Moniz Bandeira: O terrorismo avança

04/05/2011
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Para o cientista político, a morte de Bin Laden não arrefece os ataques. Só em 2009 ocorreram quase 11 mil atentados em todo o mundo, segundo o Country Reports on Terrorism.
 
Apesar do sentimento de triunfo demonstrado pelo povo americano após o anúncio da execução de Bin Laden, para os integrantes e simpatizantes da rede Al-Qaeda, o terrorista é visto como um mártir da “guerra santa” e deve inspirar novos ataques contra alvos civis e militares, avalia o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira, doutor em ciência política e historiador com mais de 20 obras publicadas. Ele é o autor de Formação do Império Americano – Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque, na qual fala sobre o início da Al-Qaeda e o surgimento de Bin Laden, financiado pela CIA para combater as forças da União Soviética no Afeganistão nos anos 70.
 
A CartaCapital, o especialista afirma que a guerra contra o terrorismo, encampada por George W. Bush e seguida por Obama, não foi capaz de reduzir o número de atentados. Ao contrário, intensificou o problema. “Só em 2009 ocorreram 10.999 ataques em todo o mundo, segundo o Country Reports on Terrorism, publicado anualmente pelo Departamento de Estado. Um terço ocorreu no Afeganistão e no Paquistão. Aproximadamente 10% foram realizados por meio do suicídio”, comenta Moniz Bandeira, que também é cônsul honorário do Brasil em Heidelberg (Alemanha). Confira, abaixo, a entrevista.
 
CartaCapital: Qual é o significado da morte de Osama Bin Laden, quase dez anos após os EUA encamparem a “Guerra ao Terror” como retaliação aos ataques de 11 de Setembro de 2001?
 
Moniz Bandeira: A morte representou uma vitória do presidente Barack Obama, que conseguiu, em dois anos e meio no governo, um objetivo que o presidente George W. Bush não alcançou durante os oito anos do seu mandato. Esse feito pode melhorar sua desgastadíssima popularidade e fortalecer sua candidatura à reeleição em 2012. Mas não constitui um golpe decisivo no terrorismo islâmico.
 
CC: A que se deve o êxito da operação?
 
MB: É importante salientar que na mansão onde Bin Laden vivia e foi morto não havia sequer um telefone e rede de internet. John Brennan, um dos assessores do presidente Obama para assuntos de segurança nacional e contraterrorismo, disse que era “inconcebível que Bin Laden não contasse com um sistema de apoio no país que permitisse a ele ficar lá por um longo tempo”. O presidente do Paquistão, Asif Ali Zardari, negou, por sua vez, que seu governo soubesse do paradeiro de Bin Laden. Porém o fato de a confortável mansão de Bin Laden, com um muro de seis metros de altura, estar situada a um quilômetro da principal Academia Militar do Paquistão, em Abbottabad, indica que ele realmente tinha o respaldo do Inter-Services Intelligence (ISI). E tanto isto é certo que o governo do Paquistão não foi informado da operação até que os helicópteros da Marinha dos Estados Unidos tivessem saído do país. De qualquer modo, como disse Leon Paneta, diretor da CIA, “Bin Laden está morto, mas a Al-Qaeda, não”.
 
CC: Que tipo de desdobramentos a morte de Bin Ladin pode ter no Oriente Médio e nos países ocupados por forças americanas?
 
MB: Apesar do sentimento de triunfo demonstrado pelo povo americano, para os membros e simpatizantes da Al-Qaeda, Bin Laden é um shahīd, que, na literatura religiosa islâmica, significa mártir da guerra santa, aquele que se dedicou à causa de Alá, mesmo à custa do seu sacrifício, de sua própria morte. Quanto aos desdobramentos, é difícil prever. Todo o Oriente Médio já estava convulsionado muito antes da morte de Bin Laden. A revolta popular, que ocorreu na Tunísia, se alastrou pelo Egito e contaminou os demais países da região decorreu de diversos fatores, conforme as condições domésticas de cada um, pois existem diferenças históricas, sociais e políticas e suas estruturas de Estados e instituições não são iguais. Há, porém, enorme sentimento de hostilidade contra os países do Ocidente devido à opressão colonial e à exploração imperialista. Os adeptos da Al-Qaeda e de outras organizações fundamentalistas certamente tratarão de promover atentados terroristas contra os estabelecimentos dos EUA.
 
CC: Então a “Guerra ao Terror” está sendo perdida?
 
MB: Apesar da guerra contra o terrorismo, declarada majestaticamente pelo ex-presidente George W. Bush e continuada pelo presidente Obama, o número de atentados terroristas cresceu. Só em 2009 ocorreram 10.999 em todo o mundo, segundo o Country Reports on Terrorism, publicado anualmente pelo Departamento de Estado. Um terço ocorreu no Afeganistão e no Paquistão. Aproximadamente 10% foram realizados por meio do suicídio. Os Estados Unidos e as demais potências ocidentais não entendem a cultura islâmica, para a qual morrer ou matar infiéis é um ritual litúrgico. O espírito de família e tribal ainda é muito forte tanto no Afeganistão quanto nos países do Oriente Médio. Os parentes e membros da mesma tribo sentem a necessidade de vingar o morto. Assim, a morte de cada muçulmano pelos bombardeios dos Estados Unidos, diretamente ou encapados pela Otan, alimenta o terrorismo.
 
CC: Há sinais de mudança nessa lógica?
 
