Preparando a grande marcha

19/06/2012
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A Cúpula dos Povos exerce mais ou menos a função que o Fórum Social Mundial em relação a Davos, na Suíça. No caso, trata-se do Riocentro, todo cercado de segurança, povoado de representantes de governo, de empresas, de algumas organizações, mas principalmente do discurso oficial da economia verde e do desenvolvimento sustentável. No aterro do Flamengo, ao longo de três, quatro quilômetros onde ficam espalhadas as tendas, numa distribuição irreconhecível, que deixa todo mundo enlouquecido, não têm que não fale contra as propostas discutidas pela burocracia oficial, incluindo a ONU.

Sempre de um lado das entidades, de trabalhadores, camponeses, agricultores, pescadores, índios, mulheres de todas as áreas – é impressionante a participação feminina, não arriscaria uma contagem, porque é provável que seja maioria-, do outro lado o Riocentro. “lá eles querem implantar a economia verde, e nós estamos aqui, discutindo os verdadeiros problemas”. É mais ou menos esse o discurso. A Marcha Mundial das Mulheres, com seus tambores de lata e baquetas de madeira abriu a manifestação da Cúpula, fora dos arredores do Aterro do Flamengo. Pela primeira vez, o Povo da Cúpula saiu às ruas do Rio de Janeiro. E bastam algumas quadras para chegar ao coração da cidade maravilhosa. No primeiro caso na sede do BNDES, o banco que financia hidrelétricas, frigoríficos e obras de infra-estrutura.

Ontem foi o caso da Vale, na rua Graça Aranha, do outro lado da rua está a sede da Firjan, a Federação das Indústria do RJ. Cerca de 800 pessoas discutiam os principais pontos para o documento final da Cúpula dos Povos, provavelmente será apresentado na sexta-feira, junto com o lançamento do documento oficial do Riocentro, a nossa Davos tropical. Uma assembléia onde falaram 30 pessoas e tinha o dobro para continuar. Eram dois minutos por participante, alguns não cumpriam.

É preciso ressaltar a quantidade de denúncias de pessoas, lideranças perseguidas por esse Brasil afora, e em várias partes do mundo. Na assembléia participaram representantes da Colômbia, Costa Rica, Bolívia, Moçambique, Equador, Espanha e Itália, entre outros. Tem muita gente ameaçada de morte nesse país. Como o pessoal do Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia, como contou Rosilene, a representante:

"- Moramos a 200 anos dentro da nossa área. Mas a Marinha do Brasil instalou uma base naval dentro das nossas terras. Várias famílias estão sofrendo, cercadas, são agredidas, inclusive vários já morreram. Ninguém faz nada, todo mundo sabe do caso. Agora, está marcado o prazo de 1º de agosto para toda a comunidade ser despejada. Espero que mandem o meu caixão para Brasília”.

Um representante do sindicato dos europeus dá um relato sobre dificuldades de famílias tendo dificuldades para comer, sofrendo repressão policial para se manifestar e não conseguem se organizar. Antigamente vinham da Europa para explorar os países do Sul, como ele recordou. “Pedimos desculpas por isso, mas agora estamos todos na mesma luta contra as corporações”.

Corporações, transnacionais, multinacionais, grandes empresas espalhadas por centenas de países, como IBM, do setor de tecnologia, fatura mais de US$ 130 bilhões, ou a Walmart, que faz propaganda sustentável e verde, seu presidente é engajado, mas trata-se de maior varejista do planeta, fatura US$400 bilhões. As mineradoras são o alvo local, personalizadas na Vale, presente em 38 países, a nossa multinacional, no ano passado teve um lucro de R$30 bilhões. Agora caiu um pouco, apenas R$10 bilhões no primeiro trimestre. Caíram os preços do minério de ferro, apesar de continuar acima de 130 dólares a tonelada. A Vale vendeu 70 milhões de toneladas em 2011, a China, mundialmente, compra mais de 300 milhões. É uma empresa transnacional, mas com sócios bem conhecidos: Bndespar, fundos de pensão Previ, Petros e Funcef, Bradesco, Mitsui e Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas.

