Outra verdade inconveniente

A nova geografia política da energia numa perspectiva subalterna

11/02/2008
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Introdução

O ano de 2007 viu o aquecimento global aparecer na grande mídia não mais impulsionada pelos ambientalistas que vinham pautando essa questão nos últimos 40 anos.  Hollywood, inclusive, se rendeu a essa “verdade inconveniente” laureando com um Oscar o documentário do ex-Vice Presidente dos EUA, o Sr.  All Gore.  Até mesmo um analista como Ignacy Sachs chegou a afirmar na abertura de um seminário no Instituto de Altos Estudos da USP, que o aumento dos preços do petróleo havia feito pelo aquecimento global o que os ambientalistas não haviam conseguido fazer nos últimos 30 anos.  Esses dois fatos são boas pistas que podem nos ajudar a entender o que verdadeiramente está em curso: a apropriação de uma causa – o aquecimento global – por setores que até aqui se caracterizaram por desqualificar todos aqueles que denunciavam o problema.  Entre os recém convertidos à causa do aquecimento global estão, nada mais nada menos, o setor dos grandes produtores de petróleo e o dos grandes latifúndios empresariais de monoculturas que hegemonizam o mundo do agribusiness.  O que teria levado a essa mudança de posição?

Os Estados Unidos da América do Norte exerceu sua hegemonia no mundo por meio do domínio das fontes de energia fóssil, base de todo o complexo sistema tecnológico-industrial que tem no uso generalizado dos motores Otto e Diesel seu cerne.  Primeiro país do mundo a explorar comercialmente o petróleo, em 1859, exerceu, em aliança com outras potências imperialistas ou contra elas, nesses casos por meio de seu poderio militar, o controle de áreas estratégicas de jazidas de petróleo e carvão, o que lhe permitiu uma posição relativamente confortável[1].  A hegemonia estadunidense, sobretudo no após a 2ª.  Guerra conseguiu manter o petróleo barato, pelo menos até os anos 1970 quando se dá a primeira crise do petróleo impulsionada em grande parte pela onda de nacionalismos de variados matizes que cobriu a África, a Ásia, a América Latina e o Oriente Médio[2]. 

É a partir desse contexto que toda uma revolução nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia é posta em curso (Porto-Gonçalves, 2006) onde, cada vez mais se falará de novos materiais, de economia de uso dos recursos naturais, sobretudo os não-renováveis.  Grandes corporações (IBM, Remington-Rand, Fiat, Xérox, Ollivetti entre outras) à época chegaram a patrocinar um importante relatório “Os Limites do Crescimento”, também conhecido como Relatório Meadows do M.I.T.  - Massachusstes Institute of Technology - onde, pela primeira vez, se fala abertamente dos limites dos recursos naturais para o crescimento econômico (Porto-Gonçalves, 1983).  Já ali, um ecologismo empresarial começa a disputar espaço no interior do movimento ambientalista.

A história dos últimos 30/40 anos nos confirmou que capitalismo sem crescimento econômico é uma contradição nos termos e, por mais que políticas de racionalização de energia e de uso dos recursos naturais tenham conseguido algum sucesso, a demanda por recursos naturais continua aumentando exponencialmente[3].  Vivemos o paradoxo de ver a constituição do campo ambiental convivendo com os 30/40 anos em que mais se devastou o planeta, mesmo com toda a hight-tecnology que nos tem sido oferecida a la carte (Porto-Gonçalves, 2006).

A partir dos anos 1970, alguns países conseguiram avançar tecnologicamente na busca de fontes renováveis de energia, como é o caso do Brasil.  Todavia, a conditio qua non capitalista, com sua lógica balizada pelas taxas de lucro (e cada vez mais pelas taxas de juros), se colocou como o maior obstáculo para que uma verdadeira transição de matriz energética se generalizasse (retomaremos esse argumento adiante).  A derrota imposta aos projetos socialistas e nacionalistas conseguiu manter o petróleo barato até os finais dos anos 1990[4], o que tornava economicamente inviáveis, ainda que necessárias, outras alternativas energéticas.  Considere-se, que quando os preços do petróleo andavam pela casa dos US$ 25 o barril, como antes da segunda guerra contra o Iraque, avaliava-se que o custo militar para garantir esse suprimento equivalia a US$ 75 por barril! O 11 de setembro de 2001 exacerbou esse contexto geopolítico e expôs os limites do complexo corporativo técnico-científico-industrial-militar-midiático que tem como cerne o controle dos combustíveis fósseis[5]. 

Os eventos que se sucederam ao furacão Katrina, em 2005, não só contribuíram para assinalar o descaso da política estadunidense para com o aquecimento global como também para enfraquecer o bloco de poder que domina os EUA com fortes raízes no setor dos combustíveis fósseis e militar já colhendo os maus frutos de sua 2ª intervenção militar contra o Iraque.

Tudo indica que a derrota, sobretudo política, da intervenção militar no Iraque e no Afeganistão tenha cumprido um papel relevante nessa mudança de posição política, inclusive por suas implicações na recente (2006) derrota eleitoral dos republicanos nas eleições para o Congresso dos EUA.  Essa derrota política tem implicações até mesmo para a manutenção dos atuais contingentes militares nas praças de guerra na medida em que os elevados preços do petróleo, em grande parte causados pela própria intervenção militar, criaram uma brutal desproporção orçamentária de difícil negociação num congresso de maioria democrata.  Acrescente-se, ainda, a derrota do projeto Alca e as mobilizações em torno da reapropriação dos recursos naturais e contra as políticas neoliberais na América Latina, sobretudo após a vitória eleitoral de candidatos que, de maneira mais ou menos intensa, deram curso a essas mobilizações[6], como Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, Nestor Kirschner na Argentina, em 2002, Evo Morales Ayma na Bolívia, em 2005, e Rafael Correa no Equador, em 2006. 

Tal como nos anos 1970, quando os limites naturais foram invocados como “limites do crescimento” pelo Clube de Roma, vemos novamente a natureza sendo invocada para justificar políticas no melhor estilo de Il Gattopardo, de Lampedusa, com sua tese de que “p
ara que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude".  Assim, o aquecimento global vem ganhando um novo sentido, não mais pelas razões que o movimento ambientalista invocara, mas sim dos valores e princípios estratégicos dos recém convertidos de manter-se no centro das relações de poder[7].  A julgar pelo poder que esses protagonistas têm no quadro das relações sociais-e-de-poder do capitalismo contemporâneo são enormes as implicações dessa mudança política. 

