Reflexão a favor dos camponeses

Na sombra da imaginação (1)

15/04/2010
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1.       A razão camponesa
 
Tenho procurado compreender os camponeses contemporâneos no Brasil apoiando-me num referencial[1] que considera como camponesas aquelas famílias que tendo acesso à terra e aos recursos naturais que esta suporta resolvem seus problemas reprodutivos a partir da produção rural --- extrativista, agrícola e não-agrícola --- desenvolvida de tal modo que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que sobrevivem com o resultado dessa alocação. Essas famílias, no decorrer de suas vidas e nas interações sociais que estabelecem, desenvolvem hábitos de consumo e de trabalho, e formas diferenciadas de apropriação da natureza, que lhes caracteriza especificidades no modo de ser e de viver no âmbito complexo das sociedades capitalistas contemporâneas. Como corolário dessa conceituação de camponeses contemporâneos, eu pressuponho, em tese, a presença exclusiva nos processos de trabalho da força de trabalho familiar, esta potencializada através do desenvolvimento das forças produtivas (meios de trabalho, convivência com a natureza e cooperação), no sentido de uma intensificação baseada no trabalho[2], que permita aos camponeses alcançarem, com maiores ou menores restrições, o que denomino de autonomia relativa camponesa perante o capital. Isso não quer significar um retorno à economia de subsistência, nem seu isolamento perante os mercados. Ao contrário, com o crescente avanço dos conhecimentos científicos relacionados com a geração de procedimentos e produtos no âmbito de uma relação homem-natureza baseados nos pressupostos da agroecológica[3], e daqueles sistematizados a partir das práticas camponesas, seriam plenamente dispensáveis os insumos de origem industrial, em particular aqueles que configuram a artificialização da agricultura[4], seja esta através dos agrotóxicos, herbicidas e fertilizantes de origem industrial seja das sementes transgênicas, dos hormônios e similares, entre tantas inovações de interesse do agronegócio e contra a vida. Os camponeses devem (e podem), sem a menor dúvida, garantir de maneira continua e crescente as condições efetivas de produção e de organização social para a melhoria da sua qualidade de vida familiar através da produção para o autoconsumo e, ao mesmo tempo, para ampliar a oferta de produtos para os mercados tanto para se alcançar a soberania alimentar nacional como para atender às demandas dos produtos da agricultura por outros setores da economia e para a exportação[5].
 
Do ponto de vista da economia política, os contratos de produção entre os camponeses contemporâneos e as empresas do agronegócio, os arrendamentos de terras e as parcerias com empresários capitalistas só formalizam a tendência do capital de subordinar os camponeses aos seus interesses e, sempre que for conveniente para otimizar o lucro, se apropriar de suas terras[6]. Essa perspectiva não pressupõe que os camponeses contemporâneos poderiam deixar de estabelecer relações contraditórias com os capitais nos diversos mercados, sempre levando em consideração que o modo de produção capitalista é o dominante e hegemônico na formação econômica e social brasileira. Mesmo assim é possível se observar, a partir dos referenciais que aqui são expostos, que está presente na formação econômica e social brasileira uma racionalidade cuja centralidade é a reprodução social da família, uma lógica camponesa que é inteiramente distinta daquela que move as empresas capitalistas e que tem como centralidade a obtenção do lucro. Isso não quer dizer que a reprodução social da família camponesa se restrinja à reprodução social simples da família. O que está em consideração neste caso é a melhoria crescente e continuada da qualidade da vida e do trabalho camponeses, melhoria essa que contempla outras dimensões além da renda líquida familiar porventura obtida. Necessitam ser consideradas na reprodução social da família camponesa dimensões como a relação de convivência com a natureza, a identidade entre o local de reprodução da vida familiar e o local de trabalho (pertencimento), a abertura crítica às inovações tecnológicas tanto na esfera do consumo como na da produção, a vida comunitária --- mesmo que menos intensa ou fortemente alterada devido aos novos comportamentos sociais, as novas formas e estímulos ao lazer e, sobretudo, o território camponês, enquanto espaço de controle e de poder relativo à apropriação social da natureza.
 
O campesinato contemporâneo é uma realidade presente e massiva que envolve milhões de famílias no Brasil e, no mundo, cerca de um quarto de toda a humanidade. Ele traz em si, apesar da violenta expansão capitalista sobre o campo, um potencial projeto social estratégico muito distinto e muito além das abordagens sócio-antropológicas do campesinato de outrora.
 
2. A condenação dos camponeses
 
Não tenho dúvida alguma de que a tendência da expansão e da reprodução ampliada do capital na formação econômica e social brasileira tende à homogeneização da racionalidade capitalista, tentando submeter e ou excluir qualquer possibilidade de reprodução de outra racionalidade econômica que não seja aquela regida pelo lucro. Estou ciente também de que a reprodução da agricultura capitalista, assim como a do campesinato contemporâneo, necessita de diversos apoios do Estado, isso como regra geral devido às condições desiguais intersetoriais de produção e reprodução da agricultura e das suas relações comerciais com os demais setores da economia. E nos contextos nacional e internacional contemporâneos, com a consolidação de diversos impérios econômicos mundiais diretamente relacionados com o agronegócio, impérios esses subsumidos aos interesses da reprodução e expansão do capital financeiro, as possibilidades de reprodução, manutenção e de expansão da agricultura camponesa contemporânea dependem de dois fatores fundamentais: das políticas públicas e das estratégias de ação dos movimentos e organizações sociais e sindicais[7] camponesas.
 
