Marina e a mística da mudança
31/08/2014
- Opinión
1. As consequências definitivas da candidatura Marina ainda estão por ser avaliadas, apenas decante a “poeira nuclear”. Ela chacoalhou uma realidade que até o dia 13 de agosto tinha contornos claros de reeleição da Dilma no primeiro turno.
2. Na estreia da candidatura, vestiu o figurino feito sob medida – se desempenhou bem no debate da BAND e na entrevista no Jornal Nacional, mostrando força e firmeza para desfazer a imagem frágil e tíbia.
3. Com uma retórica positivista, promete a harmonia social em lugar do suposto cansaço com a polarização PT/PSDB. Se autoproclama a expressão da “nova política”; surfa com a conveniente identificação como “anti-política”, “anti-sistema”.
4. Marina carrega componentes místicos e messiânicos. Não só a trajetória de vida, como a circunstância que a fez candidata, reforçam a imagem de predestinada. O místico e o messiânico, em certa medida, imunizam-na contra a confrontação racional.
5. Ela se entregou ao poder econômico para garantir financiamento da campanha e, principalmente, para conquistar a confiança do mercado como a candidata mais capaz que Aécio de encerrar o ciclo de governos do PT. Para isso, reiterou as alianças, os acordos e compromissos conservadores firmados pelo Eduardo Campos.
6. E entregou a chave do paraíso para os donos das finanças e do poder: a herdeira do Itaú foi porta-voz da independência do Banco Central.
7. As promessas de campanha são filtradas, desditas, corrigidas e negadas segundo critérios menos de coerência do que de conveniência eleitoral. O programa de governo é uma enciclopédia de erratas e corrigendas: ela agora é a favor de tudo o que antes foi contra; é contra coisas que era a favor e, em caso de dúvidas, ela é mais ou menos – não é nem contra nem a favor, muito ao contrário ...
8. Os altos índices nas pesquisas são a soma do capital cativo – fez 19% em 2010 – com [ii] as intenções de votos guiadas por fatores subjetivos. A comoção com a morte do Eduardo Campos não é, nem de longe, o motivo para tal desempenho; mas, antes disso, a narrativa midiática anunciando a candidatura dela num jogo cênico com centenas de horas de cobertura televisiva e um bordão-síntese sedutor: “não vamos desistir do Brasil” [sic]!
9. Marina é a principal tributária do sentimento difuso e contraditório de junho de 2013, de mal-estar com a política, os políticos, os governos, as instituições, o sistema, e “contra tudo o que está aí”.
Aqui se abre um parêntesis: apesar do enorme esforço de interpretação sociológico e político sobre aqueles eventos, ainda pairam muitas dúvidas sobre a gênese, significado, composição social, agendas e interesses implicados.
Mas, na arena da mídia, sobreveio uma certeza cristalina: a “insatisfação das ruas” forneceu a alma que faltava nas editorias dos meios de comunicação. Mesmo que não se saiba exatamente o que significou junho de 2013, a mídia aproveitou para construir, a partir da sua perspectiva oposicionista, uma narrativa poderosa a esse respeito.
A narrativa catalisa sensações difusas de mal-estar e saturação no senso comum: “está tudo errado”, “a vida vai mal”; o “pibinho”; a Copa que vai ser um vexame; a disparada da inflação, o apagão, as obras travadas, a corrupção; enfim, “está tudo errado”.
E essa narrativa então sintetiza tais fragmentos e sensações na forma da crítica política permanente e de um discurso/sentimento reiterativo da necessidade de mudanças.
10. A mudança é a mística da eleição; o amálgama que resulta da fusão da personagem finalmente encontrada com uma realidade mistificada. A mudança se torna imperativa, ganha sentido próprio: tudo deve ser mudado; não importa se determinada mudança pode melhorar ou piorar, ou se será um retrocesso; importa mudar, o essencial é mudar.
11. É facilmente demonstrável que a Marina de hoje é apenas um ramal ideológico da “velha política” e do conservadorismo: agenda de retrocesso, política econômica neoliberal e pefelistas convertidos em neossocialistas. Não está assegurado, contudo, que a denúncia dessas evidências, sozinha, consiga tirar-lhe votos.
12. Aécio seria o candidato preferencial do establishment, mas sua chance eleitoral foi abalada. Caso o crescimento da Marina não se detenha, ele vira pó – seria útil ajudando a viabilizar o segundo turno, para o enquadramento ainda mais conservador dela.
13. Dilma vinha conseguindo finalmente mostrar no horário da TV o Novo Brasil que é escondido anos a fio pela Rede Globo, O Estadão, Folha de São Paulo, RBS e pelos monopólios midiáticos. [É lamentável comprovar como o povo brasileiro foi subtraído no direito à informação, à verdade e ao conhecimento de um Novo Brasil que não aparece nas telas e nos rádios de meia dúzia de famílias e igrejas que controlam as comunicações no país.]
14. Além de continuar mostrando as realizações e de indicar como vai continuar as mudanças que o país precisa, a campanha da Dilma terá de ser reinventada. Dilma enfrenta mais que adversários, mas um estado de espírito. Enfrenta uma magia simplificadora descolada da razão, uma vertente obscurantista que escapa do debate racional sobre as perspectivas de futuro para o Brasil.
