Chegou a hora de derrubar os muros

27/02/2018
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“Ponte Japonesa“, Claude Monet, 1900.
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Não tenho paredes, só horizontes

(Mário Quintana)

 

Jean-Jacques Rousseau, questionado, disse certa vez que preferia caminhar a andar de carruagens, pois andando conseguia notar as diferenças nas ruas da cidade. Tenho o mesmo hábito, o de caminhar e observar. Ultimamente tenho notado que as casas estão cada vez mais cercadas por grades com lanças nas pontas, por cercas eletrificadas, por muros ainda maiores, por barras que parecem facas e todo um aparato de segurança que transforaram residências em bunkers.

 

Nas praças, o primeiro assunto dos frequentadores são as páginas dos jornais sobre assaltos, mortes, tráfico de drogas ou que horas fecha o parque, pois “andar na rua, muito cedo ou muito tarde, é perigoso”. Em silêncio, apenas observo ou aceno com a cabeça. Quando olho as páginas destes jornais encontro editoriais pedindo mais segurança, mais policiais, mais controle, mais prisões, em síntese, mais violência.

 

Parece incrível, mas não lembro de ter lido recentemente em algum editorial jornalístico alguém falando na importância de criarmos mais espaços livres, áreas de lazer, praças públicas de esportes, ambientes de socialização, políticas de inclusão social ou produtiva. Ouço, ao contrário, a cantilena inútil do empreendedorismo, da concorrência, do livre mercado e da privatização. Cobram-se muros e paredes nas praças e nos parques, mas nunca a sua ampliação. Aliás, há muita resistência à ampliação de áreas públicas de uso comum já existentes. A rua passou a ser um lugar proibido!

 

Daí questiono: por que existe violência? Se todo o aparato policial e de segurança pública e privada existente não resolve com este problema, então para que ele serve? Pensem, não falo apenas do policiamento público, mas do exército paramilitar extremamente bem armado das empresas de segurança privada. A resposta para o questionamento é bem simples: não existem Leis ou aparatos de segurança que resolvam o problema da violência. Esta é uma questão mais ampla, é sociocultural e vai sendo ampliada na medida em que sonegamos o tempo necessário para repensar as nossas estratégias de sobrevivência enquanto espécie. Parodiando Drummond, as “leis não bastam”!

 

Thomas Hobbes, sempre genial, afirmou numa frase simples que “o homem é o lobo do próprio homem”. E, de fato, a assertiva é verdadeira. Não existe nenhuma outra espécie que exerça violência com objetivos diferentes da proteção ou da sobrevivência. Alguns cientistas europeus acusaram os chipanzés da extinção de um de um símio que lhes servia de alimento, mas depois foram desmentidos pelos fatos. Foi o desequilíbrio ecológico provocado pelo homem, com a destruição das florestas, que colocou em risco a sobrevivência dos próprios chipanzés.

 

Jared Diamond narra que os grandes herbívoros da Austrália somente desapareceram com a chegada da humanidade naquele território. História que se repetiu nas Américas e em outros lugares. Mas a mudança ocorreu mesmo com os “grandes cercamentos” na Europa, com capitalismo e com a revolução industrial. Antes os indivíduos circulavam livremente pelos territórios. Depois dos “cercamentos”, passaram a ser impedidos e o “outro” virou inimigo. A mesma política territorial foi levada pelos europeus aos demais continentes e até hoje vivemos em constante processo de enclausuramento. Novamente, nenhuma outra espécie é tão capaz de construir barreiras e paredes que lhe afaste dos demais indivíduos como o ser humano. Muitas vezes, não por segurança, mas por puro egoísmo.

 

Em 2015, um condomínio de luxo em Manaus promoveu a morte em massa de pássaros em razão do uso de cercas elétricas. Os inimigos mais próximo do condomínio isolado eram os papagaios e araras da redondeza ou, talvez, algum felino em extinção pela ação humana.

 

Os cães, nosso mais fiéis amigos, companheiros desde a Idade da Pedra, são treinados para a agressão e apenas para a agressão. Mesmo raças dóceis possuem a sua natureza violada para o deleite de zoosádicos com o sangue. Ou seja, a violência é plantada pelo ser humano e para extingui-la, precisamos passar por um novo processo civilizatório.

 

Não adianta colocar tanques de guerra em ruas de cidades onde o estado jamais chegou com escolas, com programas de saúde, com educação, com praças, áreas de lazer, ambientes de recreação, creches e, fundamentalmente, com o respeito aos direitos consagrados na Declaração Internacional dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.

 

Toda a violência que hoje encontramos nas ruas das cidades alimenta um mercado gigantesco de armas, de empresas de segurança, de ódio e de mídia. O país com o maior número de cidadãos e cidadãs armadas possui índices de homicídios de uma guerra civil. Enquanto no Japão, onde apenas 0,6% da população civil possui armas, onde existe o culto às praças e aos festivais de primavera, morrem menos de 60 pessoas em homicídios por ano. Ambos os países possuem mais de 200 milhões de habitantes e a diferenças entre os índices é absurda. Então, quem está certo? O culto norte-americano às armas ou o milenar respeito japonês?

 

Saint-Exupéry, em uma das maravilhosas passagens do seu livro mais famoso, “O Pequeno Príncipe”, disse que “os homens constroem mais muros do que pontes”. Ou seja, ao contrário de nos socializarmos, nos aprisionamos. Acredito que, se ainda pretendemos ter uma sobrevivência enquanto espécie, está mais do que na hora de derrubar estes muros.

 

- Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais, responsável pelo Blog Sustentabilidade e Democracia.

 

https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/2018/02/27/chegou-a-hora-de-derrubar-os-muros/

 

https://www.alainet.org/es/node/191301
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