um brasileiro, um inglês e
um francês recebem, somados, salários anuais de US$ 42
milhões, o equivalente ao orçamento anual da capital de El
Salvador, com cerca de 1,8 milhão de habitantes.
Não é verdade que nascemos todos iguais, como reza a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Somos desiguais antes mesmo do
parto. A gestação de uma mulher pobre não pode ser comparada à
de outra rica. Basta conferir os pesos de seus bebês e suas
defesas orgânicas.
Do ponto de vista comportamental, podemos falar, hoje, de quatro
economias: da necessidade, da suficiência, do supérfluo e da
opulência.
No mundo, 2/3 da população 4 bilhões de pessoas vivem
submersos na economia da necessidade, pois não dispõem sequer de
alimentação em quantidade e qualidade suficientes. Em 1960,
havia no mundo 1 rico para 30 pobres; hoje, a proporção é de 1
para 80. Bilhões de pessoas sobrevivem em função de suas
necessidades básicas imediatas: acesso ao mínimo de alimentos, à
água, à moradia, à saúde. Têm sorte quando encontram emprego e
educação. É um povo condenado ao êxodo, à diáspora, migrando de
uma região a outra, carregando consigo todos os seus pertences.
É entre ele que, a cada dia, a fome ceifa 24 mil vidas, entre as
quais milhares de crianças.
A economia da suficiência haverá de predominar quando houver
redução das desigualdades e a humanidade conquistar, como
anunciou há 2.800 anos o profeta Isaías, "a paz como fruto da
justiça" (32, 17). Essa economia assegura a cada cidadão os
direitos básicos: alimentação, saúde e educação; moradia,
trabalho e locomoção; cultura, informação e lazer. É a economia
que predomina em mosteiros e conventos, onde ninguém é condenado
à necessidade e também não possui o supérfluo. Todos os bens,
exceto os de uso pessoal, são socializados, o que é de um é de
todos, conforme o que diz a Bíblia a respeito dos primeiros
cristãos - "Ninguém considerava exclusivamente seu o que
possuía, mas tudo entre eles era comum (Š) Entre eles não havia
necessitados" (Atos dos Apóstolos, 4, 32-34).
A economia da suficiência deveria servir de parâmetro para a
pauta de desenvolvimento sustentável das nações.
A economia do supérfluo é orquestrada pela poderosa engrenagem
publicitária e favorecida pelo acelerado avanço tecnológico, que
torna o produto de hoje obsoleto e descartável amanhã. Quando a
tecnologia não é capaz de dar um passo adiante no que já está
inventado como nos exemplos do guarda-chuva e do saca-rolha
recorre à variação do "designer", de modo a conquistar o
consumidor pela forma, já que o mecanismo em si é invariável.
Isso acontece, sobretudo, no consumo de veículos de passeio,
cuja estética atrai mais os compradores do que potência do
motor, economia de combustível, estabilidade e outros itens, nos
quais a maioria nem presta atenção.
O papel da publicidade é tornar conhecida uma mercadoria e, em
seguida, converter o supérfluo em necessário. Assim, milhares de
consumidores não podem mais prescindir desse shampoo ou daquela
marca de refrigerante, onerando seus orçamentos com o consumo
desnecessário e, muitas vezes, prejudicial à saúde. De tal
maneira a publicidade invade o nosso universo psíquico, que
chega a inverter a relação pessoa-mercadoria. Esta, revestida de
grife, passa a imprimir valor a seu comprador. É como um cavalo
apreciado pela beleza de seu arreio. O produto passa a ter mais
valor do que a pessoa, e esta só é socialmente valorizada, e
assim se sente subjetivamente, na medida em que ostenta a posse
do produto.
Talvez a mais avassaladora economia do supérfluo, hoje, seja a
indústria da estética corporal. A glamourização do corpo, uma
anticultura desumanizante, desencadeia um enorme dispêndio de
tempo e dinheiro, devido à preocupação de parecer belo aos olhos
alheios. Numa sociedade em que beleza, fama e riqueza são
consideradas valores fundamentais, sobra a beleza como
possibilidade, já que riqueza e fama estão restritas a um
círculo hermético.
São a riqueza e a fama, e também o poder, que possibilitam a
economia da opulência, ao alcance do pequeno grupo de
privilegiados que faz de seu consumo supérfluo uma forma de
ostentação, gastando fortunas com produtos e a manutenção de um
estilo de vida sofisticado. Essa fartura de tal modo contrasta
com o padrão de vida médio, que obriga aquelas pessoas a se
protegerem do assédio, do assalto e da inveja, sob forte esquema
de segurança. A economia da opulência fetichiza a mercadoria,
idolatra o mercado, coloca o dinheiro no lugar de Deus. Ela
monitora o jogo do poder neste mundo em que a política é sempre
mais comandada pela economia.
* Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto Autobiografia
Escolar" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/fr/node/110731
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