Após acordo com governo, hondurenhos querem reforma agrária "integral" (III)
10/05/2010
- Opinión
Depois de um longo processo de reivindicação, com ocupações de terras e estradas em protesto, os camponeses hondurenhos conseguiram uma via de diálogo com o presidente Manuel Zelaya, eleito em 2006. Já contavam mais de 10 anos desde as tomadas de terra por grandes latifundiários, amparados em governos e na Lei de Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola, que permitiu a concentração das propriedades nas mãos de poucos.
Em 2009 o MUCA (Movimento Unificado Camponês do Aguán) apresentou uma proposta de acordo para resolver o conflito. Duas semanas antes do golpe de Estado contra Zelaya, em 28 de junho, foi firmado um convênio entre o INA (Instituto Nacional Agrário), os camponeses e os latifundiários endossado pelo presidente, o prefeito de Tocoa e o governador do Departamento de Colón, prevendo a criação de uma comissão tripartida para revisar o procedimento legal usado para a aquisição da terra pelos latifundiários.
O governo de Manuel Zelaya demonstrou disposição de trabalhar por uma nova reforma agrária e pela titulação das terras ancestrais dos povos nativos de Honduras, mas o golpe paralisou esse processo e a negociação com o MUCA. A organização camponesa iniciou a luta nas ruas para exigir o retorno à ordem constitucional e, ante a intransigência das novas autoridades, começou em 9 de dezembro de 2009 a recuperação definitiva das terras, o que provocou a reação violenta dos órgãos repressores sob uma ordem judicial de despejo.
Violência e repressão
De janeiro a março de 2010, exército e polícia trataram repetidamente de desalojar milhares de famílias que participavam do processo de recuperação dos 20 mil hectares reivindicados pelo MUCA.
"Os camponeses do MUCA foram constantemente ameaçados de morte e alvos de vários despejos violentos por parte do exército, da polícia nacional preventiva e de guardas de segurança, que são verdadeiros grupos paramilitares formados principalmente por reservistas do exército", explicou Wilfredo Paz, o porta-voz do MUCA.
Em 12 e 14 de fevereiro, os membros do MUCA foram atacados com armas de fogo por efetivos militares, policiais e guardas de segurança dos latifundiários nas cooperativas La Concepción e Aurora, e houve vários feridos de ambos os lados.
Ao mesmo tempo, os principais meios de comunicação nacionais, na maioria de propriedade de poderosos empresários hondurenhos, iniciaram uma campanha para desacreditar o movimento. "Afirmam que nessas terras há guerrilheiros, o que é totalmente falso. Há apenas camponeses defendendo suas terras. O objetivo é perpetrar um massacre. Não respeitam ninguém e não lhes importa se há mulheres, idosos e crianças. Quando chegam, atiram para matar", denunciou o porta-voz do MUCA.
Nos últimos meses, seis membros do MUCA foram mortos por desconhecidos encapuzados e vários dirigentes de organizações camponesas foram perseguidos, hostilizados e ameaçados. Mais de 200 camponeses envolvidos no processo de recuperação das terras são alvo de ações judiciais e ordens de prisão por usurparção de terras.
As principais organizações hondurenhas de defesa dos direitos humanos e vários órgãos internacionais condenaram os acontecimentos no Baixo Aguán e exigiram que o governo do presidente Porfirio Lobo inicie um processo de negociação a fim de encontrar uma solução para o grave conflito.
Um acordo histórico
Em meio a uma militarização sem precedentes, na qual mais de quatro mil efetivos do exército e da polícia foram enviados ao Baixo Aguán, cercando as comunidades e lançando uma operação em todas as principais estradas da região, o governo e o MUCA iniciaram uma negociação que terminou de maneira satisfatória na madrugada do último dia 15 de abril.
Apesar da pressão exercida sobre a comissão negociadora do MUCA, a organização camponesa conseguiu abrir um precedente histórico: demonstrou que, com a luta e a negociação, é possível recuperar as terras que haviam sido concentradas novamente em poucas mãos a partir de 1990.
"Iniciamos este processo de negociação porque existem pendências reais a resolver. Foi um processo desenvolvido em meio ao perigo, às ameaças e à repressão. No entanto, saímos fortalecidos", disse Rudy Hernández, membro da comissão negociadora do MUCA, durante a assinatura do acordo.
"Não podemos esquecer que, ao longo destes anos de luta, perdemos vários companheiros. Sempre os levaremos em nossos corações. Esta memória nos servirá para que continuemos lutando contra o poder daqueles que desejam que a riqueza se concentre em poucas mãos", afirmou Hernández. "Este acordo reconhece que a terra deve ficar nas mãos dos camponeses, porque nós a trabalhamos com amor e sacrifício. Hoje se inicia um processo que não vai mais parar, pois nosso objetivo é recuperar a totalidade das terras que nos tiraram".
Segundo o acordo, todas as famílias camponesas do MUCA receberão imediatamente três mil hectares já cultivados com palma africana e outros três mil sem cultivo dentro de três meses, com a desocupação prévia e voluntária das terras já recuperadas. Essas terras não poderão ser vendidas nem hipotecadas.
Além disso, as famílias receberão outros mil hectares cultivados e quatro mil sem cultivar em um prazo máximo de um ano. Também serão medidas novamente as terras dos três latifundiários produtores de palma africana – Facussé, Morales e Canales – para conferir se eles estenderam seus cultivos a áreas que não lhes foram outorgadas pelo INA. O excedente passaria imediatamente para as mãos do MUCA, mas deduzindo-se os mil hectares já cultivados.
Será feita uma análise técnica e financeira para determinar as áreas a serem entregues às famílias camponesas, seu valor, o potencial produtivo, a rentabilidade e a forma como foram adquiridas. E será constituída uma comissão técnica e jurídica mista.
A Ata de Compromisso também rejeita uma proposta governamental pela qual as famílias camponesas venderiam obrigatoriamente sua produção às fábricas de óleo de palma de propriedade dos latifundiários, por meio de contratos de investimento conjunto.
Finalmente, as partes concordaram em desenvolver projetos de saúde, educação e moradia na região, além de proclamar "a necessidade imperativa de fomentar um debate nacional sobre a legislação agrária".
Reforma agrária integral
O acordo histórico foi comemorado pelas principais organizações camponesas do país durante a realização de um fórum no qual foram pedidas a revogação da Lei para a Modernização e Desenvolvimento do Setor Agrícola e a implementação de uma reforma agrária integral.
Segundo Agustín Ramos, da CNTC (Central Nacional dos Trabalhadores do Campo), "é urgente e necessário iniciar um processo que conduza o país a uma reforma agrária integral. Para isso, é preciso realizar um censo nacional sobre a ocupação das terras não cultivadas".
"Depois será preciso estabelecer políticas e estratégias para garantir o acesso dos camponeses a essas terras e para garantir a soberania alimentar", continuou Ramos. "Não se trata somente de entregar a terra, mas também de garantir a tecnologia, o crédito, a educação e a capacidade de produzir. Isso impedirá que a terra se transforme em uma mercadoria, pois a falta desses elementos obriga os camponeses a vender suas propriedades, provocando a concentração das terras em poucas mãos", afirmou.
https://www.alainet.org/es/node/141325
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