As políticas públicas, numa sociedade de classes, são sempre favoráveis e orgânicas aos interesses de classe das classes dominantes, sendo que no caso em apreço, privilegiadoras do capital financeiro e das grandes empresas da cadeia do agronegócio. As políticas públicas direcionadas à denominada 'agricultura familiar'[8], ao serem orgânicas aos interesses de classe das classes dominantes no campo, induzem e submetem a reprodução social da agricultura camponesa à racionalidade capitalista, não somente pela emulação para a adoção do modelo de produção e tecnológico dominante e pela aceitação passiva da perda do controle familiar sobre os processos de trabalho da unidade de produção[9], mas, sobretudo, por intencionalmente negarem a presença efetiva de uma outra lógica de produção como a camponesa contemporânea[10].
 
Os movimentos e organizações sociais e sindicais camponeses, por distintos motivos históricos e políticos, ao se tornarem dependentes dos recursos governamentais para a manutenção e reprodução burocráticas das suas organizações se identificam, quiçá por comodidade, com a lógica produtivista do capital, e aceitam as políticas públicas de integração dependente do campesinato ao capital como seu que-fazer político, na maior parte das vezes sem uma perspectiva estratégica de negação do modo capitalista de produção. Tais movimentos e organizações sociais e sindicais camponeses ao objetivarem a melhoria da renda líquida familiar --- por vezes numa tática política similar à de "ajuda aos pobres do campo", reproduzem contraditoriamente a ideologia dominante de superação da economia camponesa a partir da aceitação da tendência histórica do desenvolvimento das forças produtivas pela expansão e consolidação das empresas capitalistas no campo. Ao não estabelecerem explicitamente estratégias de superação do capitalismo, porque dependentes das políticas públicas orgânicas à reprodução e expansão do capital, negam subliminarmente a presença de uma racionalidade camponesa. No limite, exercitam a elegia aos camponeses contemporâneos como responsáveis pela garantia relativa da soberania alimentar nacional, admitindo, no entanto, que a produção rural amplo senso possa ser uma conveniente combinação da racionalidade capitalista rebuçada de reminiscências camponesas. Por vezes, diversos dirigentes políticos de movimentos e organizações sociais e sindicais camponeses ao se reportarem aos importantes estudos de Marx, Lênin e Kautsky, como exemplo, transformam mecanicamente tais estudos científicos e as propostas políticas da maior relevância histórica, mas contextualizadas, em profecias políticas.
 
Como acentuei anteriormente, se a tendência da expansão e da reprodução ampliada do capital na formação econômica e social brasileira conduz à imposição da racionalidade capitalista --- o que é um processo histórico inegável, tal assertiva não pressupõe, a partir de simples lógica linear, que esse processo histórico dominante não seja passível de mudanças radicais por ação de massa a partir das mobilizações das organizações das classes populares. E, deveras, não significa, igualmente, que a ação política e ideológica de afirmação do campesinato contemporâneo não possa negar essa tendência geral do capital no campo a partir da resistência social camponesa e da afirmação de um novo modo de produção que não seja exclusivamente derivado da socialização da grande empresa capitalista no campo.
 
As lutas pela terra no âmbito das propostas populares de reforma agrária ao negarem a presença do latifúndio e, em parte, da empresa capitalista, têm produzido socialmente novos camponeses, sem que necessariamente essa percepção política seja explicitamente assumida porque mascarada ora pela ideologia neoliberal do desenvolvimento da agricultura familiar dependente do capital ora pela noção burocrática de assentados da reforma agrária como uma suposta nova categoria social. É minha percepção de que a própria concepção de áreas de assentamentos de reforma agrária como territórios camponeses conquistados do poder do capital poderá tender a se tornar estigmatizada sempre e quando os camponeses (assentados) desses territórios (assentamentos) perderem o poder sobre o território 'libertado' do capital ao se tornarem dependentes não apenas das políticas públicas orgânicas aos interesses do agronegócio, mas, deveras, das próprias empresas capitalistas ao adotarem o modelo de produção e tecnológico dominante.
 
3. Contradição principal no campo: a luta pela terra
 
Os movimentos e organizações sociais e sindicais camponeses ao não estabelecerem uma estratégia de ação que tenha como referencial de médio e longo prazo a afirmação de uma racionalidade camponesa, portanto, ao não reconhecerem a existência de uma lógica intrínsica à unidade de produção camponesa que seja ao mesmo tempo negadora daquela da empresa capitalista, deixam de contribuir para a consolidação do campesinato contemporâneo como classe social[11], mesmo que seja uma classe em construção. A sugestão de se considerar o campesinato como classe e, portanto, um sujeito social histórico, deve se apoiar em critérios claros e precisos que facilitem o entendimento e o debate dessa proposição. A contradição entre as empresas capitalistas do agronegócio e o campesinato não se dá no interior do processo de trabalho, tal como se verifica com a relação social de assalariamento na empresa capitalista. Há contradições entre a burguesia agrária (esta associada a frações da burguesia bancária, industrial e comercial) e o campesinato pela efetiva transferência de renda da unidade de produção camponesa para as empresas do agronegócio durante as relações comerciais; pelo processo de exploração dos camponeses pelos burgueses quando se efetuam contratos de produção entre eles ('integração'); e pelo processo de arrendamento de terras camponesas pelas empresas capitalistas. Essas contradições são por mim consideradas como secundárias e tendem, com maior ou menor intensidade, para a exploração e subalternidade dos camponeses pelo capital. Essas contradições secundárias criam as condições objetivas e subjetivas para diversos tipos de lutas sociais camponesas.
 
