"A Venezuela não renunciará ao petróleo"
- Opinión
Com paredes e prateleiras que ostentam fotos e bilhetes enquadrados de Hugo Chávez, memórias com os líderes cubanos Fidel e Raúl Castro e livros que buscam explicar a Revolução Bolivariana que sepultou a chamada IV República em seu escritório político, Elías Jaua nega que Nicolás Maduro esteja isolado e diz que o presidente venezuelano fará de tudo para estabilizar os preços do petróleo.
Ex-vice-presidente e chanceler de Chávez, o atual deputado faz um revisionismo dos 17 anos de chavismo na Venezuela e admite: o governo cometeu erros. “O Estado venezuelano não foi suficientemente forte contra a corrupção, e não compreendemos a tempo que ela confunde setores do povo sobre os verdadeiros interesses da diligência revolucionária”, avalia ao acrescentar o excesso de voluntarismo e a burocracia como igualmente nefastos ao funcionamento do país.
Ao culpar parte da crise atual pela guerra econômica do empresariado contra Maduro, Jaua ressalta que a força do governo repousa na consciência dos eleitores chavistas. “Confiamos plenamente no que o comandante Chávez construiu: a consciência do nosso povo para enfrentar qualquer situação”, conta. “Se estivermos acompanhados, melhor. Mas se nos cabe estar sozinhos, sozinhos triunfaremos.”
CartaCapital: Como a Venezuela pode sair da crise?
Elías Jaua: O que está fazendo o presidente Nicolás Maduro, em primeiro lugar, é uma luta pela estabilização pelos preços do petróleo. A Venezuela não renunciará ao petróleo, ao seu principal produto de exportação, sua riqueza estratégica nacional, para que seja remunerada às custas do mercado internacional, em um concerto de países exportadores de petróleo. Em segundo lugar, o presidente está fazendo um esforço superior, o Estado econômico produtivo. Dentro de 14 motores (frentes) da economia, devemos aproveitar os escassos recursos para impulsionar a produção, com a vantagem que já temos um aparato industrial, agrícola e cientifico tecnológico, como infraestrutura e plataformas construídas ao longo desses 17 anos de Revolução. Investimentos em setores como petroquímica e mineração são elementos que poderiam nos ajudar a terminar este ano com uma luz no horizonte complexo desses últimos dois anos.
CC: Qual o peso do petróleo na crise atual?
EJ: O petróleo é uma parte importante. Do ingresso de divisas, 90% vêm da renda petroleira. Mas o primeiro grande problema está relacionado a isso: uma economia dependente do petróleo. E a Revolução conseguiu avanços importantes, mas nossos esforços não puderam reverter a dependência, e agora sofremos com o impacto do preço do barril. Mas há outros conjuntos de elementos, que se produzem em torno da sabotagem econômicas. Uma delas é a corrupção, pública e privada, de funcionários públicos com empresários privados, que têm destruído algumas políticas da Revolução, como os subsídios. Os alimentos continuam sendo um incentivo para que os corruptos levem os produtos para serem vendidos no exterior. Assim é, por exemplo, a gasolina subsidiada há mais de 15 anos pela Revolução Bolivariana, que é levada para ser vendida de forma ilegal até a Colômbia ou o Caribe.
CC: Qual seria o preço de equilíbrio do barril do petróleo ideal para a Venezuela não sofrer tanto?
EJ: O preço justo neste momento deveria estar entre 60 dólares e 80 dólares. Com isso poderíamos nos estabilizar. E dessa crise temos que sair com uma visão como sociedade de devemos viver e construir o futuro. Assim, se estiver mais alto, teremos de criar um fundo, uma reserva, ou seja, aprender a viver com os preços de petróleo que nos permitam uma economia sana.
CC: O governo entendeu que não pode ser tão dependente do petróleo. Onde investir para diversificar a economia?
EJ: Um dos setores é o de minério, dentro de um plano sobre os recursos de minérios preciosos e estratégicos. No sul do país eles estão sendo explorado por máfias de todo o tipo, causando um impacto ambiental terrível. O Estado venezuelano precisa recuperar a soberania sobre seus recursos minerais, com a concessão de empresas mistas com capital estrangeiro. Dentro de um marco de proteção ambiental, o Estado pode ser acionista e diversificar nossos ingressos por essa via. Outro importante setor que estamos apostando em um modelo parecido de investimentos mistos é o da petroquímica. Estamos desenvolvendo a indústria petroquímica sob a nossa indústria petroleira. E o terceiro mais importante é a produção de alimentos. Em um esquema de convênio de cooperação com empresas aliadas, podemos aumentar a capacidade produtiva que a Revolução construiu.
Desde 1999, Chávez direcionou recursos para uma plataforma produtiva que existe hoje. Ela, no entanto, é limitada pois a Venezuela perdeu a cultura do trabalho agrícola, que está totalmente esgotado. Ou seja, quase mais ninguém quer trabalhar com agricultura. Por isso pensamos em um esquema de cooperação com outros povos irmãos para aumentar a produção na plataforma criada por Chávez.
CC: O governo deveria controlar também a produção de alimentos?
EJ: Não se trata de controlar, mas de regular segundo uma orientação ética e política de acordo com um determinado sistema produtivo. O socialismo venezuelano está em sua etapa de transição, que não tem períodos definidos, pois são concebidos de acordo com condições históricas que permitem a base da formação e da criação de consciência popular até um avanço à etapa do socialismo venezuelano. Mas nesta etapa ele concebe a participação do setor privado, que se submete às normas da Constituição e aos interesses gerais da população.
