Visita histórica de Obama a Cuba não esconde que reaproximação é 'tardia'
- Opinión
São Paulo – No já histórico discurso que proferiu no Gran Teatro de la Habana Alicia Alonso, na capital de Cuba, hoje (22), o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou ser preciso "enterrar os restos da Guerra Fria nas Américas” e enfatizou a posição política de seu governo de continuar trabalhando para acabar com o embargo econômico ao país vizinho, o que depende do Congresso norte-americano. Obama disse que o embargo é um "fardo ultrapassado para o povo cubano."
Ele também utilizou os velhos clichês característicos da arrogância norte-americana, para consumo em seu país, e como recado ao presidente cubano Raúl Castro. "A América acredita na democracia”, disse. “Há quem não concorde com os valores norte-americanos como liberdade religiosa e de escolher seus líderes, mas eu acredito que esses são valores universais.”
Para Analúcia Danilevicz Pereira, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o discurso de Obama deve ser entendido num contexto histórico mais amplo, principalmente quanto aos pontos mais destacados de sua visita a Cuba pela imprensa brasileira e mundial – a promessa do fim do embargo econômico iniciado em 1962 e a superação dos “restos” da Guerra Fria.
“Isso, claro, é um discurso do presidente Obama que justifica a tardia reaproximação dos Estados Unidos com Cuba. Mas o que condiciona essa reaproximação é um conjunto de fatores que têm de ser considerados”, afirma. “Houve um esforço diplomático, tanto norte-americano quanto do Vaticano, para que essa aproximação acontecesse. Mas ela acontece numa conjuntura nova, porque os cubanos já não estão tão isolados assim.”
O esforço “tardio” dos Estados Unidos na direção de reatar com Cuba vem depois de outros países já estarem na frente nesse caminho, lembra Analúcia. “A China tem relações diplomáticas, comerciais e em outros níveis de forma muito intensa com Cuba; a Rússia retomou as relações e a cooperação técnico-militar com Cuba, cooperação rompida com o fim da União Soviética; o Brasil se aproximou, inclusive, investindo na construção de um porto estratégico para as relações comerciais latino-americanas”, diz a professora.
Ela se refere ao porto de Mariel, inaugurado em Cuba em janeiro de 2014, com a presença da presidenta Dilma Rousseff, e viabilizado graças a financiamento do BNDES.
Num contexto histórico menos imediatista, é possível perceber, segundo a análise de Analúcia, que “outros atores anteciparam a aproximação com Cuba e, na verdade, os Estados Unidos acabaram ficando um pouco para trás”.
Rússia
A afirmação sobre a “reaproximação” da Rússia com Cuba pode surpreender a quem acha que os dois países são íntimos aliados desde a revolução cubana ininterruptamente. Mas não é bem assim. As relações de estreita cooperação entre os dois países foram interrompidas por quase uma década.
“Com a queda da União Soviética, Cuba sofreu um baque muito grande. De 1991 a 1999, quando a Rússia se reestruturou e passou a fazer parte de uma economia de mercado, essas relações foram rompidas ou muito reduzidas, inclusive no setor técnico-militar”, diz Analúcia. Com a ascensão do presidente Vladimir Putin (em 2000), a cooperação foi retomada.
A professora da UFRS lembra ainda que há os interessas mais pragmáticos dos Estados Unidos em seu movimento de “deixar a Guerra Fria para trás”. “É preciso destacar que o presidente Obama visitou Havana com uma comitiva de empresários. Ou seja, é claro o interesse do empresariado norte-americano de abrir o mercado em Cuba. Toda aquela rejeição política e ideológica que havia nos Estados Unidos está se diluindo diante de interesses mais imediatos do país.”
Ela lembra um fato impressionante sobre uma previsão de Fidel Castro. Em 1973, o jornalista britânico Brian Davis perguntou ao líder cubano quando ele acreditava que as relações entre os dois países seriam restabelecidas. Fidel respondeu: “Os Estados Unidos virão dialogar conosco quando tiverem um presidente negro e houver no mundo um papa latino-americano”. Provavelmente, Castro estava ironizando, querendo com isso dizer “nunca”. Seja como for, “é interessante porque justamente esse é o contexto da reaproximação”, diz Analúcia.
Questão eleitoral
A professora afirma concordar “em parte” com as análises segundo as quais a visita oficial de Obama a Cuba, a primeira de um presidente dos Estados Unidos em 88 anos, se relaciona também com a intenção de Obama de usar uma tática para beneficiar a candidatura democrata, que deve ser a de Hillary Clinton, atraindo os votos da comunidade latina e, especificamente, cubana no país.
“Marco Rubio e Ted Cruz sempre criticaram a normalização das relações diplomáticas, mas a população americana é francamente favorável. Do ponto de vista eleitoral, esse fato político é interessante para os democratas, porque os republicanos ficam um pouco acuados para apresentar sua posição”, disse à RBA o coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Luis Fernando Ayerbe, no mês passado.
“Acho que tem muito a ver com a questão eleitoral, com o fortalecimento dos democratas, fundamentalmente diante do discurso conservador dos republicanos. Mas não acho que tem a ver com a captação de votos de um eleitorado cubano-americano, porque justamente os cubanos-americanos foram os que mais rejeitaram a reaproximação com Cuba”, pondera a professora da UFRS. “Eles queriam na verdade que o regime cubano caísse. Foram patrocinadores de muitos atentados em Cuba durante todo esse período. Eu não diria que é para o eleitorado cubano americano, mas em função das eleições.”
Os republicanos Marco Rubio e Ted Cruz, que criticaram duramente a reaproximação, iniciada no fim de 2014, têm origem cubana. Agora ex-pré-candidato, Rubio abandonou a disputa na semana passada. Com isso, Cruz é o único que pode bater o magnata Donald Trump, que lidera a corrida no Partido Republicano.
- Eduardo Maretti, da RBA
22/03/2016
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