É meu entendimento, entretanto, que a contradição principal entre o campesinato e a burguesia agrária reside na possibilidade efetiva da perda da terra pelos camponeses devido à pressão econômica, política e ideológica exercida --- com maior ou menor grau de violência física, pelas grandes empresas capitalistas no campo sobre a terra e territórios camponeses[12]. A ameaça e a prática objetiva de usurpação das terras camponesas pelas empresas capitalistas é o fator que provoca a maior parte dos conflitos sociais na terra e pela terra. As tentativas de usurpação capitalista da terra camponesa provocam, direta e indiretamente pelo terror e o medo instaurados, a desagregação social do campesinato e tendem, ainda que de maneira contraditória[13], a desagregar a organização camponesa e a anular o campesinato como potencial sujeito histórico --- como classe social em construção. A perda da terra significa para os camponeses, portanto, a extinção da própria condição de ser camponês.
 
É o enfrentamento das causas dessas contradições, a principal e as secundárias, que induzem os camponeses às lutas de resistência social e de superação da contradição principal com a burguesia agrária. A superação da contradição principal só será possível com a negação da racionalidade capitalista no campo pelos camponeses com o apoio do proletariado. Por esse motivo, entre outros, seria temerário e equivocado se concluir que a partir da tendência à concentração capitalista da terra no campo se deveria aceitar, como um avanço positivo, a grande empresa capitalista. No Brasil contemporâneo (pós 1950), a grande empresa capitalista não constituiu, nem está constituindo de maneira geral, um processo de trabalho onde se constate a ampliação dos assalariados rurais que permita, nas condições objetivas da formação econômica e social brasileira no campo, se vislumbrar que a relação de assalariamento rural se constituiria na principal contradição social da relação de produção capital-trabalho no campo. Ao contrário, a concentração e centralização da terra, a motomecanização, a aviação agrícola, a especialização nos cultivos e criações, o modelo tecnológico de artificialização da agricultura adotado e a terceirização na prestação de serviços contribuíram não somente para a expulsão do campesinato como para a redução relativa do trabalho assalariado no campo.
 
A expansão capitalista no campo no Brasil, com o apoio do Estado, tem consolidado um modelo de produção e tecnológico altamente perverso e que provoca a degradação do meio ambiente, o desmatamento, a poluição dos solos e das águas, o despovoamento do campo, a desagregação do campesinato, o emprego precário sazonal e o desemprego de trabalhadores rurais assalariados, o ajuste da estrutura produtiva rural aos interesses das grandes empresas oligopolistas multinacionais, a prática da condição de trabalho assalariado similar ao dos escravos, o comprometimento da soberania nacional e, sobretudo, mas não finalmente, o desprezo absoluto pela vida. É esse modelo de produção e tecnológico dominante aliado à facilidade com que ocorre a apropriação privada das terras públicas e devolutas pelas grandes empresas capitalistas que facilita, ademais, a usurpação das terras camponesas e impede a realização de uma reforma agrária que democratize o acesso e uso da terra e amplie o número de famílias camponesas no país.
 
4. A lógica camponesa
 
É possível sugerir que a afirmação da autonomia relativa do campesinato contemporâneo perante o capital constituiria uma 'negação da negação' da racionalidade capitalista no campo (e do capitalismo amplo senso). A lógica camponesa nega quem lhe nega, ou seja, nega a reprodução ampliada do capital que na sua dinâmica reprodutiva nega o campesinato. No entanto, é insuficiente a negação da negação sem que dela se alcance a superação da negação do capitalismo no campo. É fundamental, portanto, que se afirme a racionalidade camponesa que tem como centralidade a reprodução social da família (negando a lógica do capital que se baseia no lucro). Uma reprodução social da família camponesa que se caracteriza por hábitos de trabalho e por hábitos de consumo, ambos influenciados não apenas pelos costumes, mas, pressionados pelos valores da hegemonia capitalista e pelos comportamentos dos mercados. Hábitos camponeses influenciados e pressionados pela racionalidade capitalista, mas não necessariamente por ela determinados. O que significa dizer que o campesinato contemporâneo, ainda que inserido numa formação econômica e social dominada e hegemonizada pelo modo de produção capitalista (e a superestrutura que lhe é dialeticamente inerente), constrói na sua prática de resistência social uma reprodução social que lhe permite afirmar uma outra racionalidade que não aquela dominante: a racionalidade camponesa contemporânea que proporciona condições efetivas para se construir e usufruir de uma autonomia relativa perante o capital. É autonomia relativa devido ao fato de que parcela dos insumos a serem utilizados pelos camponeses --- como a motomecanização e outros implementos de origem industrial, tanto para a produção direta no campo como para o possível beneficiamento e ou agroindustrialização de seus produtos, e a venda de parte de seus produtos nos mercados mais amplos que o local, se realiza pelas relações comerciais com as grandes empresas capitalistas do agronegócio.
 