Antes de tudo, é preciso ter em conta que estamos diante de um debate em torno da matriz energética, particularmente de mudanças nas fontes de energia.  E a energia, diga-se de passagem, não é uma matéria qualquer, mas sim uma matéria a partir da qual se transformam outras matérias.  Energia é a capacidade de realizar trabalho e o trabalho é a capacidade de transformar a matéria, ensinam-nos os físicos[8].  As implicações disso são enormes na medida em que são, ao mesmo tempo, políticas e epistêmicas.  Até aqui o fundamento filosófico antropocêntrico de tradição européia tem acentuado, à direita e à esquerda, o papel redentor da tecnologia como se o sistema técnico operasse num vazio material e por fora das relações sociais e de poder.  A desconsideração da dimensão energético-material da dinâmica econômica, que caracteriza o mainstrem da economia, se manifesta, hoje, no próprio aquecimento global como nos ensinam as leis da termodinâmica (entropia).  A redução da economia ao que Aristóteles chamou crematística, isto é, às relações de preços, fez com que se subsumisse o material ao simbólico, ao cifrão e, assim, se confundisse as coisas da lógica com a lógica das coisas.  O efeito estufa é o efeito do sucesso da matriz energética da Revolução (nas relações sociais e de poder) Industrial, saudada em prosa e verso como a afirmação do projeto civilizatório eurocêntrico que prometia emancipar a humanidade da natureza com a máquina a vapor.  Essa questão nos remete aos limites que essa mesma matriz epistêmica e política nos oferece.  E como os paradigmas não são instituições que caem dos céus, mas, ao contrário, são instituídos por sujeitos de carne e osso no terreno das lutas sociais, é disso que esse artigo trata, isto é, das lutas que estão em curso no seio das relações sociais e de poder contemporâneas por meio da tecnologia de energia.  Há uma nova geografia política sendo engendrada e aqui procuraremos desvendá-la à luz dos ensinamentos que nos trazem os grupos subalternos.

A Nova Configuração de um Velho Bloco de Poder

São graves as implicações da tese, repetida ad nauseam, que afirma que as transformações sociais, políticas e culturais em curso no mundo nas últimas três décadas são o efeito das transformações tecnológicas (comunicação, informática, nanotecnologia, novos materiais, biotecnologia, a ótica) sem se perguntar quem põe em movimento a revolução tecnológica que está em curso (Porto-Gonçalves, 2006).  Ou seja, a revolução tecnológica não se põe em movimento por si mesma, eis os limites deste fetichismo da tecnologia que vê relações entre coisas onde há relações entre grupos, pessoas e classes sociais.  Enfim, o que está em curso não é somente uma nova matriz energética ou uma “transição energética”, mas sim um rearranjo nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia. 

A análise para entender o que está em curso deve partir da identificação de quem está protagonizando essa “transição energética”.  Em 2006, foi constituída a AIE - Associação Interamericana de Etanol - tendo como seus dois principais dirigentes o Sr.  Roberto Rodrigues, então Ministro da Agricultura do Brasil, e o Sr.  Jeb Bush, ex-governador da Flórida e irmão do atual presidente dos USA[9].  Trata-se da conformação de uma aliança política, agora à escala global, do que já vinha sendo forjado no Brasil desde os anos de 1970 quando, a partir da crise do petróleo, o governo ditatorial brasileiro desencadeou um programa de grande envergadura de produção de combustível a partir de biomassa, o Proálcool.  Já à época, os velhos usineiros latifundiários com suas monoculturas de cana de açúcar, no poder a cinco séculos no Brasil, se transformaram nos grandes heróis nacionais por oferecerem uma alternativa de fonte energética à crise que se instalara com o aumento dos preços do petróleo[10]. 

Novamente estamos diante de uma importante revolução tecnológica que surge na periferia do sistema mundo[11] e, tal como a que se forjou à época colonial e que foi capaz de afirmar todo um bloco de poder que hegemonizou o mundo até o século XVIII, essa nova revolução tecnológica se ensaia como um rearranjo nas relações-sociais-e-de-poder-por-meio-da-tecnologia com o controle das novas fontes de energia.  Não é outro o sentido da Associação Interamericana de Etanol.  No Brasil, o Proálcool selou uma aliança estratégica entre os usineiros de açúcar, os gestores estatais, centros de pesquisa e a indústria automobilística.  Enfim, no tanque de gasolina estava selada uma aliança política entre dois grandes setores das classes dominantes que, por meio da tecnociência, e dos gestores estatais afirmavam sua ideologia moderno-colonizadora de cinco séculos.  Afinal, somos modernos há cinco séculos!

            As tecnociências, como nos ensina Pablo Gonzalez Casanova, adquirem um papel central na reprodução do capitalismo sob a hegemonia dos grandes complexos empresariais corporativos, sobretudo após a 2ª guerra mundial.  Pelas dimensões que vem adquirindo o capitalismo no Brasil, a questão científica e tecnológica também adquire enorme centralidade.  Nos anos setenta, coube aos militares[12] estabelecer um programa específico de investigação de outra fonte de energia, com o Proálcool, não por razões ecológicas, posto que, ao mesmo tempo, investiam num projeto nuclear brasileiro. 

            A centralidade que o Estado à época assumiu foi substituída, hoje, por uma nova reconfiguração do bloco de poder em que os maiores beneficiários empresariais do regime ditatorial ganham centralidade subordinando os gestores estatais, conforme veremos a seguir.  Registre-se que as ditaduras sob a tutela dos militares que cobriram a América Latina nas décadas de 1960 e de 1970 foram uma resposta à conjuntura revolucionária que seguiu à Revolução Cubana quando a questão agrária ganhara relevância pondo em xeque a estrutura de poder fundada no latifúndio[13].  As oligarquias latifundiárias souberam se mover politicamente nessa reconfiguração, inclusive afastando qualquer perspectiva de democratização da propriedade da terra, até mesmo aquelas que os EUA havia posto em prática como contraponto à Reforma Agrária, de que o Japão e Porto Rico são bons exemplos.  Ao contrário, as oligarquias latifundiárias sairão fortalecidas se associando àqueles que temendo a Revolução Vermelha, que propunha transformar a estrutura social, econômica e política, impuseram a Revolução Verde, de caráter técnico-científico.  Organismos multilaterais, como a FAO e o CGIAR – Consultative Group on International Agricultural Research – em associação com grupos empresariais, como o grupo Rockfeller, conformaram todo um complexo técnico-científico-industrial-financeiro-midiático envolvendo Estados onde as classes dominantes se engajavam na luta contra a Reforma Agrária em nome do desenvolvimento contra qualquer perspectiva transformadora.  A isso os cientistas políticos chamaram de “modernização conservadora”. 

O sociólogo Pablo González Casanova em seu livro As Novas Ciências e as Humanidades: Da Academia à Política nos chama a atenção para a complexidade que o capitalismo adquire no após-guerra onde no lugar dos grandes trustes e cartéis, com seus grandes monopólios especializados e setorializados (Thyssen, Krupp, Ford, etc...), passamos a ter grandes complexos corporativos técnico-científico-industrial-financeiro-militar-midiáticos multidimensionais[14].

Enfim, um novo bloco de poder vem se estruturando entre nós, sobretudo, desde os anos de 1960 e 1970, e, hoje, busca tirar proveito das próprias contradições apontadas criticamente pelos movimentos sociais, como o movimento ambientalista, incorporando uma retórica ambiental procurando, assim, emprestar legitimidade a uma nova matriz energética por meio da qual busca manter seu poder.  Diante do pioneirismo político e técnico que o Brasil tem na conformação dessa matriz energética a análise da constituição desse novo bloco de poder nos ajuda a entender o novo desenho técnico-político que está se engendrando, do que a Associação Interamericana de Etanol é a melhor expressão por suas implicações geopolíticas.  Vejamos. 

