La Embajada: Honduras 2009 não é o Haiti de 1992

05/07/2009
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A

Embora a história do Brasil acuse a presença nefasta de ações contra a democracia perpetrada pelos Estados Unidos, nem de longe a expressão La Embajada tem para nós o mesmo sentido que em outros países latino-americanos. No mundo andino e, sobretudo centro-americano e caribenho a expressão é sinônima do poder que, em última instância, decide. Desde a Doutrina Monroe (1823) que o caráter imperial dos EEUU se desdobrava na América atualizando as piores tradições imperiais européias, que remontam ao Império Romano (é só ver a arquitetura da Casa Branca) ungida pela idéia de Destino Manifesto denunciado, em 1826, por Simon Bolívar. Para aqueles que colocavam em dúvida a sagaz e imediata compreensão de Bolívar do papel dos Estados Unidos os eventos de 1845-1848, quando em guerra contra o México os Estados Unidos tomam o Novo México, a Califórnia e o Arizona e completam sua atual face geográfica coast to coast indo do Atlântico ao Pacífico. Desde então, o destino da América Central e do Caribe ficaria indelevelmente ligado às políticas do Pentágono e La Embajada se tornaria, de fato, base da rede de controle geopolítico da região. Desde então, a obsessão para criar um canal ligando o Atlântico ao Pacífico se torna parte estratégica do controle geopolítico por parte dos Estados Unidos e a Colômbia verá seu território amputado com a criação do Panamá, em 1903, um país criado para que os EEUU tivesse o controle do canal. Como parte dessa estratégia, os Estados Unidos intervieram abertamente contra a independência de Cuba por parte dos próprios cubanos, como tão bem observou José Martí, sendo que no Tratado de Paris, em 1898, em que a Espanha assinara o reconhecimento de sua derrota na grande ilha do Caribe e a independência de Cuba, não estava presente nenhum cubano, mas sim estadunidenses, franceses e espanhóis. Nesse mesmo ano, os Estados Unidos também tutelaram a independência de Porto Rico e, como o Império espanhol fizera desde a descoberta da América, também estabeleceu suas bases na Ásia, também tutelando a independência das Filipinas (terra de Filipe, rei de Espanha). Assim, controlar a América Central e o Caribe é, para os EEUU, razão de Estado não só enquanto área estratégica para a segurança do seu território, como também estratégico do ponto de vista do controle do comércio mundial, como já demonstrara a Espanha na primeira moderno-colonialidade iniciada em 1492.

O caráter estratégico dessa região era tal que até mesmo concessões de direitos trabalhistas e reforma agrária foram feitas em Porto Rico, medidas contra as quais os EEUU sempre colocaram apoiando as oligarquias latifundiárias que os apoiavam. A raison d´etat também se sobrepôs aos interesses econômicos imediatos no Japão do pós-guerra. O caso do Porto Rico é nesse aspecto emblemático posto que a reforma agrária foi imposta no país pelos EEUU inclusive contra os interesses da poderosa United Fruit Co.

Não se pode entender o que se passa hoje em Honduras sem consideramos esse pano de fundo. Desde os quentes anos da Guerra Fria que Honduras tem sido um lugar estratégico contra movimentos populares e democráticos na região, como na derrubada da “primavera democrática” guatemalteca (1944-1954), no combate à guerrilha salvadorenha, no apoio aos “contra” na Nicarágua sandinista e na frustrada tentativa de derrubada da revolução cubana com o episódio da Playa Girón.

Desde que os movimentos populares começaram a debilitar os governos que se submetiam às políticas do Consenso de Washington, é dizer, desde que o Exército venezuelano assassinou entre 1000 e 3000 pessoas em Caracas, em fevereiro de 1989, e que o Presidente Raul Alfonsín no mesmo ano se viu obrigado a renunciar diante das manifestações callejeras contra as medidas de ajuste que decretara, que o pêndulo político na região começou a tender para a esquerda e contra golpes de estado. A tentativa frustrada de golpe de estado de Hugo Chávez na Venezuela em 1992 e, sobretudo as lições por ele tirada daquele episódio, foi fundamental para a onda antineoliberal que emana das ruas e que ensejará que uma série de governos se eleja impulsionada por esses movimentos de fundo populares e anti-golpistas.

O primeiro desses governos seria exatamente o de Hugo Chávez, eleito em 1998, e que mudaria a correlação de forças na região, situação essa que hoje se faz sentir com a condenação unânime do golpe de estado contra o Presidente Zelaya, em Honduras. O mesmo já fora observado em 2002 quando a direita, com inegável apoio do governo e da imprensa dos EEUU, tentou um golpe contra o Presidente Chávez. À época, diga-se de passagem, foi importantíssima a iniciativa do governo brasileiro através do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O recente golpe contra o governo democrático de Honduras é um teste fundamental ao governo do Presidente Barak Obama, pois são notórias as ligações do Exército golpista hondurenho com a ultra-direita dos falcões estadunidenses que foi derrotada nas urnas nos EEUU junto com os neoconservadores do partido republicano.