A autonomia relativa do campesinato contemporâneo, mesmo com inserção parcial nos mercados, não nega a produção para o autoconsumo e nem implica que esta determine unicamente a natureza geral da produção camponesa. Está-se aqui bem distante de qualquer idéia de um campesinato que vive na redoma do autoconsumo. A tensão entre a produção para o autoconsumo (tanto de produtos como de insumos) e a produção de mercadorias pelos camponeses contemporâneos, gera uma dinâmica social que exige mais do que a percepção da unidade camponesa isolada, mas a afirmação de uma racionalidade camponesa como projeto social para o campo, não como alternativa à reprodução do capital, mas como negação desse modo de produção (e da sua superestrutura). Nesse sentido as possibilidades efetivas de se constituir e de se reproduzir de maneira ampla e geral um outro modelo de produção e tecnológico no campo, a partir dos conhecimentos científicos e das experiências camponesas relacionadas com as concepções e práticas da agroecologia, já permitem afirmar que a unidade de produção/consumo camponesa, sem absolutamente se fechar nela mesma como unidade autosuficiente, mas vivenciando uma relação crítica com os mercados através de redução da importação de insumos e da garantia do controle familiar dos processos internos de gestão da unidade de produção camponesa, estará em constante ajustamento tecnológico e criando novas formas de cooperação interfamiliar, inclusive de beneficiamento e de agroindustrialização de seus produtos, mas de maneira que a oferta de produtos nos mercados, onde obtém a sua renda monetária, não determine mudanças interna na unidade de produção camponesa incompatíveis com a presença do trabalho familiar, com a relação ecológica camponês-natureza --- baseada predominantemente nos princípios da agroecologia, no beneficiamento e agroindustrialização dos seus produtos e nem nos processos mais amplos de cooperação entre camponeses[14].
 
Devo enfatizar, no entanto, dois aspectos fundamentais da construção da autonomia relativa camponesa perante o capital. O primeiro se refere ao próprio conceito de campesinato (ver item 1, anterior) quando afirmo que, em tese, é indispensável que se considere a presença exclusiva da força de trabalho familiar nos processos de trabalho da unidade de produção camponesa, aqui se contemplando o beneficiamento e a agroindustrialização cooperadas popular dos produtos camponeses. A hipótese da introdução da relação social de produção de assalariamento na unidade de produção camponesa[15] nega a referência à concepção aqui presente de um campesinato contemporâneo. É a cooperação entre camponeses, e entre camponeses e o proletariado, nas suas mais distintas formas de cooperação, que permitiria o aumento da produtividade do trabalho. Isso, evidentemente, levando em consideração outras medidas importantes e adequadas à unidade de produção camponesa e aos princípios da agroecologia, como a motomecanização, a automação, o manejo e fertilização orgânica dos solos[16], os novos equipamentos e instrumentos de trabalho capazes não apenas de reduzirem o trabalho penoso como potencializarem a força de trabalho familiar e cooperada.  O segundo aspecto refere-se à aliança entre classes sociais populares, em particular do campesinato com o proletariado. A negação da racionalidade capitalista no campo, necessária para a afirmação do campesinato contemporâneo, só poderá ser ampla e geral se contar com a solidariedade e a aliança de classe com o proletariado. E, mais, não apenas negando a lógica do capital como lutando para a instauração de um outro e novo modelo de produção e tecnológico no campo[17].
 
A autonomia relativa do campesinato perante o capital é parte de uma estratégia, quiçá de um projeto popular, que negue o capitalismo e o capital na sua totalidade. É com base nessa proposição que eu considero como uma capitulação político-ideológica e autonegação histórica das possibilidades de autonomia relativa do campesinato em relação ao capital quando a denominada 'agricultura familiar' incorpora a lógica do capital e com ele se articula através de contrato de produção, de adoção do modelo de produção e tecnológico dominante, do arrendamento de parte ou da totalidade da sua terra pelo capital ou pela introdução na unidade de produção 'camponesa' da relação social de produção de assalariamento. Essa 'identidade' da agricultura familiar neoliberal com o capital, inclusive estimulada pelas políticas públicas e pelo fisiologismo de parte considerável dos movimentos e organizações sociais e sindicais no campo, facilita a subalternidade da economia camponesa ao capital, inclusive propiciando a sua desagregação como classe social.  
 
5. Campesinato: classe social em construção
 
Em artigo meu de dezembro de 2009 denominado "Uma resignificação para a reforma agrária no Brasil"[18] eu incorporei ao meu referencial para a compreensão da autonomia relativa do campesinato contemporâneo perante o capital a expressão 'reapropriação social da natureza'[19], esta compreendida como um processo político-ideológico de negação da 'apropriação privada da natureza pelo capital'. Considerei da maior importância a utilização do conceito de território como uma unidade geopolítica de controle e de poder. Com isso desejo afirmar que os 'territórios camponeses', assim como aqueles dos quilombolas, dos extrativistas, dos povos originários (indígenas), tanto como aqueles territórios de preservação pelo interesse comum como as de recursos naturais renováveis (parques florestais, estações ecológicas, áreas de preservação permanente, manguezais, babaçuais...), o litoral, as bacias hidrográficas, os lagos e sua área de influência, entre tantos outros, deveriam constituir objeto de disputa política das classes populares em relação à tendência de apropriação privada da natureza pelo capital, como consequência não apenas da acumulação via espoliação[20], mas da expansão do capital no processo da sua reprodução ampliada.
 