Pois ontem, mais de 500 representantes da Via Campesina, da Marcha Mundial das Mulheres realizaram um ato de protesto na frente do prédio da Vale. O trânsito no centro do Rio de Janeiro parou às 18 horas. Os PMs cariocas e a Guarda Municipal se desdobravam em cercar as ruas, liberando a passeata. Um deles falava direto com o comandante : “por enquanto eles tão tranqüilos, pacíficos”. Um helicóptero monitorava de cima. Focava o holofote na marcha.

O caminhão de som precisava fazer o retorno para entrar na rua Presidente Wilson. Carros estacionados nos dois lados. Meia hora para resolver o caso. A marcha parou na frente do Consulado Geral dos Estados Unidos. As mulheres cantavam: "oi abre alas que eu quero passar, e as coisas vão mudar, e a revolução vai chegar”.

Vencidos os obstáculos, a marcha chegou ao prédio. Os coordenadores abriram um audiovisual, com imagens dos mineiros que tiveram problemas com a empresa, pelo mundo inteiro. No Canadá, onde há cerca de dois anos a Vale comprou uma mineradora local, os trabalhadores fizeram greve durante um ano. Em outra mina, por 18 meses. Em julho do ano passado morreram dois mineiros Jason Chenier e Jordan Fram. O Sindicato dos Mineiros Trabalhadores da Vale acusam a empresa de negligência e falta de segurança. Scott, o representante do sindicato, estava no caminhão de som.

- Nunca pensou que um dia estaria no Rio de Janeiro protestando contra a Vale. Mas a empresa quer mudar nossa cultura, nossas raízes. Sabemos que o nosso problema não se comprara com outros países. Mas a luta é uma só”, disse ele.

Na frente da marcha, portando uma faixa dos atingidos pela Vale, estava dona Francisca da Silva, de Açailândia, Maranhão. Têm cinco gusarias na região. O minério de ferro precisa ser tratado para tirar algumas impurezas. Daí sai o ferro gusa, que é a principal matéria-prima para produzir aço. Se for de melhor qualidade ainda acrescentam níquel.

As gusarias são conhecidas por usar carvão da mata amazônica, mas principalmente carvão ilegal. O problema é que a Vale compra o ferro gusa dessas empresas. Depois de vários escândalos eles começaram a controlar os fornecedores. Porém, nos rincões do Brasil, o poder é totalmente das empresas, inclusive com a ajuda do Estado, incluindo a Justiça.

Dona Francisca, de 66 anos, morava a 10 anos em Açailândia, antes de começar o movimento das gusarias e dos fornos de carvão. Além de tudo isso, o pó de ferro, na hora de quebrar o minério, e as britadeiras não param de fazer isso, é tóxico, gruda na roupa, que está no varal, provoca tosse e está provocando câncer. A denúncia feita no ato de protesto é que 41% da população está doente, com algum tipo de problema. São produzidas 500 mil toneladas de ferro gusa em Açailândia.

Recentemente a Vale ganhou a licitação de uma grande jazida de carvão de boa qualidade em Moçambique. Jeremy, o moçambicano que não conseguiu entrar no Brasil, no início da Rio+20, retornou e estava no caminhão de som. Contou que 1.365 famílias estão sofrendo com os impactos da mineração. A empresa não respeita as condições de trabalho e a Vale comprou as ferrovias da região, e ainda pretende montar uma ampla infra-estruturar, incluindo porto e local de estoque de carvão. A meta é vender carvão para a Índia. Os indianos consomem 713 milhões de toneladas e só produzem 683 milhões.

A Vale no Brasil tem a linha férrea de Carajá, vai até o porto de Itaqui, no Maranhão, onde embarca o ferro para a China. No caminho existem 94 pequenas vilas de moradores. No ano passado morreram 23 atropelados.

Quando chegar o final de 2012, mais uma vez a empresa vai apresentar seu relatório de sustentabilidade seus diálogos com a sociedade e com as comunidades. Nele não constará que a Vale ganhou o título de pior empresa do mundo no Public Eye Awards, O chamado Nobel da vergonha corporativa, criado em 2000, por voto popular, para empresas que apresentaram problemas ambientais, sociais e trabalhistas. Foi entregue em Davos, na Suíça, no verão passado. Hoje é o dia da grande marcha, no centro do rio. São esperadas 50 mil pessoas. Enquanto começa oficialmente a Cúpula dos governos o povo da Cúpula estará abrindo o verbo contra as corporações e o discurso da economia verde, a mais nova enganação do pedaço.
 
https://www.alainet.org/es/node/158859
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