Assim como o que viria a ser conhecido como políticas neoliberais, foi sendo engendrado no terreno movediço das lutas sociais, tendo se iniciado com os chicago-boys assessorando a ditadura de Pinochet no Chile a partir de 1976[15], o mesmo pode ser observado na conformação do novo bloco de poder que, inspirado em Pablo González Casanova, chamo de Complexo de Poder Técnico-científico-industrial-financeiro-militar-midiático.  Desde os anos 1930 até os anos 1960, no Brasil, as oligarquias latifundiárias fizeram valer seus interesses político-econômicos por meio de instituições setorializadas, tais como o IAA - Instituto do Açúcar e do Álcool - e o IBC - Instituto Brasileiro do Café, por exemplo.  Um novo desenho começa a ganhar contornos desde os anos 1960 e, depois de muito ensaio e erro, ganha sistematicidade nos anos 1990 com a criação da ABAG - Associação Brasileira de Agribusiness.  Em torno de uma noção vaga e sem nenhuma consistência conceitual, como a de agronegócio, que engloba experiências e formações socioculturais tão diversas[16] que nenhum cientista social sério jamais ousaria colocá-las sob uma mesma rubrica, passa a se desenvolver uma nova forma de fazer política por parte dos grandes grupos empresariais tendo como fundamento a grande propriedade da terra concentrada e/ou subordinando pequenos produtores por meio da integração oligopsônica, ainda aqui estimulando a concentração da atividade com a eliminação de inúmeras propriedades[17]. 

A ABAG, agindo com outras instituições, terá um papel destacado na conformação do novo bloco de poder tendo nos agrocombustíveis um lugar estratégico, posto que articula um poderoso bloco de poder com a aliança de grupos industriais, financeiros, latifundiários, de intelectuais integrados e acríticos tanto nas universidades e centros de pesquisas como na mídia, daí Complexo de Poder Técnico-científico-industrial-financeiro-militar-midiático.  Numa consulta ao site da ABAG - http://www.abag.com.br/ - podemos encontrar entre as 58 entidades a ela associadas, as seguintes:

Empresas e associações do setor de indústrias de alimentação, nutrição animal, fertilizantes, biotecnologia e sementes: ADM do Brasil Ltda (Archer Daniels Midland Company), AGCO do Brasil, Agroceres Nutrição Animal Ltda, Agropalma S.A., Associação Brasileira da Batata – ABBA, Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação – ABIA, Associação Brasileira dos Criadores de Zebu – ABCZ, Associação da Indústria de Açúcar e Álcool – AIAA, Associação Nacional de Defesa Vegetal –ANDEF, Bunge Alimentos S.A, Bunge Fertilizantes S.A, Caramuru Alimentos S.A., Cargill Agrícola S.A, COCAMAR - Cooperativa Agroindustrial, Companhia de Tecidos Norte de Minas – COTEMINAS, Coopavel - Cooperativa Agroindustrial, Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano – COMIGO, Cooperativa Agropecuária de Araxá – CAPAL, Cooperativa Regional dos Cafeicultores de Guaxupé Ltda.  – COOXUPÉ, Du Pont do Brasil S.A.  - Divisão Pioneer Sementes, Federação das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul - Fecoagro/Fecotrigo, Goodyear do Brasil Produtos de Borracha Ltda, Maeda S.A.  – Agroindustrial, Malteria do Vale S.A., Pirelli Pneus S.A., Sadia S.A., Sindicato Nacional da Indústria de Defensivos Agrícolas – SINDAG, Syngenta, União da Indústria de Cana-de-Açúcar – ÚNICA, União dos Produtores de Bioenergia – UDOP, Usina Alto Alegre S/A.  - Açúcar e Álcool.

Empresas do setor de consultoria: Ceres Consultoria S/C.  Ltda., Price Water House Coopers, a Safras & Mercado e a MRS Logística S.A.

Empresas do Setor de jornalismo e comunicações: Agência Estado, Algar S.A.  Empreendimentos e Participações, Globo Comunicação e Participações S.A.  e Trademaq – Eventos e Publicações Ltda.

Empresas do Setor financeiro: Banco Cooperativo Sicredi S.A.  – BANSICREDI, Banco do Brasil S.A., Banco do Estado de São Paulo S.A.  – BANESPA, Banco Itaú, BBA S/A, Bolsa de Mercadorias e Futuros – BM&F.

Empresas do Setor químico: Basf S.A., Bayer S.A., Du Pont do Brasil S.A., Enovik Degussa Brasil Ltda., FMC Química do Brasil Ltda.  e a Monsanto do Brasil Ltda.

Empresas do setor de máquinas e implementos: John Deere Brasil S.A., Máquinas Agrícolas Jacto S.A., CNH Latin America Ltda - Divisão Agrícola – Case CE, Marchesan Implementos e Máquinas Agrícolas Tatu S.A.

Empresas gigantes do setor de mineração: Companhia Vale do Rio Doce e Petróleo Brasileiro S.A - Petrobrás. 

Instituições do setor de pesquisas, sobretudo estatais: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA e a Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz – FEALQ.

Assim, o complexo corporativo multidimensional de poder torna-se evidente envolvendo empresas do setor agrícola e industrial (de biotecnologia, máquinas e equipamentos, química, de extração mineral, inclusive de petróleo), empresas do setor financeiro, do setor de consultoria e instituições de investigação científica e tecnológica e empresas do setor de comunicações (rádio, jornal e tevês). 

Note-se, ainda, como esse bloco de poder se articula com alianças supranacionais envolvendo gigantes em que se destacam a Bunge, a Syngenta, a Monsanto, a Sadia, a Basf, a John Deere, a Bayer, a Du Pont, a Pirelli, a Price Water House Coopers, a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, a Goodyear e a ADM.  Sendo assim, não são os interesses nacionais que comandam as ações desse bloco de poder que, todavia, vem impulsionando a política dos estados por meio dessas organizações para-governamentais que conformam essas novas formas do fazer político.  A ABAG, juntamente com a ABEF - Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos - com a ABIEC - Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes e com a ÚNICA - União da Indústria de Cana-de-Açúcar são membros do Conselho Diretor do ICONE – Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais – instituição privada criada em 2003 “em resposta à necessidade de prover ao governo e ao setor privado estudos e pesquisas aplicadas em temas de comércio e política comercial, relacionados principalmente à área da agricultura e do agronegócio”, cuja missão é “entender a dinâmica global do agronegócio, da bioenergia e do comércio exterior por meio de pesquisa aplicada, contribuindo, assim, para aprofundar a inserção econômica do Brasil no mundo” (Conforme o site do ICONE (http://www.iconebrasil.org.br/pt)[18]. 

Como se vê, quatro entidades privadas ligadas a setores altamente oligopolizados, como o de carnes, o de frango, o de açúcar e o do álcool, sob a articulação da ABAG, fazem seus interesses específicos conduzirem a política externa do Brasil tendo feito, inclusive, um dos seus principais ideólogos, o Sr.  Roberto Rodrigues, ex-diretor da ABG, Ministro da Agricultura, além do Sr.  Luiz Furlan, ex-diretor da Sadia, Ministro da Indústria e Comércio no governo Lula da Silva.