Para nós não esta previsto neste momento assumir o controle total da produção de alimentos, por isso as estatais continuam sendo minoritárias frente ao peso que tem o setor privado capitalista na produção e distribuição de alimentos, assim como a produção de bens essenciais à produção. A revolução e o socialismo não controlam o sistema de distribuição. E é onde as forças contrarrevolucionárias podem causar danos a um povo para tentar desmoralizá-lo. Estamos vivendo agora a disputa pelo sistema de distribuição de alimentos, hoje nas mãos do capitalismo e das máfias criadas para poderem alcançar os preços que não conseguem no mercado formal por conta da regulação do Estado.
CC: O governo Maduro não está muito isolado com as mudanças de hoje na América Latina, seja com o que passou agora com a presidente Dilma no Brasil ou com a chegada de Macri ao poder na Argentina? Como vê a Venezuela hoje em um cenário tão diferente de dez anos atrás?
EJ: Não diria nem dez anos, mas muito diferente de cinco anos para cá. Cometemos erros, sem dúvida alguma. Mas o que aconteceu na América do Sul como tentativa de desmontar as organizações sul-americanas, como o Mercosul, é um esforço do imperialismo norte-americano. E nisso não temos nenhum problema em dizer. A integração, a união sul-americana, foi golpeada. Mas não podemos confundir reveses eleitorais com derrotas políticas estratégicas. O movimento humanista, popular e democrático não está derrotado em nosso continente.
Seria um grande erro dos EUA e seus aliados creem que podem derrotar o povo. Podem conseguir eleger outros governos, mas as ideias de justiça e igualdade do povo do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai estão vivas nas ruas. Creio que esse cenário contribui para que a agressão internacional se afinque com maior força. Mas estão os resultados da OEA, na qual em três oportunidades obtivemos vitórias importantes contra a ingerência, com a valentia dos povos do Caribe, pequenos em tamanhos de população mas que se comportaram como gigantes. E quero dizer uma coisa: se nós ficarmos sozinhos, sozinhos resistiríamos, sozinhos lutaríamos e sozinhos triunfaríamos.
Assim foi em 2002, quando só contamos com o apoio de Cuba e enfrentamos um golpe fascista com todos os poderes: as oligarquias, a Igreja Católica, a cúpula das Forças Armadas, os empresários, os partidos, todos os meios de comunicação e governos externos. E nós, com força, fomos capazes de superar. Confiamos plenamente no que o comandante Chávez construiu: a consciência do nosso povo para enfrentar qualquer situação. Se estivermos acompanhados, melhor. Mas se nos cabe estar sozinhos, sozinhos triunfaremos.
CC: O senhor falou sobre erros. Quais erros o chavismo cometeu?
EJ: Bom, creio que mais que o chavismo, o Estado venezuelano não foi suficientemente forte contra a corrupção e não compreendeu a tempo que a trata-se de um fenômeno de ataques moral e pratico à Revolução porque termina confundindo setores do povo sobre os verdadeiros interesses da diligência revolucionária.
No nosso caso, por exemplo, funcionários de todo tipo, todo nível e estruturas o fizeram e não foram punidos o suficiente. E a direita latino-americana tão corrupta utiliza isso hoje como um ataque à dignidade do processo revolucionário. Por outro lado, causou danos a políticas públicas, à política de subsídios, às políticas de expansão da distribuição de ingresso nacional.
Outro elemento que eu apontaria é o voluntarismo, que tem uma vantagem, mas que se expande de tal maneira que impede um controle ou seguimento e eficácia dessa política. Crê que está fazendo muito, mas em geral não o está fazendo bem. A burocracia também se mostra como um outro extremo. Então, por um lado uma grande força, uma grande vontade, voluntarismo social, político e participação do povo. Mas em outros aspectos vimos a burocracia que toma praticamente todo o sistema de Justiça nacional no desenvolvimento da reforma educativa profunda, ou mesmo a reforma do sistema de saúde depois que estabelecemos praticamente um sistema paralelo com a Misión Barrio Adentro com os médicos cubanos nas favelas.
CC: Qual o futuro do chavismo?
EJ: O futuro do chavismo é a vitória, não pode ser outro. E não pode ser outro porque é um projeto justo, é um projeto democratizante para a sociedade, sobretudo na questão social. Foi um projeto que permitiu devolver as terras aos camponeses, aos indígenas, as fábricas aos operários, iniciar um novo modelo econômico e produtivo com uma visão socialista, utilizando a renda nacional para ser distribuída entre todos do país. Por isso o chavismo não é um projeto do passado, chavismo é um projeto do futuro, que apenas começou a sua gestação. Por isso confiamos plenamente que a consciência do nosso povo é projetá-la para o futuro. Estamos destinados a vitória, porque tudo passa por manter o poder político com o povo. Por isso não negociamos, nem entregamos, vamos lutar pelo direito do povo de ser poder. As oligarquias do continente dominaram centenas de anos os nossos países e nunca alternaram o poder com o povo.
CC: Como avalia o que tem ocorrido nos últimos meses no Brasil? Como serão as relações Brasil-Venezuela no futuro?
EJ: A posição clara e pública do governo é de que houve no Brasil um golpe de Estado, articulado pelo governo dos EUA com intenção de atacar não somente a Unasul, mas também os Brics. Brasil e o governo do PT foram vítimas de um posicionamento geopolítico do imperialismo norte-americano, que se cansou de ver sua hegemonia imperial ser ameaçada. Nossas relações estão em permanente análise, em perspectiva de como se desenrolarão os acontecimentos. Esperamos que o poder no Brasil volte para a presidenta e que não haja a vitória da injustiça e da ilegalidade. Um Parlamento controlado por interesses corporativos não pode desconhecer a vontade de um povo ou destituir do mandato uma presidenta eleita.
04/07/2016
Fonte: Carta Capital
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