MB: As Forças Armadas americanas estão chafurdadas no Afeganistão desde outubro de 2001, quando o presidente George W. Bush deflagrou a Operation Enduring Freedom contra os talebans. Eles se recusaram a entregar Bin Laden. Até fevereiro de 2011, morreram no Afeganistão 2.442 soldados da coalizão, dos quais 1.566 soldados eram americanos. Em 2010, foram mortos 711 contra apenas 12, em 2001, e o número de baixas das forças ocidentais cresceu a cada ano, sendo que, até fevereiro de 2011, 161 já foram abatidos pelos talebans. E Bin Laden nem estava no Afeganistão. O número de civis inocentes, mortos pelos bombardeios dos EUA e seus aliados, é muito maior. Entre 2005 e 2008, as forças americanas e seus aliados mataram entre 2.699 e 3.273. Só em 2009 pereceram 2.412 , 14% mais que em 2008. E, no Iraque, estima-se que, desde 2003, quando a guerra começou, até 2007, mais de um milhão de civis morreram.
 
CC: Em entrevista à BBC, Fawaz Gerges, especialista em Oriente Médio da London School of Economics, avaliou que Al Qaeda não terá dificuldades para repor a liderança perdida. Afirmou ainda que os movimentos que derrubaram ditadores em países árabes podem ter efeito mais significativo, pois refletem uma mudança de pensamento. Em vez da tradicional jihad contra as potências ocidentais, a luta por democracia. O senhor concorda com isso?
 
MB: O professor tem razão quando avalia que a Al-Qaeda não tenha dificuldade em substituir Bin Laden. Essa organização terrorista congrega inúmeros fundamentalistas que tentam restabelecer o reinado do Islã e adquiriu vida própria, desde que a CIA e a Arábia Saudita financiaram, juntamente com o Inter-Services Intelligence (ISI), o principal serviço de inteligência do Paquistão, a construção dos campos de treinamento e as instalações da Al-Qaeda para combater as forças da União Soviética. E esses grupos, espalhados nos mais diversos países do Oriente Médio, têm seu próprio chefe. Às vezes, podiam receber instruções, mas passaram a atuar com autonomia. De fato, Bin Laden já não mais tinha efetiva participação no comando da rede terrorista. Estava bastante enfermo, com problemas renais e era submetido a hemodiálises.
 
CC: E quanto às revoltas árabes? Há, de fato, uma tendência de mudança na forma de pensar e nas práticas?
 
MB: Não creio que os movimentos contra as ditaduras nos países árabes indicam mudança de pensamento na região. Não há nenhuma evidência de que os povos na Líbia, Síria e outros países árabes estejam a lutar realmente por eleições e democracia. A democracia é um fenômeno ocidental, que se desenvolveu inicialmente na Inglaterra, a partir de que o rei John, celebrizado como Lackland (João sem Terra), teve de assinar a Magna Carta, em 1215, concedendo direitos e liberdades sob pressão dos barões que se insurgiram contra seu governo. Esse documento é considerado o marco inicial do direito inglês, o fundamento sobre o qual se desenvolveu a monarquia constitucional na Inglaterra. Em nenhum desses países árabes há uma consciência democrática tal como se imagina no Ocidente.
 
CC: O regime democrático é incompatível para as nações árabes?
 
MB: Não há tradição e as condições históricas, políticas e culturais são muito distintas das que determinaram o desenvolvimento da democracia no Ocidente. O que existe é uma idéia, difusa e confusa, de liberdade, mesmo assim restrita a certos círculos laicos. O que predomina nos povos muçulmanos é o sentimento religioso, fundado no Corão, na crença de que “Allahu Akbar” (“Deus é grande”), conforme o Islã, que significa submissão a Deus, o que, decerto, legitima o poder absoluto, as ditaduras. A democracia, que os povos agora reclamam, tanto no norte da África quanto no Oriente Médio, significa maiores oportunidades de trabalho, de participação política, liberdade de expressão e melhora econômica e social. Mas acredito que a situação mais delicada é a existente na Palestina.
 
CC: Por quê?
 
MB: A situação tende a agravar-se cada vez mais. O Fatah, que domina a Cisjordânia, e o Hamas, com o controle da Faixa de Gaza, cujo bloqueio será levantado pelo governo do Egito, assinaram um acordo visando as eleições no Estado palestino. Tudo indica que essa reconciliação entre o Hamas e o Fatah possibilitará o que o governo de Israel mais teme: a realização de uma intifada branca, no dia 15 de maio, denominado Nakba, que significa desastre, tragédia, como os palestinos qualificam a data em que cerca de 725 mil palestinos árabes foram expelidos de seus lares, durante a guerra com Israel, em 1948. Todos os anos palestinos fazem manifestações e parece que, atualmente, a idéia é de realizar um a demonstração pacifica, com a marcha de milhares, quiçá um milhão de palestinos até Jerusalém, a fim de exigir a declaração independência do Estado palestino.
 
CC: Os palestinos serão ouvidos desta vez?
 
MB: Israel tem uma população estimada em 7,6 milhões de cidadãos, dos quais 5,7 milhões são judeus e quase 2 milhões são palestinos. A Faixa de Gaza, sob o comando do Hamas, é habitada por 1,3 milhão de palestinos, sendo que 33% vivem com a ajuda da ONU nos campos de refugiados. Na Cisjordânia, administrada pela Autoridade Palestina, vivem também quase 2 milhões de palestinos, mas os colonos judeus, pouco mais de 350 mil habitantes, controlam uma vasta área, onde já foi erigida uma verdadeira cidade. Se os palestinos se unirem e marcharem juntos, em demonstrações pacíficas para exigir o reconhecimento do Estado palestino, o equivalente a uma intifada branca, isso deixaria o governo de Israel em uma situação muito difícil. O Estado ficaria sem condições morais e políticas de usar a força militar para reprimi-las. Caso isso ocorra, como o governo de Israel teme, os reflexos sobre os demais países árabes são imprevisíveis.
 
CartaCapital
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