            No Brasil foi montado um complexo sistema de pesquisa[19] em torno dos agrocombustíveis que envolve várias instituições, a saber: a Embrapa[20] com seus quatro programas (o de Biodiesel, o de Florestas Energéticas (sic), o de Etanol e o de Resíduos); a ESALQ – Escola Superior de Agricultura Luis de Queirós - localizada em Piracicaba – SP; o PENSA – Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial – “uma organização do tipo network que integra os Departamentos de Economia e Administração da FEA-USP”; além do ICONE - Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais - todos comprometidos num grande projeto estratégico de tornar esse setor um importante protagonista global. 

A importância do agronegócio enquanto ideologia pode ser notada pela associação de, pelo menos, dois grandes grupos empresariais do setor de comunicações à ABAG, a saber, a Agência Estado, que edita um dos jornais mais importantes do estado de São Paulo - O Estado de São Paulo – e as Organizações Globo, o maior grupo empresarial de comunicações do país.  Sabendo-se que não há consenso entre os cientistas sobre esses temas tão complexos como as implicações derivadas da expansão dos monocultivos, dos organismos laboratorialmente modificados, da poluição química e pela erosão genética, a população tem sido vítima de informações tendenciosas que oferecem ao público uma certeza técnica e científica inexistente entre os próprios cientistas.  Como a imprensa precisa do mito da neutralidade para se legitimar, há que se interrogar sobre a veracidade das informações a respeito da qualidade dos alimentos e dos remédios e todas as implicações socioambientais do modelo agrário-agrícola protagonizado pelos agronegociantes quando sabemos que grandes empresas de comunicações estão formalmente associadas a esse complexo de poder, conforme se pode ler no site da ABAG.

O Engenheiro Evandro Mantovani, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Agrícola (SBEA) e chefe da Secretaria de Gestão e Estratégia da Embrapa, afirmou em seminário realizado na USP, em 2006, que a Embrapa mantinha centros de pesquisa nos Estados Unidos, na Europa e na África.  O físico Roberto Kishimani, ex-dirigente da Greenpeace no Brasil e hoje consultor de grandes corporações empresariais, nos informa das gestões da USP com empresas e universidades dos Estados Unidos para estabelecer uma empresa joint ventures de investigação visando patente de novos motores com fontes alternativas de energia.  Nesses círculos fala-se abertamente do caráter global da nova configuração das relações sociais e de poder por meio da tecnologia.  Ao mesmo tempo em que se fala de articulações de investigação científica com os Estados Unidos e com a Europa viaja-se, com freqüência, para o Haiti, Gana e África do Sul, para me ater somente aos países explicitamente citados por Roberto Kishimani e Evandro Mantovani. 

Diferentemente do programa do Proálcool brasileiro dos anos 70, o que presenciamos hoje é o deslocamento do planejamento estratégico antes feito pelo Estado para os novos gestores[21] ligados aos grandes complexos empresariais, agora organizados em rede.  O entrecruzamento desses novos gestores, com o Estado e com os grandes complexos corporativos pode-se ver quando se perfilam os “membros permanentes” dos “mantenedores” do Icone, por exemplo, que são: “ABAG - Associação Brasileira de Agribusiness (Membro Honorário), a ABEF - Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos, a ABIEC - Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes, a ABIOVE - Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais e a UNICA - União da Indústria de Cana-de-Açúcar”. 

Essas articulações podem ser vistas também no
“programa, de caráter global e voltado à produção de bioenergia, [que] tem o Brasil como um dos líderes.  O Departamento de Energia dos Estados Unidos, por meio do Joint Genome Institute (JGI), aprovou proposta da rede internacional Eucagen (Eucalyptus Genome Network) para o seqüenciamento completo do genoma do eucalipto.  A espécie escolhida pelo Brasil é o Eucalyptus grandis, desenvolvida por melhoramento genético.  A Eucagen é formada por mais de 140 pesquisadores de 82 instituições públicas e privadas em 18 países”.  Segundo o pesquisador Dario Grattapaglia, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e coordenador da Rede Brasileira de Pesquisa do Genoma do Eucalyptus (Genolyptus), trata-se de projeto global, já que o eucalipto é plantado em mais de cem países.  “Um dos desafios para a produção sustentável de bioenergia é conhecer as bases moleculares do crescimento e adaptabilidade de plantas perenes úteis à geração de energia”.  Dario Grattapaglia divide a liderança do projeto com Zander Myburg, da África do Sul, e Jerry Tuskan, dos Estados Unidos”[22].

As pressões que conduzem aos agrocombustíveis

Há um consenso entre as lides que vêm protagonizando o recente debate sobre os combustíveis de biomassa (etanol e biodiesel), de que há uma “pressão social, ambiental e dos preços do petróleo” que enseja as condições para a expansão do setor.  De fato, desde as grandes mobilizações de Seatle (1999) e do 1º.  Fórum Social Mundial de Porto Alegre (2000) que os fóruns internacionais que vinham hegemonizando a (des)ordem mundial - o G-7, a OMC, o FMI e o Fórum Econômico de Davos - passaram a ser, literalmente, cercados (Hasbaert e Porto-Gonçalves, 2006).  As grandes mobilizações em todo o mundo contra a invasão do Iraque, em fevereiro de 2003, deram mostras da força moral, muito mais que política, desses movimentos sociais, ainda que a grande mídia sempre procure desqualificá-los.  Como parte dessas lutas sociais, uma série de iniciativas vindas do mundo empresarial começa a ser posta em prática, obrigados, assim, a deixar suas atividades-fim para se dedicar à “responsabilidade social e ambiental” ou a patrocinar entidades não governamentais[23].  Na grande mídia, surpreende nos últimos anos o número de informes publicitários patrocinados por empresas cujos produtos sequer são objeto do consumo do grande público, como as propagandas da Aracruz Celulose, que vende pasta de celulose, e da Companhia Vale do Rio Doce, que vende minérios.  O Dr.  Paulo Scarim, geógrafo e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, tem chamado a atenção para o fato de empresas estarem vendendo muito mais um modelo de desenvolvimento, ideologia pura, e não mais um produto específico.

Talvez a mais efetiva das pressões que contribuem para a viabilização dos agrocombustíveis seja a terceira, como bem destacou Ignacy Sachs, que afirmou que o etanol é viável economicamente com os preços do petróleo a partir de US$ 35 o barril e o biodiesel, a partir de US$ 60.  E o preço do petróleo, depois da segunda invasão do Iraque em 2003, não mais caiu abaixo dos US$ 60 o barril.  Com isso, uma série de medidas políticas que vinham sendo tomadas tanto na Europa como nos Estados Unidos começam a ser economicamente viáveis, para além dos subsídios que vêm sendo aportados[24]. 

Isenção Fiscal para o Etanol
(Euros por litro em 2005)

 Fonte: ICONE, 2006.


Ainda que não haja unanimidade quando à demanda desses combustíveis, até porque há problemas de ordem tecnológica que, por suas enormes implicações políticas, ainda restam a ser resolvidos, como veremos adiante, fala-se de um demanda de energia que cresceria em torno de 1,7% ao ano até 2030 quando seria atingida a marca de 15 bilhões TEP (Tonelada Equivalente de Petróleo), segundo Evandro Mantovani da Embrapa. 

