Transformar a indignação em atos globais

09/02/2004
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"Este nosso movimento precisa de uma grande vitória, de uma vitória global." A frase, do discurso de abertura da escritora da Índia Arundhati Roy, na abertura do IV. Fórum Social Mundial, recentemente realizado em Mumbay, aponta para um sentimento crescente e já majoritário, de que os Fóruns Sociais Mundiais giram sobre si mesmos, como extraordinários espaços de reunião de todos os que se opõem à globalização neoliberal, de intercâmbio de experiências, mas sem capacidade de formular alternativas globais e capacidade de começar a construí o "outro mundo possível". Não basta ser o que o New York Times chamou de "a outra superpotência", no momento das maiores manifestações da história, contra a guerra do Iraque, que ainda assim não conseguiram impedi-la. "Não basta ter razão", diz Arundhati, "é importante ter algum triunfo". É necessário demonstrar que a razão, a força moral, pode se transformar em capacidade material de mudar as coisas no mundo. Nas palavras dos vietnamitas, que combatiam contra a ocupação norte-americana de seu país, "é preciso transformar a indignação em ações concretas." Para isso não é necessário ter grandes concordâncias, basta concordar em algo, ter uma "agenda mínima". Essa agenda mínima é a que une a todos os que se reúnem nos Foros Sociais Mundiais, Regionais, Nacionais e temáticos: a contra o neoliberalismo e contra a hegemonia imperial no mundo. Arundhati propõe que a ocupação do Iraque seja a inspiradora dessa agenda, que seria a culminação daqueles dois temas. Para isso, começar com algo pequeno. A questão não seria apoiar a resistência iraquiana contra a ocupação ou discutir o que exatamente é essa resistência, se antigos agentes do Baath ou se islâmicos fundamentalistas. Ela propõe a construção uma resistência global à ocupação, que comece não aceitando a legitimidade da ocupação norte- americana do Iraque, o que deverá se traduzir em tornar materialmente impossível para o império realizar seus objetivos. Significa que os soldados deveriam se recusar a lutar, os reservistas deveriam se recusar a servir o exército, os trabalhadores deveriam se recusar a carregar os navios os aviões com armas. Arundhati propõe também que se defina duas das maiores corporações que estão lucrando com a destruição do Iraque, se deveria fazer uma lista dos projetos em que elas estão envolvidas, localizar suas instalações em todas as cidades e em todos os países em todo o mundo. Deveria se fechar essas instalações, impedi-las de funcionar, valendo-se do conhecimento e da experiência coletivamente acumuladas. "É uma questão de desejo de vencer", conclui ela. Outras iniciativas similares, também discutidas na Índia, apontam para as mais de 150 bases militares norte-americanas no mundo como objetos possíveis de ações de repúdio e de obstaculizar seu funcionamento. A escritora da Índia tenta responder a uma necessidade real do movimento por uma outra globalização. Apesar da repercussão extraordinária no mundo – na Índia, pela primeira vez, dezenas de milhares de párias tiveram um espaço para expressar a discriminação em que vivem, pelo mundo afora se realizam Fóruns por "um outro mundo possível" a partir das necessidades e sentimentos locais de cada região ou país -, o Fórum não conseguiu formular uma alternativa global, que aponte para o que seja o mundo posneoliberal. Não conseguiu tampouco mudar coisas significativas no mundo, na direção de suas reivindicações, apesar de conseguiu faze-lo indiretamente em vários casos, como os repúdios internos a Blair, a Berlurconi, a Aznar, no caso da guerra do Iraque. O Fórum Social Mundial volta a Porto Alegre, sua sede permanente, em 2005, com a obrigação de avançar em formulações políticas, estratégicas e de ter acumulado capacidade concreta de mobilização, mas também de triunfar em objetivos precisos que escolha, como propõe Arundhati Roy. Para isso, precisa se livrar de definições estreitas e excludentes, como a das ONGs, que pretendem que o movimento agrupe apenas a membros da "sociedade civil" – um conceito liberal que tem em comum com o neoliberalismo o repúdio a Estados, governos e partidos, o que além de excluir forças antineoliberais e anti-hegemonia militar norte-americana, exclui também as grandes temáticas, entre as quais a reforma democrática do Estado, a democratização das Nações Unidas e outras que se referem a novas formas de poder local e mundial, sem o que não se estará disputando a hegemonia em escala global ao poder atualmente existente. O Fórum precisa trabalhar para a construção da resistência global a que se refere Arundhaty, sob o risco de, se não assumir esse caráter político mundial – inclusive aliando-se com governos e movimentos de governos, como a criação do G-20 e do novo Mercosul -, ficar como um espaço de manifestação do descontentamento em relação ao mundo tal qual ele é, mas incapaz de avançar para o "outro mundo possível".
https://www.alainet.org/fr/node/109360?language=en
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