A proposição da reapropriação social da natureza deveria se constituir num projeto social estratégico onde se somariam, numa série de alianças políticas, as diversas frações do campesinato, nele compreendidos os quilombolas, os extrativistas, os povos indígenas camponeizados, os assentados da reforma agrária, os pescadores artesanais com terra, entre tantos outros na sua ampla diversidade, assim como os atingidos por barragens e por grandes obras púbicas, as diversas iniciativas das lutas ambientalistas contra a concentração e centralização da terra rural pelas grandes empresas capitalistas. É nesse contexto de disputas pela terra que o campesinato poderia vir a se constituir em classe social, em sujeito social portador de uma concepção de mundo e de um projeto social para o campo no país. Nessa perspectiva a busca da 'emancipação das multiterritorialidades' --- na oportuna abordagem de Carlos Walter Porto-Gonçalves, é historicamente possível pela combinação política estratégica da resistência social dos camponeses contra a usurpação de suas terras pelo capital com a negação do modo de produção capitalista, num processo amplo de concertação de ações entre as lutas de resistência social dos camponeses, as lutas ambientalistas e as dos povos indígenas em defesa da etnobiodiversidade no âmbito da luta mais geral de reapropriação social da natureza contra a apropriação privada da natureza pelo capital.
 
6. Mudanças e obstáculos
 
O campesinato, como classe social em construção, deveria ter como objetivo estratégico econômico alcançar a sua autonomia relativa perante o capital, e como objetivo político-ideológico a afirmação de uma racionalidade camponesa contrária e negadora da lógica do capital. Esses objetivos estratégicos seriam consequência de uma postura política que ensejaria enfrentar a complexa correlação de forças entre o campesinato e a burguesia agrária, classes essas que tem entre si interesses antagônicos, configurando uma contradição principal no campo que se expressaria na luta pela terra rural no âmbito mais geral da reapropriação social da natureza pelos camponeses contra a apropriação privada da natureza pelo capital. Esses objetivos seriam possíveis de serem alcançados desde que mudanças objetivas e subjetivas se verificassem não apenas no seio do campesinato como no das organizações e movimentos sociais e sindicais camponeses.
 
Sem dúvida alguma que essas mudanças (ou similares) necessitariam ser consideradas como relevantes pelos movimentos e organizações sociais e sindicais camponeses, ao contrário do que hoje se verifica. As dificuldades que a maioria desses movimentos e organizações sociais e sindicais camponeses e de trabalhadores rurais denotam para avançar além da reivindicação e do protesto nos convida a sugerir que estamos além de um descenso dos movimentos de massa no campo, e mais próximos de uma prática política de conciliação de classes no campo.
 
Em artigo meu de 2002, intitulado "Comunidade de resistência e de superação"[21], eu havia sugerido que três tipos de mudanças no processo de reprodução social do campesinato seriam necessárias e indispensáveis para se desencadear o processo da construção do campesinato como classe social, mesmo considerando a ampla diversidade de situações em que os camponeses se encontram e se reproduzem socialmente. Essas mudanças procurariam integrar ações de âmbito interno à unidade de produção camponesa ao mesmo tempo em que mudariam drasticamente suas relações com o ambiente, no caso os mercados, as políticas públicas, as relações com as empresas capitalistas do agronegócio e a ideologia dominante. Elas constituiriam, no seu conjunto, um modelo de iniciativas para se efetuar a transição entre uma situação na qual um camponês se encontraria submetido à exploração e à subalternidade pelas empresas capitalistas e um cenário desejável para seu modo de produzir e de consumir que lhe afirmaria parte de seus valores tradicionais ao mesmo tempo em que lhe proporcionaria condições para um salto de qualidade e de atualização (uma modernidade popular) no seu jeito de ser camponês contemporâneo.
 
Essas mudanças seriam: a) na matriz de consumo alimentar pela reincorporação da prática camponesa de produção dos alimentos para o autoconsumo e para o mercado e o resgate da dieta alimentar familiar a partir da produção interna, contrariando a tendência contemporânea dos camponeses de adquirirem nos supermercados alimentos de origem industrial; b) na matriz e prática da produção ao romperem com a ideologia da artificialização da agricultura (insumos de origem industrial e as sementes transgênicas) imposta pelo agronegócio, e adotarem os princípios gerais da agroecologia como base de um modelo de produção e tecnológico próprio para a unidade de produção camponesa; c) na matriz cultural e de concepção de mundo ao superarem pela conscientização das causas da exploração e da subalternidade a que estão submetidos pelo capital e se posicionarem pela adoção gradativa de novas práticas econômicas que lhes permita vislumbrar os caminhos para a autonomia relativa perante o capital e para a afirmação da racionalidade camponesa. As mudanças nessas três dimensões resultariam --- como já se comprovou empiricamente, em novos comportamentos no ambiente familiar que proporcionariam, simultaneamente, a descoberta de caminhos para a melhoria da qualidade de vida camponesa ao mesmo tempo em que construiriam a autonomia relativa camponesa pela negação da racionalidade capitalista. Nessa transição provocada pelas mudanças sugeridas os camponeses agiriam como classe social e enfrentariam na prática a expansão do agronegócio burguês no campo.
 
Minha sugestão é de que essas mudanças ocorressem de maneira sincrônica devido à interrelação entre elas quando adotadas na prática da gestão familiar da unidade de produção e de vida camponesas. Ainda que inter-relacionadas essas mudanças deveriam se dar em gradações diferenciadas dependendo de cada contexto sócio-político e cultural em que as famílias camponesas se encontrassem. Para que essas mudanças tenham inicio e possam romper com a inércia provocada pela subalternidade camponesa à ideologia capitalista, dois obstáculos preliminares necessitariam ser superados.
 