            Segundo o Dr.  Eric Holt-Giménez, Diretor Executivo do Food First, “os combustíveis renováveis devem suprir 5,75% de todo combustível de transporte na Europa até 2010, e 10% até 2020.  Os Estados Unidos esperam obter 35 milhões de galões ao ano (...).  Essas metas excedem em muito a capacidade agrícola do Norte industrial.  A Europa teria que usar 70% de suas terras agrícolas para combustíveis.  Toda a colheita de soja e milho dos EUA teria que ser processada para o etanol e bio-diesel.” (Holt-Giménez, 2006).  Segundo Tokar “se forem utilizadas todas as colheitas de milho e soja dos EUA para a produção de combustíveis, cobrir-se-ia somente 12% da atual demanda de gasolina (o nafta) do país e 6% da necessidade de diesel.  A situação na Europa não seria melhor: o Reino Unido, por exemplo, não poderia cultivar suficiente quantidade de combustíveis para por em marcha todos os seus automóveis, ainda que plantasse a totalidade de seu território” (Tokar, 2006). 



            Em suma, os países do centro do capitalismo mundial não têm como suprir a demanda em termos de terras e, quando se trata de energia de biomassa, além da extensão de terras há que se considerar a disponibilidade de água e de luz solar (fotossíntese).  É o que parece enxergar com lucidez o bloco de poder técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático brasileiro, como se pode ver no dimensionamento que o ICONE faz das terras disponíveis no mundo (gráfico 1) e da disponibilidade de terras e de águas.


Fonte: ICONE e FAO
Elaboração: ICONE


            A experiência acumulada pelo complexo corporativo técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático brasileiro nos últimos 30 anos o coloca em posição privilegiada nesse rearranjo geopolítico global.  Os quadros 2 e 3 demonstram essas vantagens, onde não deixa de jogar um papel preponderante o desenvolvimento técnico-científico, além da renda diferencial por fertilidade da terra que, em virtude da estrutura política latifundiária garante, a preços imbatíveis, grandes extensões de terras com menos de 12% de declividade[25], com energia solar abundante para a fotossíntese e a mais ampla disponibilidade de água[26]. 

Quadro 2

Etanol – Custos de Produção

Fonte

País

US$ Litro

Beterraba

USA

0,53

Cereais

USA

0,45

Milho

Canadá

0,33

Milho

USA

0,30

Cana de Açúcar

Brasil

0,22



Há uma intensa movimentação de capitais em todo o mundo envolvendo o complexo de poder técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático organizado em rede articulando lugares-regiões em uma estratégia global.  Segundo a ÚNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar –, entidade que organiza e defende os interesses do setor sucroalcooleiro do Brasil, em 2006/7 operavam no país 248 unidades produtivas garantindo um consumo de 150 milhões de toneladas de etanol.  O setor prevê uma expansão para 325 unidades produtivas até o ano de 2012, ou seja, 77 novas unidades, mais de 1,5 unidades por mês, nos próximos cinco anos.  A entidade informa que no setor sucroalcooleiro, pelo menos cinco grandes grupos transnacionais já estão investindo no Brasil, entre eles a Cargill, a Evergreen, a Coimbra-Dreyfuss, a Tereos, a Global Foods e o grupo Adeco, do empresário George Soros[27].

Quadro 3

Produtividade [Litro por Hectare]

Fonte

País/Região

Volume

Beterraba

União Européia

5.500

Milho

USA

3.100

Trigo

União Européia

2.500

Cana de Açúcar

Índia

5.200

Cana de Açúcar

Brasil

6.500


            A Indonésia e a Malásia estão expandindo rapidamente as suas plantações de óleo de palma para suprir até 20 por cento do mercado de biodiesel da União Européia.  A Colômbia, que já produz de 1 milhão de litros/dia de etanol, projeta a implantação de mais 27 unidades produtivas até 2012.  O banqueiro francês Olivier Combastet, do fundo de inversões Pergam Finance, afirmou recentemente que “as centenas de hectares de milho e soja disponíveis, por exemplo, no Uruguai, são outro tanto de barris estilo etanol dormindo cuja demanda mundial deveria explorar nos anos vindouros”. 

Segundo Dominique Guillet, “a British Petroleum acaba de se associar à Du Pont de Nemours a fim de desenvolver uma nova geração de óleo carburante vegetal[28].  A Du Pont, que em princípios do século XX era o maior vendedor de armas nos EUA, comprou a Pioneer Hibred, em 1999, empresa que dominava a produção de semente híbrida de milho no mundo, tornando-se a segunda multinacional no ramo de sementes e a quarta no ramo da agro-química.  A Toyota acaba de aliar-se à British Petroleum para produzir etanol no Canadá a partir da celulose extraída de resíduos.  A Volswagen acaba de firmar um acordo com a multinacional ADM - Archer Daniels Midland Company - do setor de alimentos.  Já a Royal Dutch Shell está desenvolvendo uma segunda geração de agrocarburantes e realiza provas de refino a partir de lignito e de celulose.  A Cargill outra grande multinacional do setor agro-alimentar se lançou na produção de diesel vegetal”[29] (Guillet, 2007)

            Vários autores como Eric Holt-Giménez, Dominique Guillet e Silvia Ribeiro vêm assinalando as graves implicações dessas alianças estratégicas entre as empresas “concorrentes” nos setores da agroquímica, da biotecnologia, agroalimentar e as empresas do setor petroleiro contando, inclusive, com a cumplicidade do Estado.  Assim, setores estratégicos, como o de energia e o de produção (e comercialização) de alimentos, intermediados pelo complexo técnico-científico, ficam nas mãos de alguns poucos grandes complexos corporativos podendo manejar seus interesses de acordo com as circunstâncias.  Mais do que uma previsão, esse alerta encontra fundamento na recente “crise das tortillas” no México e, também, nas oscilações do próprio programa do álcool brasileiro, em que os grandes empresários do setor, de acordo com sua conveniência, ora deslocava a cana para produção de açúcar, ora para a produção de álcool de acordo com os preços.  Em meados dos anos oitenta do século passado, a produção de automóveis movidos a álcool entrou em colapso no Brasil, porque a produção de álcool foi praticamente abandonada porque os preços não compensavam vis a vis os do açúcar. 

Brasil: Potencial Para Expansão da Produção do Etanol na Visão dos Agronegociantes


A disputa por terra e água entre a produção de alimentos e o desses combustíveis não é para o futuro.  Recentemente Sílvio Porto, diretor da Companhia Nacional de Abastecimento - Conab – (Brasil), admitiu que a cana-de-açúcar está tomando áreas ao milho e à soja, em Mato Grosso do Sul, no Paraná e em Minas Gerais.  É a primeira vez que um técnico do governo reconhece a pressão exercida pela expansão da cana sobre áreas produtoras de grãos.  “A entrada da cana de forma mais efetiva no Centro-Oeste poderá voltar a causar nova pressão na região da Amazônia Legal por novas áreas agrícolas ou áreas de pastagens.  Efetivamente, a cana está tomando área do milho e da soja” (O Estado de São Paulo, 04/07/2007).  Essa constatação é coerente com as análises que faz Roberto Rodrigues, ex-Ministro da Agricultura, que vem insistindo que o problema para a expansão dos agro-combustíveis não é a terra, mas sim a logística.  Ele prevê que nos próximos 20 anos a área para o plantio da cana de açúcar vai aumentar o equivalente a um milhão de hectares por ano, ou seja, aumentará 20 milhões de hectares (Rodrigues, 2006), conforme o quadro acima atesta.  Nesse mesmo quadro, como indicam o movimento das setas, tornam-se claras as regiões para onde vai avançar os monocultivos de soja, de milho e de cana na visão dos agronegociantes, qual seja, sobre pastos e estes sobre os cerrados ainda remanescentes e a floresta amazônica, não se diz.  Observe-se que as pastagens se constituem na verdadeira frente pioneira desse ciclo de violência e devastação que já vem se reproduzindo nas últimas décadas, como se pode notar no gráfico abaixo onde as pastagens crescem mais que a agricultura.