É preciso estar atento para que não se repita agora em Honduras o mesmo que ocorreu no Haiti em 1992, desenho que parece estar se configurando. Á época, o padre ativista da Teologia da Libertação Jean-Baptiste Aristide havia sido eleito na primeira eleição democrática realizada no país depois da derrocada da ditadura sanguinária dos Duvallier. Á época, a direita colocou todos os obstáculos possíveis para que não fosse respeitada a vontade popular e o presidente eleito Jean-Baptiste Aristide pudesse levar a cabo as reformas de sua plataforma eleitoral vitoriosa e que fazia parte da sua historia de militância junto aos movimentos populares haitianos. Configurado o impasse ensejado pelos golpistas contra vontade popular, o Presidente eleito foi retirado do país e levado para os Estados Unidos onde teve que negociar as condições de sua posse que incluía a permanência à frente das forças armadas dos militares golpistas de ultra-direita. Os acontecimentos do Haiti depois disso são sobejamente conhecidos mostrando o que significa debilitar a vontade democrática, o que levaria à intervenção militar internacional no Haiti de 2003. É importante recuperarmos esse (mal)exemplo no Haiti de 1992 posto que se tratava de um governo democrata nos EEUU, ou seja, estava no poder o Sr. Bill Clinton, quem seqüestrou e armou as condições de retorno condicionado de Jean-Baptiste Aristide. Portanto, não se tratava de um republicano conservador ou neoconservador como seriam os anos Bush. Não, tratava-se de um governo democrata que não foi capaz de enfrentar a direita militar situação que, hoje, volta a se delinear no caso de Honduras. O estranho disso tudo é que mídia não se cansa de lembrar o golpe que Hugo Chávez intentara em 1992 e nunca se lembre do golpe de estado do democrata Bill Clinton contra o povo haitiano e o Sr. Jean-Baptiste Aristide. Se as esquerdas latinoamericanas parecem ter entendido a importância da radicalização democrática, o mesmo não parece ter ocorrido à direita e a região se vê no caso hondurenho, assim como se viu no caso venezuelano de 2002, diante de um momento de bifurcação: ou consolidação democrática ou retorno aos golpes de estado de tão triste memória para as maiorias empobrecidas.

E se alguma dúvida ainda pairava no ar, os dois casos recentes de tentativa de golpe de estado na América Latina deixam claro uma verdade profunda de nossa realidade, a saber: os golpes de estado que tanto caracterizaram o chamado Terceiro Mundo não são uma intervenção estadunidense. As intervenções dos EEUU são feitas a convite, como tão bem salientou David Harvey em seu O Novo Imperialismo. Resta saber se os EEUU que tanto apoio deu a esses convites anti-democráticos está ao nível das exigências de uma nova ordem mundial descolonizada onde justiça social e democracia sejam mais que retóricas. Não à toa a eleição de Barak Obama foi comemorada nas ruas tanto no Quênia como em Salvador (Bahia) e em Nova York. Se ele está ao nível dessas forças profundas de um outro mundo possível o futuro imediato dirá.

- Carlos Walter Porto-Gonçalves é Doutor em Geografia. Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense. Pesquisador do CNPq – Conselho nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Pesquisador do Grupo Hegemonia e Emancipações de Clacso. Ganhador do Prêmio Casa de las Américas 2008 de Literatura Brasileira. Ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000). Membro do Grupo de Assessores do Mestrado em Educação Ambiental da Universidade Autônoma da Cidade do México. Ganhador do Prêmio Chico Mendes em Ciência e Tecnologia em 2004. É colaborador de diversos movimentos sociais no Brasil entre eles o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e da Comissão Pastoral da Terra. É autor de diversos artigos e livros publicados em revistas científicas nacionais e internacionais, em que se destacam: - “Geo-grafías: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentablidad”, ed. Siglo XXI, México, 2001; “Amazônia, Amazônias”, ed. Contexto, São Paulo, 2001; “Geografando – nos varadouros do mundo”, edições Ibama, Brasília, 2004; “O desafio ambiental”, Ed. Record, Rio de Janeiro, 2004; “A globalização da natureza e a natureza da globalização”, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006 e El Desafio Ambiental, Ediciones PNUMA, México, 2006.

https://www.alainet.org/es/node/134813?language=es
Suscribirse a America Latina en Movimiento - RSS