Dinheiro na mão é vendaval
02/10/2008
- Opinión
Como diz o mestre Paulinho da Viola, dinheiro na mão é vendaval. Ou seja, não há nada mais frívolo, volátil, enganador e traiçoeiro do que o dinheiro, o vil metal, que compra tudo, até a consciência, até a alma, mas nunca a paz e a tranqüilidade.
O império americano, que parecia sólido como um rochedo, faz água por todos os lados. As bolsas despencam, os bancos quebram. A grande imprensa e os meios de comunicação mostram rostos desesperados, contorcidos, mãos levantadas no pregão, parecendo querer agarrar o trêfego e infiel dinheiro que escapa das mãos e ri daqueles que nele confiaram, às gargalhadas.
A crise repercute no mundo inteiro. As grandes potências se apavoram e fazem os mais sombrios prognósticos. A França de Sarkozy faz propostas, as nações asiáticas tentam, sem êxito, conter suas perdas, que vão em queda livre arrastando o sossego e a credibilidade das instituições e, sobretudo, das pessoas. E injetam mais dinheiro no sistema bancário, sem perceber que a fútil e leviana moeda gargalha deles e escapa cada vez mais ao controle. Na luta pela aprovação do pacote que apresentou ao Congresso, o presidente Bush esbugalha os olhos e morde os lábios na frente das câmeras de TV do mundo inteiro.
No Brasil, o presidente Lula declara que tudo vai muito bem, “como nunca antes na história deste país.” Embora prudentemente tenha advertido os ministros da área econômica que cuidem bem do crédito para o Natal. Será terrível se o consumidor não puder injetar as esperadas divisas no comércio, que se preparou faz tempo para celebrar a festa cristã da maneira mais pagã possível. Já basta o fato de que muitos talvez tenham que cancelar as férias na Disney por conta da alta do dólar.
Está certo Paulinho da Viola em sua sabedoria: “Dinheiro na mão é vendaval, é ilusão na vida de quem sonha, se engana e cai da cama com toda a ilusão que sonhou.” Os sonhos de grandeza e a empáfia dos Estados Unidos parecem ter virado pó. E, pedindo emprestado a expressão ao sambista, “viraram também solidão”; e – acrescentamos - desespero e agressividade de irmão que desconhece irmão e só pensa em salvar o capital que já não é.
Todos os esforços envidados são para salvar um sistema que já quebrou e vem desde longe dando sinais de sua falência e debilidade. E para isso está disposto a avançar no dinheiro dos cidadãos americanos tal como propôs o secretário do Tesouro Henry Paulson, fantasiado de Tio Sam, diante dos meios de comunicação. Também as grandes potencies, que se mobilizam timidamente quando acontece algum cataclisma que ceifa vidas humanas, estão tentando apoiar com energia uma solução para os EUA, porque sabem que se há algo que acontece no mundo do capital é uma solidariedade perversa, invertida. Quando tudo vai mal no Norte, a negatividade espirra pelos quatro pontos cardeais e afeta o mundo inteiro. Trata-se de uma solidariedade que no fundo não é mais que solidão em busca de salvar a própria pele e o próprio futuro.
Certo é que viver não é brincadeira não. Paulinho da Viola reconhece esta verdade. E todo mundo tem que se virar. Há coisas que se esquecem e não poderiam ser esquecidas. Há não mais de sete décadas, pouco tempo em termos históricos, a crise de 1929 enchia as ruas da próspera América de famintos e falidos, e os suicídios dos que perderam tudo que possuíam se sucediam. A impressão que se tem é de que a Grande Depressão apagou-se da memória do povo rico, cuja moeda comprava o mundo.
A falha da memória é compensada pelo choque do presente. Ocidente e Oriente olham inquietos para o grande irmão do Norte, que parece desorientado. O futuro mais próximo é uma mancha escura. E o mais remoto, ainda mais. Ninguém pode prever nem fazer planos. Se em 2001 os aviões suicidas que entraram pelas torres gêmeas do World Trade Center demonstraram que nenhum poder, nenhum sistema de segurança é inexpugnável, a atual crise mostra que dinheiro na mão é vendaval e só é solução de solidão, não de vida humana e plena.
- Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
O império americano, que parecia sólido como um rochedo, faz água por todos os lados. As bolsas despencam, os bancos quebram. A grande imprensa e os meios de comunicação mostram rostos desesperados, contorcidos, mãos levantadas no pregão, parecendo querer agarrar o trêfego e infiel dinheiro que escapa das mãos e ri daqueles que nele confiaram, às gargalhadas.
A crise repercute no mundo inteiro. As grandes potências se apavoram e fazem os mais sombrios prognósticos. A França de Sarkozy faz propostas, as nações asiáticas tentam, sem êxito, conter suas perdas, que vão em queda livre arrastando o sossego e a credibilidade das instituições e, sobretudo, das pessoas. E injetam mais dinheiro no sistema bancário, sem perceber que a fútil e leviana moeda gargalha deles e escapa cada vez mais ao controle. Na luta pela aprovação do pacote que apresentou ao Congresso, o presidente Bush esbugalha os olhos e morde os lábios na frente das câmeras de TV do mundo inteiro.
No Brasil, o presidente Lula declara que tudo vai muito bem, “como nunca antes na história deste país.” Embora prudentemente tenha advertido os ministros da área econômica que cuidem bem do crédito para o Natal. Será terrível se o consumidor não puder injetar as esperadas divisas no comércio, que se preparou faz tempo para celebrar a festa cristã da maneira mais pagã possível. Já basta o fato de que muitos talvez tenham que cancelar as férias na Disney por conta da alta do dólar.
Está certo Paulinho da Viola em sua sabedoria: “Dinheiro na mão é vendaval, é ilusão na vida de quem sonha, se engana e cai da cama com toda a ilusão que sonhou.” Os sonhos de grandeza e a empáfia dos Estados Unidos parecem ter virado pó. E, pedindo emprestado a expressão ao sambista, “viraram também solidão”; e – acrescentamos - desespero e agressividade de irmão que desconhece irmão e só pensa em salvar o capital que já não é.
Todos os esforços envidados são para salvar um sistema que já quebrou e vem desde longe dando sinais de sua falência e debilidade. E para isso está disposto a avançar no dinheiro dos cidadãos americanos tal como propôs o secretário do Tesouro Henry Paulson, fantasiado de Tio Sam, diante dos meios de comunicação. Também as grandes potencies, que se mobilizam timidamente quando acontece algum cataclisma que ceifa vidas humanas, estão tentando apoiar com energia uma solução para os EUA, porque sabem que se há algo que acontece no mundo do capital é uma solidariedade perversa, invertida. Quando tudo vai mal no Norte, a negatividade espirra pelos quatro pontos cardeais e afeta o mundo inteiro. Trata-se de uma solidariedade que no fundo não é mais que solidão em busca de salvar a própria pele e o próprio futuro.
Certo é que viver não é brincadeira não. Paulinho da Viola reconhece esta verdade. E todo mundo tem que se virar. Há coisas que se esquecem e não poderiam ser esquecidas. Há não mais de sete décadas, pouco tempo em termos históricos, a crise de 1929 enchia as ruas da próspera América de famintos e falidos, e os suicídios dos que perderam tudo que possuíam se sucediam. A impressão que se tem é de que a Grande Depressão apagou-se da memória do povo rico, cuja moeda comprava o mundo.
A falha da memória é compensada pelo choque do presente. Ocidente e Oriente olham inquietos para o grande irmão do Norte, que parece desorientado. O futuro mais próximo é uma mancha escura. E o mais remoto, ainda mais. Ninguém pode prever nem fazer planos. Se em 2001 os aviões suicidas que entraram pelas torres gêmeas do World Trade Center demonstraram que nenhum poder, nenhum sistema de segurança é inexpugnável, a atual crise mostra que dinheiro na mão é vendaval e só é solução de solidão, não de vida humana e plena.
- Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/es/node/130169
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