Trump, Temer e a promoção da ignorância
- Opinión
"Cair na ignorância é entrar na masmorra de Deus; mergulhar na ciência é entrar no Palácio de Deus"
Mevlana Celaleddin Rumi (1207-1273), poeta e um dos fundadores da Ordem e Movimento dos Derviches
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Há mais em comum entre Trump e Temer do que imagina a nossa vã filosofia e um T no nome.
Ambos são tenazes promotores da ignorância como forma de viver.
Trump está imerso numa batalha para destruir o que ele considera ser o legado e a imagem de Barack Obama. Só tal sanha justifica, por exemplo, o que ele fez nestes últimos dias, responsabilizando o ex-presidente pelo ataque com gás de cloro contra uma população civil na província de Idlib, na Síria, junto à fronteira com a Turquia.
Os contornos deste ataque não estão bem descritos. É possível que tenha sido perpetrado num ataque aéreo por forças de Bashar Al Assad, que têm reservas deste gás e do gás sarin. É possível, porém que o gás tenha sido liberado das reservas que os próprios rebeldes detêm, eventualmente atingidas pelo bombardeio.
Os russos negam qualquer participação no evento, dizendo que sua forca aérea não tem atuado na região. O gás, que age diretamente sobre o pulmão, deixou 60 mortos e uma centena de feridos. Acuado diante de alegações de inoperância diante da guerra civil na Síria, Trump descarregou a culpa sobre Obama.
Neste empenho, e no de cumprir com algumas de suas agendas de campanha, Trump tem se comprometido intensamente com um estilo de promoção da ignorância. Faz afirmações bombásticas que não têm qualquer fundamento. Ele está se tornando um dos reis da chamada "era da pós-verdade", em que afirmações são feitas sem qualquer compromisso com os fatos; elas são os "fatos".
E a sua "verdade" depende, umbilicalmente, deste descompromisso com a realidade. São feitas para promover a ignorância auto-satisfeita de quem acredita nelas, e sua condição de "verossimilhança" depende da empáfia com que são anunciadas; quanto mais empáfia, mais "verdadeiras" elas se tornam.
Com esta era da "pós-verdade" chega-se a um paroxismo do pensamento e do estilo neo-liberais, que promovem uma espécie de fundamentalismo messiânico em torno das crenças e superstições que os movem.
No pensamento do tipo messiânico promete-se a vinda ou volta de um Messias. Se ele não vem nem volta, culpa-se a insuficiência da fé dos crentes. Mas seu fracasso, assim descrito, é alimento para a crença de que numa próxima vez o alfa-acontecimento se dará; o fracasso presente torna-se índice de um sucesso no futuro.
Com o pensamento neoliberal dá-se exatamente o mesmo processo. Ele só semeia fracassos, da Ásia às Américas, da Europa à América Latina, da África à Oceania e por aí afora. Mas para seus próceres tais fracassos são devidos ao "fato" de que sua aplicação não foi bem feita, nem completa. Também aqui o fracasso no presente é sinal de um sucesso no futuro, e culpa-se sempre algum outro fator pelo insucesso.
Assim é Trump.
Mutatis mutandis, isto é, falando do presidente brasileiro que aí está, assim é e será Temer.
Temer foi posto – ou pendurou-se no poder – para promover a destruição do Brasil, pelo menos de um certo Brasil, e a promoção de outro, avesso à industrialização, à soberania, seja a popular ou a externa, à integração social, e adepto da desigualdade, da erradicação dos direitos trabalhistas e do fim da luta contra as discriminações.
Mas isto precisa ser apresentado como o elixir do futuro ao alcance de todos. Daí promove-se uma espécie de "alucinação negativa", em que não se reconhece o que está acontecendo em nome de uma miragem promovida pela mídia ao mesmo tempo pusilânime e autoritária.
O Brasil de hoje é um espasmo desta "alucinação negativa", que açulou as hordas de ignorantes que saíram às ruas para pedir o impeachment de uma presidenta sabidamente honesta, e desconstruir o Brasil que se promovia de fato sob os governos populares.
O governo Temer é, assim, fruto deste "populismo para os ricos ou abonados", desta agitação de uma cenoura para burros de classe média, que se ocupam em supostamente alcançar esta miríade enquanto vão pisoteando e deixando destruir o futuro de seus próprios filhos. Fazem-se todos pais e filhos incestuosos da própria ignorância, que é, como se sabe, na sua auto-satisfacão, a mãe de todos os preconceitos.
O paroxismo deste elogio e desta perseguição da ignorância é a projetada condenação à morte do programa Ciência sem Fronteiras, atacado como inoperante pelo atual ministro da (Des)Educação, Mendonça Filho, que insiste na tecla, descompromissada com a realidade, de que suas verbas seriam melhor aplicadas no ensino básico, como se houvesse uma contradição entre as duas coisas.
A proposta de encerrar o programa é muito burra, pois contém nela a promoção do embrutecimento nacional. Contraria tendência mundial, que é a da internacionalizar cada vez mais a formação acadêmica, e de promover o acesso a ela por parte dos filhos das famílias menos favorecidas.
Assim se passa com o projeto Erasmus Mundus, financiado pela Comissão Europeia, que garante a mobilidade internacional de estudantes, professores e funcionários do ensino superior no continente. Assim se passa com programas de formação – inclusive na área de humanidades – que preveem que os estudantes façam obrigatoriamente um estágio no exterior antes de se formarem, inclusive considerando a possibilidade de fazê-lo em países da América Latina, da África, da Ásia ou Oceania.
Talvez uma crítica que se pudesse fazer ao Ciência sem Fronteiras é a da sua lentidão em incorporar – como costuma acontecer nestes casos – as áreas das humanidades, tendo havido (corrijam-me se eu estiver errado) um tímido começo na formação linguística e de línguas.
Encerrar o Ciência sem Fronteiras, ao invés de ampliá-lo e aperfeiçoá-lo, além de favorecer a burrice e a ignorância, é promover o paroquialismo, o provincianismo, o anacronismo, a desespiritualização e a calhordice auto-satisfeita.
Mas o que se pode esperar de um governo que, como o de Trump, tem origem na e compromisso com a ignorância?
05/04/2017
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