Sobre o pano de fundo econômico das eleições de 2014

28/05/2014
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Uma parte significativa das décadas de 80 e 90 foi marcada por um intenso processo de privatização e de desregulamentação na economia no mundo inteiro. Essa desregulamentação significou, entre outras coisas, a extinção ou flexibilização de leis e direitos, regras e mecanismos técnicos que procuravam impor limites às movimentações no mercado financeiro e na economia mundial. Segundo os defensores desse processo, essas leis e regras significavam um entrave ao desenvolvimento da economia e um resquício de um modelo estatal intervencionista anacrônico que deveria ser colocado na lata de lixo da história. Neste período, várias crises financeiras graves (Coréia do Sul, Indonésia, Rússia e Argentina apenas para citar alguns exemplos) prenunciavam que havia algo de podre no reino da especulação financeira, em especial o fato de que cada nova crise era mais grave que a anterior.
 
E veio finalmente a grande crise de 2008, que provocou um considerável terremoto na economia mundial. Menos de um ano depois, os ideólogos da desregulamentação e do Estado mínimo voltaram a falar em público, após um período de constrangido e obsequioso silêncio. E, por incrível que pareça, voltaram a defender as mesmas receitas que alimentaram a crise. Há um processo de irracionalidade crescente neste discurso econômico que parece ser incapaz de qualquer tipo de autocrítica e reflexão sobre as conseqüências danosas de suas receitas para a vida de milhões de pessoas. Paul Krugman, um economista liberal, vencedor do Nobel de Economia e insuspeito de ser um esquerdista ou partidário da intervenção estatal na economia, denunciou em vários artigos essa irracionalidade, advertindo o mundo para o risco de uma terceira depressão.
 
“A grande ameaça é a deflação”
 
No auge da crise, em um artigo intitulado “A terceira depressão”, publicado no New York Times e reproduzido por vários jornais brasileiros, Krugman alertava:
 
Receio que estejamos nos primeiros estágios de uma terceira depressão. A probabilidade é que ela seja mais parecida com a Longa Depressão do que com a Grande Depressão. Mas o custo – para a economia mundial e para milhões de vidas será ainda assim, imenso. E essa terceira depressão será resultado de um fracasso das políticas econômicas. Em todo o mundo – mais recentemente na desanimadora reunião do G-20 – os governos estão obcecados com a inflação, enquanto que a grande ameaça é a deflação, recomendando cortes de gastos, ao passo que o verdadeiro problema são os gastos inadequados.
 
Em 2008 e 2009, observou ainda, parecia que havíamos aprendido com a história. O Federal Reserve (Banco Central dos EUA) e o Banco Central Europeu cortaram os juros, ampliaram o crédito e permitiram o aumento dos gastos públicos. Isso ajudou o mundo a evitar o colapso total. No entanto, logo em seguida, voltou-se a “um comportamento espantosamente ortodoxo com relação a empréstimos e orçamentos equilibrados”, assinalou o economista. Velhas receitas de austeridade, preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional e por outros organismos internacionais, que pareciam soterradas pela história e pelo estrago que causaram em diversos países (especialmente na América Latina), voltaram a ser implementadas, desta vez na Europa. Grécia, Espanha e Portugal foram alguns dos países que já experimentaram o gosto amargo do corte de investimentos públicos, das demissões e da redução de salários.
 
A fatura política dessa receita está chegando agora com a proliferação de grupos e partidos de extrema-direita em vários países da Europa, cujo crescimento representa uma grave ameaça para o projeto de integração europeia e para a própria democracia no Velho Continente.
 
A cor local da ortodoxia
 
Esse assunto ecoa, obviamente, no Brasil e configura o pano de fundo das eleições deste ano. O PSDB e seus aliados advogam abertamente a adoção do modelo criticado por economistas como Krugman e implementado em larga escala na Europa. Aécio Neves já disse que a sua receita para a economia exige medidas impopulares (leia-se: desemprego, corte de salários e de direitos). No Rio Grande do Sul, a senadora Ana Amélia Lemos fala em reduzir a “máquina do Estado” e cortar gastos de custeio, repetindo o discurso do governo de Yeda Crusius que, como se sabe, praticou logo no início um corte linear de 30% no custeio de todas as secretarias. O impacto desse corte, como ocorre agora em vários países europeus, foi mais visível em áreas como saúde, segurança e educação, onde se concentram o grosso dos serviços públicos oferecidos à população.
 
Esse tema deve frequentar o debate eleitoral deste ano. No início da atual crise, em 2008, o então presidente Lula optou pelo caminho inverso a este que vem sendo implementado agora na Europa, ou seja, preferiu apoiar a economia e o mercado interno com mais investimentos públicos ao invés de cortá-los. No Rio Grande do Sul, o governo Tarso Genro optou pelo mesmo caminho. O PSDB e seus aliados criticam essa via e defendem a linha do déficit zero, do corte de gastos públicos e da austeridade fiscal, em suma, a cartilha da austeridade aplicada hoje na Europa, com os resultados conhecidos. O resultado das urnas apontará, no final do ano, qual caminho o Brasil irá seguir.
 
28/mai/2014
 
https://www.alainet.org/es/node/85958

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