            Quando se observa o mapa com as unidades de processamento sucroalcooleiro (Ver Mapa abaixo) se vê que todas as 77 novas unidades produtivas estão localizadas no centro geo-economicamente mais dinâmico do país, a saber: 35 unidades produtivas em São Paulo; 18 em Minas Gerais; 10 em Goiás; 9 no Mato Grosso do Sul; 4 no Paraná e 1 no Rio de Janeiro.  Boa parte dessas áreas está ocupada com pastagem e gado[30], aliás como os ideólogos da ABAG, entre eles o Sr.  Janks e o Sr.  Roberto Rodrigues vêm preconizando, como bem é destacado no gráfico em que se aponta para onde os grandes monocultivos de cana devem avançar, isto é, sobre áreas de pastagens.  A substituição de pastagem por cana não é a mesma coisa que substituir a soja ou o milho, o que também está acontecendo, pois implica o deslocamento do gado para outras áreas.  Em levantamento de campo realizado em finais de julho de 2007, na Amazônia matogrossense, no vale do Araguaia, registrei um aumento no arrendamento da terra para o gado entre 25 a 30% em um ano.  Em Goiás, já se vê manifestações dos empresários do setor de frango e de porco preocupados com a elevação dos preços do milho que, como se sabe, correspondem, em média, a 40% dos custos de produção do frango e do porco.

A Disputa pela Terra na Visão dos Agronegociantes


            Assim, tanto pelos fatos já constatados por pesquisas independentes como pelos próprios argumentos apresentados pelos principais ideólogos da expansão da agroenergia, pode-se ver que a pressão sobre as áreas de fronteira, sobretudo os cerrados e a Amazônia, já está se fazendo e se intensificará, caso as pressões sociais e ambientais, de fato não se façam sentir. 

Implicações Políticas e Sociais da Revolução Tecnológica em torno dos agrocombustíveis

Mesmo acreditando ser exagerada a idéia de que estamos diante de uma “transição energética”, como vem sendo apregoado pelo setor dos agronegociantes de energia, ainda que algo nessa direção seja necessário, é preciso estar atento às profundas implicações políticas e sociais da bifurcação tecnológica que está por ser decidida à revelia de um debate amplo e verdadeiramente democrático. 

Tudo indica que o bloco de poder que vem procurando se afirmar por meio da agroenergia tenha conseguido lograr uma enorme vantagem política por meio de uma inovação tecnológica com a invenção dos “motores flex”, que permitem que se use indiscriminadamente gasolina ou álcool (ver gráfico abaixo).  Diante disso e com a fusão e alianças estratégicas entre empresas “concorrentes” do setor de alimento e de energia, inclusive de petróleo, acima apontadas, o poder dessas empresas se torna imponderável, a não ser que se conseguisse revogar a lei geral da acumulação do capital e as obrigasse a subordinar o valor de troca ao valor de uso, ou em outras palavras, obrigasse a subordinar seus interesses de acumulação aos interesses da humanidade ou do planeta.

Evolução das Vendas de Automóveis por Tipo de Combustíveis
Brasil 2003 a 2006

Adaptado de ICONE, ANFAVEA e MAPA.

Mas não param aí as implicações das mudanças nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia que estão sendo engendradas pelo novo bloco de poder que está se conformando – a burguesia organizada em rede nacional-global enquanto complexo corporativo técnico-científico-industrial-financeiro-midiático.  Segundo pesquisadores da Embrapa, nos próximos cinco anos será decidida as especificações e normatizações técnicas dos motores que vão determinar a qualidade físico-química dos óleos a serem utilizados[31].  A Petrobrás, por exemplo, tem sido extremamente conservadora na determinação de só permitir a mistura de 2% de óleo vegetal ao óleo convencional, enquanto já permite uma mistura de mais de 20% de etanol à gasolina porque, nesse caso, já estariam bem resolvidos os problemas técnico-políticos, sobretudo junto à indústria automotiva com os “carros flex”[32].  Afinal, são mais de 20 espécies de plantas com potencial para a produção de óleo carburante, entre elas, a mamona, o dendê, a soja, o amendoim, a colza, o girassol, o milho, o buriti e o babaçu.  E, por mais que se propaguem as vantagens dos países que têm disponibilidades de recursos naturais (terras, energia solar e água) e ainda detém o domínio da tecnologia para o beneficiamento, como é o caso do Brasil, o poder de definir essas determinações tecnológicas para o uso generalizado dos motores está nos grandes centros geopolíticos dos países imperialistas que detém praticamente o monopólio da pesquisa científica (Porto-Gonçalves 2006 e Mari, 2000).  Considere-se, todavia, que enquanto a indústria exige parâmetros universais de medida que, em parte, foi conseguido mediante a matematização da física, da química, da biologia molecular e da economia, o mesmo não pode ser dito da agricultura, onde as soluções exigem que se considerem as condições locais e, do ponto de vista político, sobretudo nacionais o que exige de cada protagonista, inclusive os setores subalternizados, que se articule à escala global.

            O controle do setor de sementes se torna, assim, estratégico para definir o domínio (político) do mercado.  Eis a razão do entrecruzamento de empresas tradicionais do setor do petróleo e do setor automotivo com o de sementes, isto é, com o setor de biotecnologia, como vimos acima envolvendo a British Petroleum, a Toyota, a Volkswagen, a Shell, a Pioneer Hibred, a ADM, e a Cargill entre outras. 

Nesse contexto, as pesquisas dos Organismos Laboratorialmente Modificados – OLMs - ganham enorme relevância na medida em que permitem um controle técnico-industrial das sementes que, por sua vez, pode garantir a homogeneidade físico-química dos óleos carburantes.  É, na melhor das hipóteses, pueril a abordagem que tenta incorporar ao mercado setores camponeses por meio do biodiesel, ou melhor, subordinar os camponeses a esse complexo de poder.  Afinal, sem uma profunda mudança nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia que devolva aos camponeses, no mínimo, o controle de sua própria reprodução por meio do controle das sementes, o que o complexo de poder hegemônico tenta de toda a forma evitar, a humanidade tenderá a ver o seu destino controlado por um verdadeiro oligopólio.

            Cabe aqui destacar as implicações epistêmicas e políticas do que está em jogo com o que denominamos OLMs (e não OGMs)[33].  Com os OLMs muda o lugar da produção de conhecimento num setor fundamental para a existência humana, a agricultura e a criação de animais, e que diz respeito à reprodução energético-alimentar da nossa espécie.  Assim como o conhecimento é, tanto como o alimento, condição necessária para a reprodução - aliás, todo modo de produção de alimento é um modo de produção de conhecimento -, o que estamos assistindo com o deslocamento dos OGMs, enquanto produção de cultivares, para os OLMs, é o deslocamento do locus de poder que passa dos campos e dos camponeses, inclusive, dos povos originários para os grandes laboratórios do complexo técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático.  A diversidade cultural tende a ser ameaçada.  Tudo indica que o destino da humanidade e do planeta dependerá da solução dessa luta que, cada vez mais, vem exigindo a atenção de todos.