15. A eleição se processa no horário eleitoral e nos debates enfadonhos, mas não somente ali. Na arena da mídia, mas também nas escolas, universidades, comércio, fábricas, praças, e em todos os espaços públicos é onde se trava a disputa de consciências para fazer prevalecer a verdade ante a mistificação.
2. Na estreia da candidatura, vestiu o figurino feito sob medida – se desempenhou bem no debate da BAND e na entrevista no Jornal Nacional, mostrando força e firmeza para desfazer a imagem frágil e tíbia.
3. Com uma retórica positivista, promete a harmonia social em lugar do suposto cansaço com a polarização PT/PSDB. Se autoproclama a expressão da “nova política”; surfa com a conveniente identificação como “anti-política”, “anti-sistema”.
4. Marina carrega componentes místicos e messiânicos. Não só a trajetória de vida, como a circunstância que a fez candidata, reforçam a imagem de predestinada. O místico e o messiânico, em certa medida, imunizam-na contra a confrontação racional.
5. Ela se entregou ao poder econômico para garantir financiamento da campanha e, principalmente, para conquistar a confiança do mercado como a candidata mais capaz que Aécio de encerrar o ciclo de governos do PT. Para isso, reiterou as alianças, os acordos e compromissos conservadores firmados pelo Eduardo Campos.
6. E entregou a chave do paraíso para os donos das finanças e do poder: a herdeira do Itaú foi porta-voz da independência do Banco Central.
7. As promessas de campanha são filtradas, desditas, corrigidas e negadas segundo critérios menos de coerência do que de conveniência eleitoral. O programa de governo é uma enciclopédia de erratas e corrigendas: ela agora é a favor de tudo o que antes foi contra; é contra coisas que era a favor e, em caso de dúvidas, ela é mais ou menos – não é nem contra nem a favor, muito ao contrário ...
8. Os altos índices nas pesquisas são a soma do capital cativo – fez 19% em 2010 – com [ii] as intenções de votos guiadas por fatores subjetivos. A comoção com a morte do Eduardo Campos não é, nem de longe, o motivo para tal desempenho; mas, antes disso, a narrativa midiática anunciando a candidatura dela num jogo cênico com centenas de horas de cobertura televisiva e um bordão-síntese sedutor: “não vamos desistir do Brasil” [sic]!
9. Marina é a principal tributária do sentimento difuso e contraditório de junho de 2013, de mal-estar com a política, os políticos, os governos, as instituições, o sistema, e “contra tudo o que está aí”.
Aqui se abre um parêntesis: apesar do enorme esforço de interpretação sociológico e político sobre aqueles eventos, ainda pairam muitas dúvidas sobre a gênese, significado, composição social, agendas e interesses implicados.
Mas, na arena da mídia, sobreveio uma certeza cristalina: a “insatisfação das ruas” forneceu a alma que faltava nas editorias dos meios de comunicação. Mesmo que não se saiba exatamente o que significou junho de 2013, a mídia aproveitou para construir, a partir da sua perspectiva oposicionista, uma narrativa poderosa a esse respeito.
A narrativa catalisa sensações difusas de mal-estar e saturação no senso comum: “está tudo errado”, “a vida vai mal”; o “pibinho”; a Copa que vai ser um vexame; a disparada da inflação, o apagão, as obras travadas, a corrupção; enfim, “está tudo errado”.
E essa narrativa então sintetiza tais fragmentos e sensações na forma da crítica política permanente e de um discurso/sentimento reiterativo da necessidade de mudanças.
10. A mudança é a mística da eleição; o amálgama que resulta da fusão da personagem finalmente encontrada com uma realidade mistificada. A mudança se torna imperativa, ganha sentido próprio: tudo deve ser mudado; não importa se determinada mudança pode melhorar ou piorar, ou se será um retrocesso; importa mudar, o essencial é mudar.
11. É facilmente demonstrável que a Marina de hoje é apenas um ramal ideológico da “velha política” e do conservadorismo: agenda de retrocesso, política econômica neoliberal e pefelistas convertidos em neossocialistas. Não está assegurado, contudo, que a denúncia dessas evidências, sozinha, consiga tirar-lhe votos.
12. Aécio seria o candidato preferencial do establishment, mas sua chance eleitoral foi abalada. Caso o crescimento da Marina não se detenha, ele vira pó – seria útil ajudando a viabilizar o segundo turno, para o enquadramento ainda mais conservador dela.
13. Dilma vinha conseguindo finalmente mostrar no horário da TV o Novo Brasil que é escondido anos a fio pela Rede Globo, O Estadão, Folha de São Paulo, RBS e pelos monopólios midiáticos. [É lamentável comprovar como o povo brasileiro foi subtraído no direito à informação, à verdade e ao conhecimento de um Novo Brasil que não aparece nas telas e nos rádios de meia dúzia de famílias e igrejas que controlam as comunicações no país.]
14. Além de continuar mostrando as realizações e de indicar como vai continuar as mudanças que o país precisa, a campanha da Dilma terá de ser reinventada. Dilma enfrenta mais que adversários, mas um estado de espírito. Enfrenta uma magia simplificadora descolada da razão, uma vertente obscurantista que escapa do debate racional sobre as perspectivas de futuro para o Brasil.
15. A eleição se processa no horário eleitoral e nos debates enfadonhos, mas não somente ali. Na arena da mídia, mas também nas escolas, universidades, comércio, fábricas, praças, e em todos os espaços públicos é onde se trava a disputa de consciências para fazer prevalecer a verdade ante a mistificação.
31/08/2014
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