Por que os Sem Terra se mobilizam
15/04/2004
- Opinión
Há oito anos José Ribamar Alves de Souza foi assassinado com dois
tiros, um deles, na cabeça, à queima-roupa. Ele foi uma das 69
vítimas Sem Terra do massacre de Eldorado dos Carajás, PA.
Em 17 de Abril de 1996, integrantes do MST bloquearam a rodovia
PA-150 reivindicando alimentos e a desapropriação da fazenda
Macaxeira onde mais de 3 mil famílias estavam acampadas. Tropas
policiais deslocadas com a única função de desobstruir a estrada,
chacinaram 21 Sem Terra integrantes da "Caminhada pela Reforma
Agrária", destruíram o acampamento da beira da estrada e
recuperaram alimentos apreendidos pelos trabalhadores na véspera.
O processo de julgamento ainda não foi concluído. No total, 142
policiais militares foram julgados pela chacina, mas apenas 2
foram condenados, em 2002. O Coronel Mário Pantoja e o Major
Oliveira aguardam o julgamento da apelação em liberdade. Os outros
140 PMs que participaram da ação foram inocentados.
Foi o exemplo, o retrato de uma realidade que se estende até hoje.
Os trabalhadores do MST são relatados como os "violentos que
romperam uma trégua dada a governo". Mas, apenas existe trégua em
guerras e não há guerra. Este é um discurso que a mídia tenta
impor.
O que há são milhões de pessoas miseráveis com esperança de uma
vida digna. A violência real pode ser vista nos dados da Comissão
Pastoral da Terra, que apontam 1.280 trabalhadores rurais,
técnicos, advogados e religiosos, ligados à luta pela terra,
assassinados, de 1985 até 2002, em todo o Brasil.
Há muitas razões que poderiam ser usadas para demonstrar o direito
de mobilização dos pobres do campo. A descrição da realidade de
pobreza e exclusão social exposta aos nossos olhos seria
suficiente. Mas queremos colocar, aqui, alguns dados estatísticos:
1. Cerca de 26 mil grandes proprietários de terra, que representam
menos de 1% do universo de 5 milhões de proprietários, são donos
de 46% de todas as terras do Brasil. Por isso, o Brasil é a região
de nosso planeta de maior concentração da propriedade da terra.
2. A Constituição brasileira determina que TODAS as grandes
propriedades que não cumprem sua função social, relativa a
produtividade, respeito ao meio-ambiente e respeito aos direitos
trabalhistas, devem ser desapropriadas pelo governo e distribuídas
aos trabalhadores. Segundo o Plano Nacional de Reforma Agrária
elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, há 55 mil
imóveis rurais classificados como grandes propriedades
improdutivas, que detêm 120 milhões de hectares, que deveriam,
pela lei, ser desapropriados.
3. Há no Brasil em torno de 4,6 milhões de famílias de
trabalhadores que vivem como sem-terras. Um estudo recente da
Fundação Getúlio Vargas aponta que o Brasil tem 33% da sua
população vivendo como miseráveis, o que representa cerca de 56
milhões de brasileiros.
4. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002),
fazia-se propaganda na televisão de que haviam sido assentadas 620
mil famílias, nos oito anos. Censo dos assentados realizado pela
Universidade de São Paulo em convênio com o Ministério do
Desenvolvimento Agrário, provou que foram assentadas apenas 358
mil famílias nos oito anos.
5. Durante o governo FHC, realizou-se uma ampla campanha
televisiva para que os sem-terra se cadastrassem nos correios,
para que, assim, não precisassem se organizar no MST e ocupar
terras. Cadastraram 880 mil famílias. Até hoje, NENHUMA delas foi
assentada.
6. O chamado agronegócio é mostrado como solução. Mas as
propriedades acima de mil hectares empregam apenas 600 mil
assalariados, e possuem apenas 5% da frota nacional de tratores.
As pequenas propriedades empregam 13 milhões de trabalhadores
familiares e mais de 1 milhão de assalariados, e detêm 52% de toda
frota de tratores do Brasil.
7. Durante o primeiro ano do governo de Luís Inácio Lula da Silva,
o MST contribuiu para que se elaborasse um plano nacional de
Reforma Agrária. A equipe do professor Plínio de Arruda Sampaio
provou que seria possível assentar 1 milhão de famílias em um
mandato. Nós aceitamos que a meta fosse de 400 mil famílias para o
período de três anos de 2004 a 2006. Isso significaria em media
115 mil famílias por ano. No ano de 2003, foram assentadas 14 mil
famílias, e neste ano apenas 7mil famílias.
8. Existem atualmente em torno de 200 mil famílias acampadas em
beiras de estradas ao longo do país. Parte delas está organizada
pelo MST e outra parte pelos sindicatos de trabalhadores rurais, e
outros movimentos sociais que se multiplicam, se organizando na
luta pela Reforma Agrária.
9. Há 500 mil famílias assentadas nos últimos 20 anos. Em 2003,
apenas 64 mil famílias tiveram acesso ao crédito. As normas de
assistência técnica determinam que o ideal é ter um técnico para
cada 100 famílias. Isso demandaria a necessidade de 5.000
técnicos. Foram liberados recursos para contratar 300. O Incra
tinha 12 mil servidores públicos na década de 70. Passaram-se mais
de 20 anos, agora há 5 mil funcionários.
10. Ao longo dos 20 anos de redemocratização foram assassinados
1.671 trabalhadores rurais em conflitos de terra. Em menos de dez
casos houve condenação e prisão dos assassinos.
11. O MST considera que a reforma agrária deve vir casada com
agroindústria, educação e uma nova tecnologia agrícola que
respeite o meio ambiente. Essa é a forma mais rápida e mais barata
do governo criar 3 milhões de empregos, entre os pobres do campo.
O que vocês acham que o MST deve fazer para que a Reforma Agrária
saia do papel, e que os latifúndios sejam realmente
desapropriados, como determina a Constituição?
Letraviva. MST Informa 62
Ano III - nº 62
sexta-feira, 16 de abril de 2004
Ano III - nº 62
sexta-feira, 16 de abril de 2004
https://www.alainet.org/fr/node/109772
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