Um Novo Ciclo do Desenvolvimento Rural ?

Vários autores, como Ignacy Sachs, vêm destacando que estamos diante de um novo ciclo de desenvolvimento rural rumo a uma nova civilização da biomassa.  De fato, no mundo rural uma grande bifurcação se deu com a chamada “revolução verde”, cujos efeitos pudemos observar nas últimas quatro décadas em todo o mundo, sobretudo pelo intenso êxodo rural, quando uma verdadeira agricultura sem agricultores foi impulsionada.  Todavia, é uma nova bifurcação no interior da “revolução verde” o que vem sendo proposto pelo complexo de poder técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático ao tentar impor a sua “transição energética”.  Afinal, a revolução (nas relações sociais e de poder) industrial, ao estender ao campo sua matriz energética colocou, de certa forma, o Sol de ontem, isto é, a biomassa fóssil mineralizada a milhões de anos atrás (o carvão e o petróleo), a serviço da produção de alimentos, com o uso generalizado de máquinas e de fertilizantes.  O que está sendo engendrado agora é uma profunda transformação nas relações sociais e de poder de implicações ecológicas planetárias sem igual, na exata medida em que é a agricultura que se coloca a serviço da produção de combustíveis! Não é mais o petróleo a serviço da produção de alimentos, mas, ao contrário, é a agricultura a serviço da produção de combustível!

Segundo a ONU, em 2005, mais da metade da população mundial era rural (51%).  Tudo indica que até o ano de 2010, a população urbana atinja a simbólica marca de 50% da população mundial. 

Evolução da População Urbana e Rural no Mundo
1950 a 2010



De certa forma não deixa de ser surpreendente que tenham sido necessários mais de 200 anos, desde a revolução (nas relações sociais e de poder) industrial para que essa mudança ecológica global do rural ao urbano tenha ocorrido, haja vista o discurso urbanocêntrico hegemônico que parecia indicar que o mundo já seria urbano há muito tempo.  O mais grave, todavia, é que dos 49% de população urbana indicado pela Onu para o ano de 2005, nada menos que 70% estão na América Latina, na África, no Oriente Médio e na Ásia vivendo em condições muito longe daquelas apregoadas pelos ideólogos que falam da inexorabilidade dessa transição demográfica rumo ao urbano e do avanço civilizatório que a urbanização traria! Somente 25% da população mundial, aproximadamente, estariam vivendo, hoje, sob um modo de vida urbano tal como é idealizado, ou melhor, ideologizado, se considerarmos os dados de Samir Amin (vide tabela abaixo).

CLASSES SOCIAIS DA POPULAÇÃO URBANA MUNDIAL

(milhões de habitantes)

 

CENTRO

PERIFERIA

MUNDO

Classes Médias e Ricas

330

390

720

Classes Populares

 

 

 

Estabilizados

390

330

720

Precários

270

1.290

1.560

Total Classes Populares

660

1.620

2.280

Total Geral

990

2.010.000

3.000.000

Fonte: Samir Amim, 2003

Considerando-se, que (1), hoje, não é possível aos países que detém a maior parte da população rural, sobretudo na Ásia e na África e em alguns países da América Latina, a mesma solução que os europeus encontraram para os seus 60 milhões de emigrantes que foram enviados para todo o mundo ao longo do século XIX e primeiras décadas do século XX; (2) a situação precária da maior parte dos urbanos do mundo, como se pode ver na tabela acima, e; (3) que a capacidade de gerar empregos pela indústria é cada vez menor, o que tende a agravar esse quadro, tudo isso nos mostra as graves implicações das transformações em curso, sobretudo se o móvel principal das transformações continuar a ser as forças políticas que estão a montante e a jusante do mercado. 

De fato, para se buscar um novo ciclo de desenvolvimento rural diferente do que as forças hegemônicas vêm apontando, se exige ousadia epistêmica e política para fazer valer “as pressões sociais e ambientais” para além daquela que, até aqui, parece ser a pressão mais forte para a busca de alternativas energéticas aos fósseis, qual seja, o elevado preço do petróleo.  Na análise do consumo de energia na agricultura a diferença entre os sistemas agrícolas industrial e o tradicional é gritante.  É o que nos revela a FAO que calcula que, em média, os agricultores dos países industrializados gastam cinco vezes mais energia comercial para produzir um quilo de cereais que os agricultores da África.  Analisando cultivos específicos, as diferenças são inclusive mais espetaculares: para produzir um quilo de milho, um agricultor dos Estados Unidos utiliza 33 vezes mais energia comercial que seu vizinho ou vizinha tradicional do México.  Para produzir um quilo de arroz, um agricultor nos Estados Unidos utiliza 80 vezes a energia comercial utilizada por um agricultor tradicional das Filipinas! (Consultar FAO, The energy and agriculture nexus, Rome 2000, tabelas 2.2 e 2.3 em http://tinyurl.com/2ubntj). 

No Brasil, a hegemonia dos grandes latifundiários empresariais monocultores, construiu um verdadeiro mito da superioridade das grandes propriedades.  Todavia, conforme nos informa o geógrafo Hervé Thery, mesmo considerando a lógica econômica, surpreende a muitos o fato de a França obter mais divisas com a exportação agrícola que o Brasil, país que se apresenta como um dos grandes exportadores mundiais.  E a França tem uma estrutura agrária com propriedades que, no contexto brasileiro, seriam consideradas verdadeiros minifúndios ou, no máximo, pequenas propriedades.  Como se vê, o que vem sendo chamado de agregação de valor precisa considerar outros valores que acabam implicando também em preços, como são as tradições culturais que, no caso do Brasil, bem poderiam ser os produtos do mundo colonial do sul do Brasil, ou os da cozinha mineira, da cozinha capixaba (moqueca de peixe), ou da comida nordestina.  Mas sabemos que levar isso em consideração é levar junto os seus criadores e, assim, justiça social e diferença cultural, mais uma vez se aproximam. 

Além disso, há um verdadeiro desperdício de energia no mundo com o simples trânsito de mercadorias agrícolas onde, além do consumo de energia no transporte propriamente dito, muitos produtos têm que ser frigorificados e, assim, exigindo um consumo de energia elevado.  No Brasil, já assisti um caminhão com frangos produzidos em Santa Catarina, no sul do país, sendo transportados na rodovia Transamazônica, a mais de 3.000 quilômetros, configurando não só uma irracionalidade ambiental, como uma agressão aos habitantes da região amazônica, como se eles não soubessem sequer criar galinhas.  No mesmo sentido, “todos os dias, 3.500 porcos viajam de distintos países europeus até a Espanha, enquanto no mesmo dia, outros 3.000 porcos viajam na direção oposta.  A Espanha importa 220 toneladas de batatas diariamente do Reino Unido, enquanto exporta 72 toneladas de batatas todos os dias … para o Reino Unido”, segundo o Grain (Grain, ver documento de 28 junho de 2007 ¡No a la fiebre de los agrocombustibles! Em http://www.grain.org/nfg/?id=504 ). 

