Imprensa brasileira e os problemas da vizinhança
02/07/2012
- Opinión
Os principais jornais brasileiros não querem a Venezuela no Mercosul. Esses mesmos jornais nunca aceitaram bem a ideia de um mercado comum regional no sul do continente americano. Preferiram sempre o alinhamento automático com a porção mais ao norte.
Para a imprensa brasileira, a Venezuela passou a ser a morada do demônio desde que o presidente Hugo Chávez Frías reagiu a uma tentativa de golpe de Estado, em 2002, e decidiu permanecer no poder enquanto encontrasse fundamentos legais para isso. Apelando para plebiscitos e referendos, ele tenta se reeleger pela terceira vez consecutiva no próximo mês de outubro, ao mesmo tempo em que luta para sobreviver a um câncer.
Na terça-feira (3/7), a imprensa brasileira registra que o ingresso da Venezuela no Mercosul foi uma iniciativa do governo brasileiro, segundo o ministro das Relações Exteriores do Uruguai.
Estopim conveniente
A revelação de que a aceitação da Venezuela como membro pleno do bloco regional vinha provocando tensões entre o governo uruguaio e parlamentares da oposição indica que a declaração do ministro das Relações Exteriores em Montevidéu tinha como plateia preferencial a política interna uruguaia, mas sua tentativa de se justificar diante da oposição local acabou ganhando destaque na imprensa brasileira.
Como o Brasil tem uma posição quase hegemônica na política e na economia da região, fecha-se o círculo de uma crise que a imprensa gostosamente alimenta.
O estilo boquirroto de Hugo Chávez e sua permanente disposição para fazer provocações ao governo dos Estados Unidos, por meio de acordos mais ou menos inócuos com o Irã, declarações grandiloquentes contra o capitalismo e intervenções canhestras na política internacional, provocam incômodos até mesmo em seus parceiros mais moderados.
Para o Brasil, o ingresso da Venezuela no bloco pode ser interessante do ponto de vista econômico e até mesmo geopolítico, pois, integrado e cada vez mais dependente de relações regionais, o país de Chávez tenderia a se tornar mais disciplinado, a despeito dos discursos radicais de seu líder.
Tudo isso se depreende de notícias e artigos coletados na imprensa brasileira, mas essa observação depende do garimpo diário nas páginas dos jornais. Para o leitor menos atento, ficam as impressões das manchetes.
Por outro lado, observe-se o comportamento da mesma imprensa brasileira diante da crise provocada no Paraguai pela destituição do presidente Fernando Lugo em processo sumário de impeachment.
Inicialmente, os jornais brasileiros, brandindo a bandeira do legalismo, deram a entender que questionavam a decisão do Congresso paraguaio – ainda que tenham alimentado publicamente ampla antipatia pelo ex-bispo Lugo. Mas as manifestações de preocupação com a possibilidade da volta dos golpes de Estado às práticas políticas da região logo deram lugar a editoriais chochos e complacentes, sinalizando que, se dependesse da imprensa brasileira, o golpe parlamentar estaria absorvido, como destacou Alberto Dines neste Observatório.
Agora, a manifestação do chanceler uruguaio é usada como estopim pela imprensa para acender nova crise, revertendo a direção do vento e mudando o rumo dos debates em torno do golpe branco que derrubou Lugo.
O articulador do golpe
Ao colocar em cena a Venezuela de Hugo Chávez, a imprensa aumenta os decibéis das discussões, deliberadamente, para abafar as sutilezas que precisam ser levadas em conta na análise da situação política regional.
Como não pode atacar as decisões econômicas que colocam o Brasil e, quase por consequência, toda a região em situação mais ou menos tranquila diante da crise mundial, trata-se de fazer ferver a panela das discussões ideológicas, onde há muito material para controvérsias – simplesmente porque nesse caso não há notícias, mas declarações, que podem ser selecionadas a critério dos editores.
Mas sempre se pode achar em meio ao opiniário alguma informação mais esclarecedora. Observe o leitor, por exemplo, a reportagem colocada no pé da página da Folha de S.Paulo que noticia a declaração do chanceler uruguaio sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul. Trata-se de uma entrevista do empresário paraguaio Horácio Cartes, acusado de haver articulado a derrubada de Fernando Lugo e apontado como pré-candidato a presidente do Paraguai.
A Folha anota que Cartes já foi vinculado ao narcotráfico em um daqueles telegramas do Departamento de Estado americano vazados pelo Wikileaks.
Esse é o detalhe que deveria recolocar a questão paraguaia no noticiário, mas o leitor dificilmente vai ter essa oportunidade.
- Luciano Martins Costa
Comentário para o programa radiofônico do OI, 3/7/2012
https://www.alainet.org/es/node/159246
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