A busca pelo controle da economia
- Opinión
Governo de Evo Morales propõe aliança entre Estado e pequenos produtores para garantir a predominância sobre os rumos econômicos do país; no entanto, para analistas, iniciativa não será suficiente para romper com o neoliberalismo
Apresentado pelo vice-presidente boliviano, Álvaro García Linera, no dia 8, o plano tem como meta garantir a predominância do Estado, em aliança com pequenos e médios produtores, na condução da economia.
Segundo o governo, o modelo estará baseado em cinco pilares: a expansão do controle estatal sobre a economia; a industrialização dos recursos naturais; a modernização e tecnificação dos pequenos e médios produtores; a prioridade ao mercado interno, com a exportação do excedente; e a distribuição da riqueza.
“É uma tentativa de pôr em prática o que já está no PND [Plano Nacional de Desenvolvimento, lançado em 2006] e legalizar o que propõe a nova Constituição. Ou seja, a existência de uma economia plural, que incluiria setores que antes não eram considerados adequadamente na economia nacional, como as pequenas e médias empresas. Segmentos que vem sobrevivendo ao grande desemprego que se produz no sistema neoliberal”, analisa o economista Abraham Pérez, do Instituto de Investigações Econômicas (IIE) da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), de La Paz.
Segundo ele, a prioridade no modelo anterior era o exportador, principalmente da agroindústria do oriente do país. A produção era fortemente subvencionada e as divisas geradas eram destinadas ao pagamento da dívida externa.
Tal realidade criou uma estrutura oligopólica, que gerou, recentemente, problemas para o país, com o desabastecimento alimentício do mercado interno e a alta de preços. “O novo modelo tenta, em termos teóricos, romper com isso. E recupera o pensamento de Adam Smith. Ele não propôs livre mercado, e sim a concorrência. Foi um forte lutador contra o monopólio. Para que o consumidor seja beneficiado, com preços não tão altos”.
Nesse sentido, as pequenas empresas teriam condições mais vantajosas de acesso ao mercado e teriam a “missão” de produzir alimentos para consumo interno. O governo boliviano quer, portanto, “comprometê-las a assumir o desenvolvimento do país”, resume Pérez.
Nos últimos meses, o governo boliviano tomou medidas nessa direção, como as compras das ações de empresas do setor de hidrocarbonetos (na área de exploração, logística e transporte) e de telecomunicações (a empresa Entel, antes controlada pela italiana Telecom).
Recentemente, criou um ministério que terá a missão de defender as nacionalizações em processos de arbitragens conduzidos pelas empresas estrangeiras. “O governo está recuperando, no campo político, o sentido da soberania, e no campo econômico, o sentido estratégico”, opina o economista do IIE.
“O estrangeiro é bem vindo acoplando-se ao modelo, pagando impostos. A partir de agora, a Bolívia maneja tudo, não mais os estrangeiros”, disse. Mesmo assim, garantiu que a grande empresa privada será parte do novo plano, que não seria excludente.
Para alavancar a execução do modelo, o Executivo prevê investir, até o final de 2008, mais de 1,6 bilhão de dólares, e espera ingressos de 5 bilhões de dólares provenientes dos hidrocarbonetos e da mineração.
No setor energético, o governo trabalhará para fortalecer a YPFB (a estatal de petróleo e gás); investigará e explorará mega-campos de hidrocarbonetos; construirá uma planta de produção de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e uma de fertilizantes; e injetará 450 milhões de dólares em uma planta separadora de gás.
Além disso, o Estado destinará 206 milhões de dólares, em 2008, para garantir a soberania alimentar na Bolívia. O governo implantará, por exemplo, fábricas de leite e cítricos, além de dois engenhos de açúcar.
Está prevista, também, a potencialização da Empresa de Apoio à Produção de Alimentos (Emapa) – estatal criada pelo governo Evo – para garantir créditos à produção de arroz, trigo, milho e soja, voltados para o mercado interno. De acordo com Linera, o empréstimo será pago com a produção.
No setor da mineração, o governo boliviano já emitiu um decreto subindo o imposto às empresas privadas de 32% a 55% dos lucros, o que fará com que o Estado receba, adicionalmente, pelo menos 136 milhões de dólares.
O ápice dessa política se deu na primeira gestão presidencial de Gonzalo Sánchez de Lozada (1993-1997), quando empresas estatais foram privatizadas e corporações estrangeiras passaram a atuar no país, com a contrapartida de realizarem grandes inversões, promessa que, de acordo com o governo Evo Morales, não se cumpriu.
No entanto, em entrevista coletiva à imprensa, a ministra de Planejamento do Desenvolvimento, Graciela Toro, afirmou que o decreto 21060 perdeu vigência desde o início da aplicação do PND. Os anúncios feitos por Álvaro García Linera reforçariam essa realidade.
No entanto, para os economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, uma ruptura mais contundente com o neoliberalismo ainda está longe. Na opinião de Javier Gómez Aguilar, economista do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (CEDLA), o novo modelo econômico proposto pelo governo insere-se na idéia de uma convivência harmônica entre pequena, média e grande empresa e a economia estatal.
“É uma opção política. Desde sua proposta eleitoral, e posteriormente com o PND, o governo propõe uma reforma por etapas. Propõe o capitalismo andino-amazônico, nos termos usados por Linera [Álvaro García Linera, vice-presidente]. Ele acredita que a pequena empresa, a estatal e a grande empresa podem conviver”, analisa.
Para Aguilar, “essa convivência não existe”, pois as grandes empresas capitalistas tendem a ser concentradoras e a possuírem um forte poder de decisão no comportamento dos mercados.
Segundo ele, esta situação intermediária entre economias estatais, mas com forte presença de decisão de empresas transnacionais, faz parte de um novo modelo que está se impondo na América Latina, que sucede a total liberação de mercados, mas que não rompe plenamente com o neoliberalismo.
“A presença exacerbada do capitalismo em nossos países, através das transnacionais, torna menos possível fazer o que se pôde fazer nos anos 1950, 1960, 1970. A ruptura teria que ser muito mais dramática e as condições políticas internas teriam que ser muito mais favoráveis do que está sendo atualmente para o governo Evo Morales”, analisa.
Além disso, para o Abraham Pérez, economista do Instituto de Investigações Econômicas (IIE) da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), de La Paz, o modelo neoliberal ainda estaria na “estrutura mental” de alguns membros do governo Evo e instituições do Estado boliviano, como o Banco Central e o Ministério da Fazenda.
Para piorar, “as estruturas legais e regulamentárias que neoliberalismo deixou seguem vigentes. Por exemplo, o Banco de Desenvolvimento Produtivo não pode fazer os créditos fluírem rapidamente, porque possui travas e está controlado pela Superintendência de Bancos e Entidades Financeiras, que não permite o trabalho. Ou seja, exigem garantias que os pequenos produtores não têm condições de cumprir”, lamenta. “Enquanto existirem essas travas, não romperemos com o modelo neoliberal”, alerta. (IO)
Capitalismo andino-amazônico: Proposto por Álvaro García Linera, vice-presidente boliviano, é um regime fundado nas potencialidades comunitárias, indígenas, camponesas e familiares da Bolívia, que se articulariam em torno de um projeto de desenvolvimento e modernização nacionais. Para Linera, seria uma etapa de transição a um sistema socialista.
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