A agenda do ajuste e o cavalo de Tróia

07/09/2015
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A crise econômica de hoje é uma profecia que foi finalmente cumprida. Ela é produto mais da retórica obsessiva da “necessidade de ajuste” do que da realidade macroeconômica do país.

 

É incorreto dizer que o Brasil já estava em crise desde 2013, porque efetivamente não era essa a realidade. O país enfrentava o problema da redução da eficácia dos remédios anticíclicos empregados para contrarrestar os efeitos da crise capitalista mundial iniciada em 2008 na Europa e nos EUA.

 

Eram, apenas, dificuldades econômicas importantes, agudizadas no segundo semestre de 2013; ainda assim, algo menos sério que uma crise. Para preservar os empregos e garantir o crescimento econômico no contexto internacional adverso, o governo manteve os gastos orçamentários, estimulou investimentos e aumentou a disponibilidade de crédito público para manter a economia aquecida.

 

Cabe recordar que em outubro de 2014 a dívida pública equivalia a 34% do PIB; as reservas cambiais de 376 bilhões de dólares; superávit primário; o desemprego de 4,8% confirmava uma trajetória de pleno emprego, e os programas sociais estavam em expansão – não somente os gastos discricionários, como também os obrigatórios.

 

Em outras palavras: a saúde macroeconômica do Brasil fazia inveja à França, Itália, Japão, EUA, Espanha, Inglaterra, Portugal, Rússia, Índia – países que enfrentam situações bem mais críticas em termos de endividamento, déficits, desemprego e reversão de direitos sociais.

 

Desde que a “retórica do ajuste” passou a dominar a arena pública como “pensamento único ressuscitado”, a economia começou a degringolar de fato. A crise ganhou corpo e forma com o anúncio do retorno da ortodoxia econômica.

 

Com a recessão provocada e a economia no congelador, instalou-se definitivamente a crise e o ciclo vicioso conhecido: paralisia e contração da atividade econômica, desemprego, queda de arrecadação, suspensão de investimentos, juros pornográficos e cortes de programas sociais. Os indicadores começaram a mudar drasticamente, apontando para o céu a taxa de juros e a inflação; e embicando para o chão os de crescimento e emprego.

 

Os nove meses de gestação da agenda [falida] do ajuste pariram resultados desastrosos e de consequências funestas para o país: crescimento negativo do PIB, explosão do dólar, perda de 150 bilhões de reais de arrecadação, orçamento deficitário e desemprego beirando os 8% – um milhão e quinhentos mil postos de trabalho [metade da população uruguaia] terão se esfumaçado em 2015. Por conta dessa trajetória, se especula o rebaixamento da nota de classificação de crédito do Brasil na orgia financeira mundial.

 

O projeto distributivo inaugurado por Lula em 2003 está em xeque. Durante o ciclo de expansão econômica, a fórmula “ganha-ganha” foi exitosa: os pobres ficaram menos pobres e os ricos ficaram mais ricos.

 

Hoje, com o impasse distributivo provocado pelo desaquecimento da economia mundial [que causa a queda do preço das commodities e dos minérios – itens fundamentais da pauta exportadora brasileira], o poder econômico quer transferir aos trabalhadores e à maioria da sociedade o ônus da crise. O alvo são os salários – via desemprego –, e a renda pública nacional – via juros e fim do crédito subsidiado.

 

Enquanto isso, 71 mil pessoas [entre 204 milhões de brasileiros] com patrimônio líquido de 1,2 trilhões de reais são isentados de tributação que permitiria ao erário arrecadar 80 bilhões de reais anualmente. E metade do orçamento brasileiro é destinada a pagar os compromissos [sic] com a dívida pública.

 

A crise econômica agrega complexidade a esta conjuntura de instabilidade política e institucional; é fator que desestabiliza o governo e lhe retira legitimidade social. A agenda do ajuste, nesta perspectiva, é o cavalo de Tróia no governo.

 

A recomposição do campo de sustentação progressista e de esquerda depende, em grande medida, das escolhas do governo no plano econômico. A continuidade da política de ajuste que desajusta o país podaís poderá acentuar a perda da legitimidade social da Presidente Dilma nesta circunstância de dramático impasse político. E, neste caso, poderá significar o descarte do principal fator capaz de neutralizar a marcha golpista.

 

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/A-agenda-do-ajuste-e-o-cavalo-de-Troia/7/34425

https://www.alainet.org/es/node/172250?language=en

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