O primeiro obstáculo a ser superado por parte dos camponeses se refere ao engodo central do discurso dominante quando este afirma que somente a incorporação da lógica capitalista pelos camponeses pode criar condições internas à unidade de produção camponesa para que ela possa obter aumentos na renda líquida familiar. Essas idéias são veiculadas pelas empresas capitalistas do agronegócio, pelos programas governamentais, pelos meios de comunicação de massa e, lamentavelmente, por amplas parcelas dos movimentos e organizações sociais e sindicais camponesas. Ela é complementada pela proposta de adoção do modelo de produção e tecnológico dominante e de introdução da relação social de assalariamento na unidade de produção camponesa. Ora, se os camponeses trilharem o caminho da lógica capitalista, assumindo-se como pequenos burgueses rurais, eles enfrentariam um novo desafio que lhe seria imposto pelo modelo adotado: o de estabelecer relações comerciais e técnicas com as grandes empresas capitalistas do agronegócio e, por conseguinte, se submeterem de maneira consentida à exploração econômica e à subalternidade ideológica exercida pelo agronegócio. Negar-se-ia assim a possibilidade efetiva de se afirmar a autonomia relativa do campesinato perante o capital e de se fortalecer a presença da lógica camponesa no país.
 
O segundo obstáculo a ser superado relacionar-se-ia com a abdicação político-ideológica da maior parte dos movimentos e organizações sociais e sindicais camponesas de assumirem um projeto social para o campo no Brasil, distinto do projeto dominante. Ao aceitarem, quem sabe pela passividade consentida, a reprodução político-ideológica da concepção de mundo dominante eles retiram do universo camponês qualquer hipótese política de um outro caminho a ser trilhado que não seja a lógica capitalista. Fazem eco ao pensamento único liberal e se acomodam nas mesmices da reivindicação e do protesto em torno das políticas públicas governamentais. Permanecem nos limites da ordem político-ideológica estabelecida e, nela, amortecem o ímpeto histórico dos camponeses pelas lutas de libertação em relação a qualquer tipo de opressão que se exerça sobre eles, mais ainda se terra camponesa está ameaçada pela expansão do capitalismo no campo. A crise de identidade social do campesinato[22] já o coloca em situação de fragilidade ideológica. E essa fragilidade assume caráter político e de classe quando os movimentos e organizações sociais e sindicais camponesas se convertem em porta de entrada para o aconchego alienado da dependência ao capital.
 
7. A força do campesinato
 
É sempre necessário e oportuno um repensar crítico sobre a totalidade da formação econômica e social brasileira que contribua para o amplo debate, no âmbito da esquerda do país, sobre a construção de novos paradigmas que superem o modo capitalista de produção e os imperialismos daí decorrentes. E nesse contexto, supostamente, caberia aos movimentos e organizações sociais e sindicais camponesas e do proletariado rural oferecer propostas de caminhos para uma nova organização social no campo. No entanto, o que se percebe, é uma debilidade na construção de um referencial estratégico que além de negar o modo de produção capitalista no campo (e na cidade) possa contribuir para a consolidação do campesinato como classe e como sujeito social.
 
Tem havido, por vezes de maneira esparsa, resistências no interior das posições políticas de esquerda no país em apresentar explicitamente novas formas de organização social no campo baseadas no campesinato, apesar das lutas históricas no país a favor da reforma agrária. Tudo levaria a crer que não poderia haver dúvida alguma na esquerda brasileira com relação à disposição para a luta social do campesinato, ainda que haja reticências políticas e ideológicas na aceitação de que ele possa se afirmar como sujeito histórico e, mesmo, como classe social. Como decorrência, perdura a dúvida sobre as possibilidades efetivas da afirmação da autonomia relativa do campesinato contemporâneo, assim como em reconhecer a presença de uma lógica camponesa além e contrária à capitalista. A hipótese de que a ampliação do capitalismo no campo seria a via mais aconselhável para se criar as condições de mudanças estruturais a partir do proletariado rural continua presente na concepção de mundo de amplas parcelas da esquerda brasileira[23] e obstaculiza a afirmação do campesinato como sujeito social anti-capitalista. É minha sugestão, entretanto, que quanto mais capitalismo no campo, e quanto mais as empresas capitalistas se apropriam privadamente da natureza, menores são as possibilidades efetivas de uma superação do modo capitalista de produção. A dinâmica da realidade brasileira já evidenciou que no campo o se ter mais capitalismo não significa necessariamente mais proletariado rural.
 
O campesinato no Brasil contemporâneo pós 1980 tem se constituído na força política mais consistente de luta efetiva de resistência social contra o capitalismo, ao lado das mobilizações e denúncias efetuadas pelas organizações e movimentos ambientalistas contra a degradação da biodiversidade. E em todo o mundo são centenas de milhões de famílias que estão mobilizadas nesses processos de lutas, mesmo que ainda predomine a lógica da resistência social contra a exploração efetuada pelas grandes empresas capitalistas e contra a capitulação da maior parte dos governos nacionais em todo o mundo a favor do capital. A defesa da terra e dos territórios camponeses está entre as principais causas dos conflitos sociais no campo no Brasil[24] e direta e indiretamente denunciam que o projeto histórico das grandes empresas capitalistas objetiva a desagregação do campesinato e dos povos indígenas no processo de apropriação privada da natureza pelo capital. Nesse contexto histórico reveste-se da maior importância política para o Brasil, e para os demais paises do mundo, a mobilização e disposição do campesinato para a luta social contra o capital.
 
