A imorredoura esperança do cardeal
06/10/2011
- Opinión
No último dia 14 de setembro, completou 90 anos o Cardeal Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo. Diante de um homem como este, que marcou a história do país, escrevendo boa parte de um de seus mais importantes capítulos, o respeito se impõe e a necessidade de recordar e homenagear também.
Dom Paulo nasceu em dia especial, quando a Igreja celebra uma importante festa: 14 de setembro, festa da exaltação da Santa Cruz. Ao nascer, provavelmente seus pais, Gabriel e Helena, receberam com naturalidade aquele quinto filho dos treze que teriam sem suspeitar os caminhos que iria trilhar, onde a cruz estaria, sim, muito presente, embora sempre cercada de esperança.
O jovem Paulo fez-se franciscano e estudou patrologia, sendo um dos maiores especialistas brasileiros nesta área da teologia. Ensinou durante anos no Instituto do Sagrado Coração, em Petrópolis, onde se formavam os jovens franciscanos destinados ao sacerdócio e à missão, assim como na Universidade Católica de Petrópolis. E ao mesmo tempo em que exercia a docência, assistia os pobres que abundavam na cidade.
O doutorado na França e o retorno ao Brasil o levaram de volta ao ensino em Agudos e Bauru e, finalmente, a Petrópolis. Ali retomou, junto à sua atividade de professor, o trabalho com os pobres. O episcopado lhe chegou como plenitude do sacerdócio que abraçara para servir aos pobres, fiel ao carisma de São Francisco, seu mestre e fundador.
E foi assim que na maior metrópole brasileira, a partir do ano de sua ordenação episcopal, em 1966, empreendeu uma gigantesca atividade em favor dos direitos humanos e da justiça, que marcaram de forma indelével a Igreja do Brasil. Em 1973, nomeado cardeal pelo Papa Paulo VI, continuou a implementar continuamente o espírito do Concílio Vaticano II e da conferência de Medellín, Colômbia, que afirmava ser o anúncio do evangelho inseparável da luta pela justiça.
Graças a Dom Paulo, a diocese de São Paulo foi protagonista de dois importantíssimos movimentos eclesiais nas décadas de 79 e 80: a leitura popular da Bíblia e as comunidades eclesiais de base. A truculência da ditadura militar não conseguia intimidá-lo e era com desassombro e coragem que denunciava violações aos direitos humanos, torturas e prisões arbitrárias de pessoas devido a suas opções políticas.
Tudo isso o cardeal realizava sem discriminações de credo ou ideologia. Foi assim que edificou o país inteiro quando aceitou celebrar o culto ecumênico que teve lugar por ocasião do assassinato do jornalista judeu Vladimir Herzog nos porões do DOI-CODI paulista. Ao lado do rabino Henry Sobel, Dom Paulo, com seu gesto, denunciava as torturas no país, ao mesmo tempo em que abria uma ponte de diálogo entre o judaísmo e a Igreja católica em solo paulista.
Apóstolo da não violência, Dom Paulo empreendeu neste período verdadeira cruzada contra as torturas que aconteciam no Brasil, indo pessoalmente às prisões e fazendo denúncias aqui e no exterior. Isso o levou a ser um dos autores do famoso livro “Tortura nunca mais” e membro do movimento do mesmo nome.
Alguns anos depois coordenou juntamente com o Pastor Jaime Wright o projeto Brasil: Nunca Mais. Este projeto tinha como objetivo evitar o possível desaparecimento de documentos durante o processo de redemocratização do país. O trabalho foi realizado em sigilo e o resultado foi a cópia de mais de um milhão de páginas de processos do Superior Tribunal Militar . O material foi microfilmado e remetido ao exterior devido ao temor de uma possível apreensão. Em ato público realizado dia 14 de junho de 2011, foi anunciada a futura repatriação, digitalização e disponibilização do acervo a todos os brasileiros .
Ao mesmo tempo em que protagonizava a cena política com coragem e fortaleza, o cardeal não se esquecia do sofrimento dos pequenos e cuidava com desvelo da luta contra a mortalidade infantil no país. Juntamente com sua irmã, a grande pediatra Zilda Arns, recentemente falecida no terremoto que sacudiu o Haiti em 2009, a Pastoral da Criança baixou drasticamente os índices de mortalidade infantil em nosso país.
Dom Paulo celebrou seus noventa anos discretamente, cercado apenas da comunidade franciscana e de alguns amigos e familiares. Mas o rastro luminoso que sua ação deixou brilha fulgurante em seu lema episcopal: De esperança em esperança. Homem de fé, que vive de esperança, praticando o amor, o cardeal Paulo Evaristo continua a ensinar-nos, do alto de seus noventa anos, a viver o coração do Evangelho de Jesus e a encontrar o rosto de Deus nos mais pobres e pequenos de Seus filhos.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
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