23 anos do Massacre de Jan-Rabel e os desafios dos camponeses na reconstrução do país
27/07/2010
- Opinión
Jan-Rabel/Haiti.- Há 23 anos, no dia 23 de Julho de 1987, no município de Jan-Rabel, departamento Noroeste, ocorria um dos maiores massacres da história recente do Haiti. Na altura da Encruzilhada Bazen, uma emboscada arquitetada por latifundiários, militares, políticos locais e membros da Igreja reacionária abriu fogo contra centenas de camponesas e camponesas que marchavam pacificamente rumo a uma assembléia do Grupo Tèt Ansan Jan-Rabel ak Bochan. 120 pessoas caíram assassinadas no local e as poucas que conseguiram fugir acabaram morrendo no leito dos hospitais ou sob as armas dos militares. Ao total, 139 camponesas e camponesas tombaram naquele que ficou conhecido como o Massacre de Jan-Rabel.
O Grupo Tèt Ansan havia surgido nos anos 70, influenciado pela Teologia da Libertação, com o objetivo de organizar as reivindicações camponesas e resistir às arbitrariedades da ditadura Duvalier no Haiti, no poder desde 1957. Já no início da década de 80, o Tèt Ansan denunciava as conseqüências desastrosas da entrada massiva de alimentos estrangeiros no Haiti, oriundos principalmente dos Estados Unidos da América. Esses produtos alimentícios, que entravam no país com subsídios tanto do governo estadunidense como da ditadura haitiana, estavam pondo em risco a existência em si da agricultura camponesa local. Essas denúncias colocaram o grupo na mira dos militares e das autoridades estadunidenses que apoiavam o regime ditatorial.
Com a queda de Jean-Claude Duvalier em fevereiro de 1986, os camponeses e camponesas que conformavam o Grupo Tèt Ansan e outras ‘Ti Komite Legliz’ (Comunidades Eclesiais de Base) decidiram se conformar em um movimento social de abrangência nacional. Em setembro de 1986 surgia então o Tèt Kole Ti Peyizan Ayisyen (TK). Mas a aparente redemocratização do país não significou melhoria de vida no meio rural e os militantes do Tèt Kole persistiram com suas denúncias, marchas e reivindicações. Em julho de 1987 receberam então a resposta das autoridades e setores reacionários da sociedade: o Massacre de Jan-Rabel.
Uma chacina de tais proporções e violência, que deveria significar a desarticulação total do movimento, serviu, ao contrário, para fortalecê-lo, encorajando seus membros a continuar na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais. Hoje em dia, o Tèt Kole está presente em nove dos dez departamentos do Haiti. Com uma base social de mais de 70.000 camponeses e camponesas sem terra, diaristas, meeiros, pequenos agricultores e desempregados, o TK é atualmente um dos movimentos mais fortes e representativos no país.
Todo 23 de Julho, militantes do Tét Kole e de outras organizações camponesas oriundos de várias regiões do país se encaminham a Jan-Rabel, no noroeste do país, para lembrar o martírio dos 139 camponeses e camponesas e refletir sobre os rumos do campesinato e da sociedade haitiana. Neste ano, o lema do encontro foi “A reconstrução do país não pode ser feita sem a descentralização do poder e o relançamento da agricultura camponesa”.
De acordo com Pierre Joseph, dirigente regional do Tèt Kole, “o sistema colonial escravista ainda está presente no Haiti, pois tudo o que se desenvolve em nossa nação é para desenvolver outro país. O Haiti está organizado para o estrangeiro e, mais que isso, pelo estrangeiro”. O terremoto que assolou o país em 12 de Janeiro de 2010 só fortaleceu essa dependência.
É dentro desta perspectiva que se apresenta o Plano para Reconstrução do Haiti, sob os auspícios de seu coordenador, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. Segundo Gerta Louisiama, do comitê executivo do Tèt Kole, “este Plano de Reconstrução vem para quebrar de vez nosso país. Se essa ajuda que vier não tiver nossa participação não nos serve para nada. Sem a participação dos camponeses e camponesas não há reconstrução possível”.
Denunciando a entrada da Monsanto no país – que doou 475 toneladas de milho híbrido para o governo haitiano – e os planos da Fundação Jatrofa e do Projeto Jatrophaiti na disseminação do monocultivo da jatrofa para a produção de agrocombustíveis, Rosnel Jean Baptiste, da executiva do Tèt Kole, lembra que a luta pela soberania nacional e alimentar que animava as manifestações camponesas no início do movimento na década de 70, e que levaram à morte dos 139 camponeses e camponesas em 1987, ainda estão em pauta nos dias de hoje. “Na ocasião do 23º aniversário do Massacre de Jan-Rabel”, afirma Rosnel, “nós do Tét Kole Ti Peyizan Ayisien exigimos que o Estado Haitiano se responsabilize pelo fim da impunidade, ao tempo em que exigimos que satisfaça as seguintes reivindicações:
1. Reconhecer o 23 de Julho como Dia Nacional dos Camponeses e Camponesas
2. Prisão e Julgamento de todos os criminosos e cúmplices que participaram do Massacre de Camponeses de Jan-Rabel
3. Acabar com a submissão do país à comunidade internacional
4. Reconstruir o país a partir do meio rural
5. Relançar a agricultura camponesa
6. Tomar as medidas necessárias para descentralizar o poder e os serviços no país
7. Devolver todas as sementes doadas pela Monsanto
8. Tomar as medidas necessárias para desocupar o país.”
Como se vê, são grandes os desafios para o Tèt Kole e demais organizações sociais haitianas na tarefa de reconstrução e refundação do Haiti pós-terremoto. Mas, como afirmava o Padre Jan Mari Vensan, um dos fundadores e principais articuladores do TK, assassinado durante o golpe militar de 1994: “Falar sobre o povo pobre hoje em dia é colocar o problema do engajamento com a massa popular. Isso quer dizer, estabelecer uma estratégia conjunta, uma luta conjunta que deve desembocar na construção de uma outra qualidade de sociedade. Uma sociedade unida, com participação e justiça para todas as pessoas.”
https://www.alainet.org/es/node/143089?language=en
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