A negação do modelo de produção e tecnológico dominante no campo pelo campesinato e pelas iniciativas ambientalistas proporciona condições político-ideológicas mais gerais, com o apoio sempre presente do proletariado, para a denúncia sistemática de que a concepção de mundo hoje hegemônica não é a única alternativa possível. Esta concepção hegemônica é reforçada pelas políticas públicas dos governos e pela legitimação que consegue obter nas mais distintas esferas do Estado, mesmo à revelia das denúncias e protestos populares contra a concentração da renda e da riqueza no país, assim como contra a impunidade das arbitrariedades praticadas por ampla parcela dos grandes empresários da burguesia agrária contra a soberania nacional, os direitos dos trabalhadores, a preservação do meio ambiente e pela violação de um sem número de dimensões da vida no país e no planeta.
 
Há sim uma crescente degradação da etnobiodiversidade no país por mais intenso que seja o discurso ufanista dos defensores da ordem estabelecida, concorrendo para que as novas formas de colonialismo se reproduzam em nome da modernidade liberal burguesa e da globalização[25], ambas necessárias e indispensáveis, do ponto de vista das classes dominantes, para a superação das crises cíclicas e endêmicas do capitalismo. Mantida a hegemonia capitalista, o rumo da formação econômica e social brasileira, em particular no campo, será sempre de mais e mais degradação ambiental, de concentração e centralização da renda e da riqueza e de exploração da força de trabalho, nas mais distintas formas em que esta se apresente conjunturalmente. O campo brasileiro, que deveria ser sinônimo de afirmação constante da biodiversidade e de respeito à vida, vai se tornando um campo de batalha onde as forças do capital se consagram às práticas da destruição da vida em nome do lucro; e criminalizam os movimentos e organizações sociais e sindicais que mantém e ampliam a resistência social contra a expansão capitalista no campo. Negam e tripudiam os movimentos ambientalistas que colocam a defesa e a reprodução da vida na sua biodiversidade como essencial para um mundo em libertação. Reeditam novas formas de colonialismo de opressão.
 
Os camponeses no Brasil têm sido tratados pelas classes dominantes como 'seres descartáveis', como de utilidade efêmera, enquanto isso convier aos seus interesses do lucro e da acumulação. "(...) uma vez que ninguém pode sem crime espoliar seu semelhante, escravizá-lo ou matá-lo, eles (os colonizadores – HMC) dão por assente que o colonizado não é semelhante ao homem... a ordem é rebaixar os habitantes do território anexado ao nível do macaco superior para justificar que o colono os trate como bestas de carga. A violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens subjugados; procura desumanizá-los. Nada deve ser poupado para liquidar as suas tradições, para substituir a língua deles pela nossa, para destruir a sua cultura sem lhes dar a nossa; é preciso embrutecê-los pela fadiga Desnutridos, enfermos, se ainda resistem, o medo concluir o trabalho; assestam-se os fuzis sobre o camponês; vêm civis que se instalam na terra e o obrigam a cultivá-la para eles. Se resistem, os soldados atiram, é um homem morto; se cede, degrada-se, não é mais um homem; a vergonha e o temor vão fender-lhe o caráter, desintegrar-lhe a personalidade... " (Jean-Paul Sartre, 1961) [26].
 
O campesinato e os trabalhadores rurais sem terra, ao lado dos ambientalistas, constituem na atualidade o conjunto de forças mais mobilizadas e atuantes contra o projeto de apropriação privada da natureza pelo capital. E o conflito pela terra, estando no centro das contradições de classe no campo, demanda um projeto social estratégico que dê unidade e sentido nas lutas sociais e ambientalistas no campo.
 
(Curitiba, abril de 2010)
 
- Horacio Martins de Carvalho es ingeniero agrónomo, consultor técnico autónomo y asesor de movimientos y organizaciones sociales populares en el campo.


