Dívida pública e inflação: cai mais um mito neoliberal
- Opinión
São Paulo – A ascensão da equipe atual dos sonhos do mercado financeiro fez concentrar o problema da inflação no comportamento quase exclusivo do déficit e da dívida pública. A aceleração do nível de preços que atingiu 10,7% no ano de 2015 devido ao choque de custos oriundo da desvalorização cambial, do aumento tributário e da liberalização de aumento nos preços administrados, como dos combustíveis, serviu de referência para explicitar a relação convergente entre inflação e déficit e dívida pública.
Acontece que a trajetória inflacionária após 2015 tem sido decrescente, pois baixou para 6,3%, em 2016 e, para 2017, projeta menos de 4%. Apesar disso, a dívida pública como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) aumentou continuamente, saltando de 52,3%, em 2014, para 69,5%, em 2016, e para 2017 projeta-se mais de 76% do PIB.
O comportamento distinto entre a inflação, em queda, e a dívida pública, em alta, desvenda mais um falso mito neoliberal a justificar a necessidade recorrente do corte no gasto público para evitar a elevação do nível de preços por pressão adicional da demanda monetária do governo. Pela própria força da realidade atual a indicar relação inversa entre a evolução da inflação e do déficit e dívida pública, explicita-se a inconsistência do sistema das metas de inflação no Brasil.
A implantação desse sistema de combate à inflação desde 1999 tem patrocinado o Banco Central a conduzir sua política monetária restritiva, em geral, com alta taxa de juros reais para inibir a demanda agregada (investimento produtivo e o consumo), o que repercute consideravelmente no maior custo do endividamento público. Por consequência, favorece também tanto a transferência interna da renda do setor produtivo e trabalhadores para o rentismo, como o ingresso de moeda estrangeira que leva à valorização do real, tornando mais estimulante a substituição de produtos nacionais por importados.
O exacerbado uso da taxa de juros para conter a inflação, dentro da equivocada hipótese que relaciona positivamente o déficit e dívida pública ao aumento do custo de vida, beneficia fundamentalmente os rentistas que vivem dos juros pagos pelo governo. Os demais brasileiros a pagar tributos terminam não financiando os gastos sociais, como saúde educação entre outros, mas engordando os que já são muitos ricos.
Em função disso que a atual política do Banco Central favorece a concentração da renda no andar de cima da pirâmide social. Simultaneamente inviabiliza o pleno emprego dos trabalhadores, pois inibe a expansão da produção e emprego, garantindo o domínio pleno da condução da política e economia pelos ricos.
Enquanto a recessão acumulada nos dois últimos anos foi responsável pela redução acumulada do PIB em 7,2%, o que equivale à perda de R$450 bilhões, o total da dívida pública aumentou 863 bilhões de reais. Na mesma medida em que decresceu o nível da produção ocorreu também o crescimento da massa de recursos financeiros, mantendo intacto o processo de valorização da renda dos já muito ricos. .
A receita da austeridade fiscal com juros reais elevados reduz o consumo e os investimentos, o que gera desemprego e empobrecimentos de quem não tem dinheiro para financiar a dívida pública. Em contrapartida, o aumento da dívida pública, mesmo sem gerar inflação, como se observa atualmente, não produz emprego, salvo a legião crescente de serviçais às famílias dos ricos financeirizados.
A experiência dos Estados Unidos da flexibilização quantitativa (Quantitative easing) de injeção de quantidades significativas de dinheiro não foi acompanhada da elevação da inflação. O alargamento da liquidez produzida pelo banco central decorrente da compra dos títulos do Tesouro contribui para a queda dos juros e a diminuição da dívida pública.
Isso parece ser impensável pela equipe atual, sonho do mercado financeiro. Mas o contrário acontece, com mais corte nos gastos públicos e a elevação dos tributos dos não ricos, sem que o déficit e a dívida pública sofra inflexão de queda.
- Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.
14/08/2017
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