[1] Conforme Costa, Francisco de Assis (2000). Formação agropecuária da Amazônia: os desafios do desenvolvimento sustentável, cap. 4,  seção 3.1. Belém, NAEA.
[2]Consultar Ploeg, Jan Douwe van der (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre, Editora UFRGS. p. 64 e ss.
[3]Consultar Casado, Gloria I., Guzmán, Molina, Gonzalez, Manuel e Guzmán, Eduardo Sevilla (Coord.) (2000). Introduccion a la agroecologia como desarrollo rural sostenible. Madrid, Ediciones Mundi-Prensa.
[4]Como historicamente determina a expansão do capital objetivando tornar a produção agropecuária e florestal num ramo da indústria.
[5] Consultar Santilli, Juliana (2009). Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores. São Paulo, Peirópolis.
[6]  A expansão mundial das iniciativas capitalistas para a ocupação das terras agricultáveis disponíveis no mundo, assim como aquelas de interesse comum, tanto nacionais como internacionais, como os territórios dos biomas sob preservação ambiental, as terras dos povos indígenas, os litorais, as águas doces, outras reservas da biodiversidade, entre tantas, pressupõe a desagregação e eliminação dos camponeses e povos originários em todo o mundo. É exemplo a ocupação e degradação dos Cerrados, da Mata Atlântica, da Amazônia, do Pantanal, dos rios e lagos, dos lençóis aqüíferos e do litoral brasileiro pelos capitalistas de todo o mundo, com a conivência dos governos do Brasil.
[7]   Incorporo as organizações sindicais de trabalhadores rurais e de pequenos agricultores devido ao fato de que há muitos e diversos sindicatos de trabalhadores rurais que vão além da sua tarefa básica que é a reivindicação e o protesto corporativos, portanto, no limite atuando com caráter reformista. Isto não quer dizer que suas ações não sejam necessárias e indispensáveis para a motivação e mobilização dos camponeses para posicionamentos de classes.
[8]  Na conceituação dominante de 'agricultura familiar' está implícito como critério de gestão, em função da concepção de mundo dominante, que a introdução das relações sociais de assalariamento na unidade de produção camponesa é uma exigência objetiva para o aumento da produção e da produtividade, tendo em vista que aceitam como pertinente o modelo de produção e tecnológico da empresa capitalista. A reprodução dessa ideologia é aceita por amplas parcelas dos movimentos e organizações sociais e sindicais de trabalhadores rurais e de pequenos agricultores.
[9]  A unidade de produção camponesa contemporânea ao adotar o modelo de produção e tecnológico dominantes aceita, conscientemente ou não, que as empresas capitalistas do agronegócio determinem a forma como se darão os processos de trabalho da unidade camponesa, retirando, assim, uma das varáveis fundamentais da conceituação de camponeses que é a família como centro de decisão da alocação do trabalho e do resultado dessa alocação (ver item 1, anterior).
[10]Consultar, sobre as controvérsias relativas e esse tema a Abramovay, Ricardo (2007). Paradigmas do capitalismo agrário em questão, 3ª ed. São Paulo, EDUSP.
[11]  A diversidade de formas e de inserções dos camponeses no Brasil não é obstáculo para a formação de classe do campesinato, desde que alguns referenciais como a autonomia relativa do campesinato perante o capital e a presença do trabalho exclusivamente familiar permeie as ações táticas a partir de estratégias de ação que neguem o modo de produção capitalista no âmbito das concepções orgânicas dos movimentos e organizações sociais camponesas.
[12] Além da expansão do capital sobre as terras da fronteira agrícola e das áreas do bem comum.
[13]  Contraditoriamente porque tem propiciado a resistência social camponesa e as tentativas de afirmação da racionalidade camponesa contra a lógica do capital.
[14]  O processo de cooperação é fundamental e, mesmo, indispensável para que seja obtida maior escala na oferta de produtos e insumos, inclusive pela agroindústria popular. Essa cooperação poderá se revestir de diferentes formas, mas todas elas ou dentro da classe camponesa (mesmo em construção) ou em interação com as diferentes frações do proletariado, rural e urbano.
[15]Conforme supõe o conceito neoliberal de agricultura familiar hoje dominante nas políticas públicas e aceito pela maior parte dos movimentos e organizações sociais e sindicais camponesas.
[16]É a partir dos princípios gerais da agroecologia e da agricultura orgânica, entre outras abordagens ecológicas de ação antrópica, que se buscará o aumento da produtividade dos solos.
[17]Esta assertiva, ainda que limitada ao campo, não se completa nela mesma. Sem dúvida alguma que a superação do modo de produção capitalista e da sua superestrutura deveria ser uma proposta estratégica das classes populares. Entretanto, eu suponho que a resistência social camponesa está em condições efetivas de afirmar um outro modo de produção e tecnológico no campo antes mesmo do que a socialização do poder pelo proletariado nas fábricas e nas empresas do setor terciário. Isso, evidentemente, sempre que portadora de um projeto social camponês como o aqui sugerido e dada presença de possibilidades históricas concretas.
[18]Carvalho, Horacio Martins (2009). Um resignificação para a reforma agrária no Brasil. Curitiba, mimeo (arquivo em circulação), 8 p.
[19]  Expressão por mim adotada a partir de sugestão do prof. Carlos Walter Porto-Gonçalves.
[20]Conforme Harvey, David (2005). O novo imperialismo. São Paulo, Edições Loyola, 2ª ed , cap. 4 (p. 115 -148).
[21]VerCarvalho, Horacio Martins (2002). Comunidade de resistência e superação. Curitiba, fevereiro, mimeo, 30 p. (publicado em diversos sites).
[22]Ver Carvalho, Horacio Martins (2000). A crise de identidade dos pequenos produtores rurais familiares: possibilidades de superação. Curitiba, setembro, mimeo, 5 p. (publicado em diversos sites).
[23]Consultar Stédile, João Pedro (org.) (2005). A questão agrária no Brasil. São Paulo, Expressão popular, volumes 1, 2 e 3.
[24]Comissão Pastoral da Terra – CPT (2010). Conflitos no campo Brasil, 2009. Goiânia, 25º edição.
[25]VerKlein, Naomi (2008). A doutrina do choque. A ascensão do capitalismo do desastre. Rio de janeiro, Nova Fronteira; Mészáros, István (2006). Para além do capital. Rumo a uma teoria da transição. São Paulo, Boitempo Editorial.
[26]Sartre, Jean-Paul (1961), in Prefácio a Fanon, Frantz (1968). Os condenados da terra. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, pp. 1-21.
https://www.alainet.org/es/node/140690
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