O Instituto Wuppertal calculou que a distância percorrida pelos ingredientes de um iogurte de frutas que se vende na Alemanha (e que poderia ser facilmente produzido na própria Alemanha) não é menor do que 8.000 quilômetros[34].  No sistema alimentar industrializado gastam-se não menos de 10-15 calorias para produzir e distribuir um alimento que tem o valor de 1 caloria.  Nada disso seria necessário, realmente.  O Conselho Mundial de Energia calcula que a cifra total de energia requerida para cobrir as necessidades básicas é equivalente a meros 7% da atual produção mundial de eletricidade (Conselho Mundial de Energia)[35]. 

Portanto, um novo ciclo de desenvolvimento rural implica, ao mesmo tempo, uma nova relação entre os lugares, um repensar o sentido que se acreditava inexorável da mudança ecológica do rural e do urbano, num mundo onde o urbano transcende à cidade e o rural não se resume ao agrícola. 

            Para isso, tradições de pensamento que pareciam ultrapassadas voltam a se tornar atuais para o debate e crítica, como é o caso dos fisiocratas, que sempre chamaram a atenção para o papel da natureza na criação de riqueza.  Aliás, Marx na sua Crítica ao Programa de Gotha, destacou o mesmo dizendo que se o trabalho era o pai, a natureza era a mãe da criação de riqueza, ainda que essa afirmação não tenha tido maiores conseqüências na tradição marxista.  Mesmo na indústria, sabemos, a natureza continua contribuindo para a criação de riquezas, como diria um bom fisiocrata, posto que o múltiplo de equivalente de cavalos contido nas moléculas de carbono – daí dizer-se cavalo-vapor (Horse Power - HP) – por mais que seja uma descoberta científica, não é um produto nem da ciência nem da técnica.  Afinal, são necessárias uma qualidade e uma quantidade de energia sem-igual, além de alguns milhões de anos, para produzi-las enquanto carvão, petróleo e gás e, por essa razão, são chamados de recursos naturais não-renováveis, ainda que essa noção seja relativamente recente e se deva ao movimento ambientalista!

A América Latina e Caribe na Nova Geografia Política da Energia

 A perspectiva hegemônica

            O quadro geopolítico latino-americano já vinha sendo alterado desde 1989 com a emergência de movimentos populares anti-neoliberais, inclusive provocando a primeira derrubada de um governo democraticamente eleito[36], Raul Alfonsin na Argentina, ainda que ao preço de sofrer massacres, como o que ficou conhecido como Caracazzo ocorrido em fevereiro daquele ano na Venezuela.  Alguns outros momentos-chave desse jogo geopolítico visto a partir das lutas de classes foram (1) as marchas pela Dignidade e pelo Território realizadas ao mesmo tempo na Bolívia e no Equador em 1990; (2) a iniciativa dos governos dos EUA, do Canadá e do México por meio do NAFTA e (3) a surpreendente resposta dada pelo movimento do indigenato do sul do México, por meio do zapatismo, em 1º de janeiro de 1994, quando se assinava aquele tratado.  Destaque-se, ainda, (4) a contra-resposta dada pelos governos do México e dos EUA contra o zapatismo, com o Plan Puebla Panamá após a eleição de Vicente Fox.  Registre-se, ainda, (5) que a Alca já vinha sendo gestada[37], ainda que de modo sigiloso, desde 1994 sendo que só veio a público em finais dos anos 1990 quando as contradições entre os próprios setores dominantes fizeram vazar informações para o público.  Além do escopo de acordos normativos para o “livre comércio”, (6) está em curso um grande projeto - o IIRSA - Infra-estrutura para a Integração Regional Sul Americana – que foi pensado exatamente para oferecer a infra-estrutura para o grande capital, nesse caso revelando uma iniciativa geopolítica onde se podem ver os interesses específicos de um bloco de poder que procura se afirmar a partir de um complexo geopolítico sul-americano, Brasil à frente, ainda que com alianças com o grande capital dos países centrais.  Os agronegociantes e as grandes empresas de construção civil são os principais impulsionadores da IIRSA[38].

Mas foi fundamentalmente após (7) a eleição de Hugo Chávez Frias, em 1998, sobretudo pelos desdobramentos imprevisíveis da revolução bolivariana, que apontaram para um novo quadro geopolítico, ainda que não se deva menosprezar a devolução do canal do Panamá, em 1999, (8) ao que se seguiu uma nova estratégia dos EUA de criar novas bases militares por toda a região (Ver Ana Ester Ceceña), além do Plano Colômbia (e seu anexo posterior, a Iniciativa Regional Andina).  Já em 2001, quando os preços do petróleo começaram a disparar, o governo Chávez estabeleceu uma política de preços diferenciados para os pequenos países da América Central e do Caribe, inclusive Cuba, o que lhe valeu advertências da OEA – Organização do Tratado Americano[39]. 

            Enfim, a partir da eleição de Chávez e seu projeto bolivariano, às mobilizações vindas dos setores subalternos, sobretudo após Seatle, em 1999, ao I° Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre no ano 2000, à Guerra del Água em Cochabamba, na Bolívia em 2000, à derrocada da experiência neoliberal da Argentina em dezembro de 2001 seguida pelo “que se vayan todos”, e à Guerra do Gás, na Bolívia em 2003, se juntava uma política de Estado envolvendo um dos principais fornecedores de petróleo para os EUA.  Pouco a pouco, a partir de iniciativas do governo venezuelano foi ganhando força a Alternativa Bolivariana para as Américas – ALBA.  Em finais de 2005, a vitória de Evo Morales, na Bolívia, deu mais consistência às lutas dos setores subalternizados, ao atingir um país que dispõe de uma das mais importantes reservas de gás natural, nesse caso, trazendo preocupações, inclusive, aos setores das classes dominantes brasileiras.  A derrota do projeto da Alca pôs fim a uma aliança que envolvia grandes grupos empresariais não só dos EUA, como também da América Latina, ao que o governo estadunidense contrapôs uma série de tratados bilaterais, sob a denominação de Tratados de Livre Comércio - TLCs. 

            É nesse contexto que surge uma nova aliança estratégica dos setores hegemônicos, bem resumida na frase de Jeb Bush “da Alca ao álcool”, e alicerçada na Associação Interamericana de Etanol. 

Passemos a palavra a um dos principais ideólogos dessa estratégia, o Sr.  Marcos S.  Janks, consultor do ICONE e hoje presidente da ÚNICA, entidade que articula os interesses dos maiores produtores do setor sucroalcooleiro, em artigo publicado emblematicamente sob o título “Da Alca para o Álcool”, em 04/03/2007 n´O Estado de São Paulo, órgão de imprensa que, como vimos, é associado à ABAG:

“A visita de Bush pode ser um primeiro passo na direção correta.  Tudo indica que o presidente americano vem ao Brasil para assinar um memorando de entendimentos que conterá: 1 - o desenvolvimento de projetos comuns de pesquisa de etanol de celulose; 2 - o estabelecimento de normas internacionais para a commodity, já que o bom funcionamento de qualquer mercado depende de padrões universais; 3 - a decisão de desenvolver projetos que apóiem a expansão do produto em terceiros mercados, principalmente na América Central e no Caribe.  O Departamento de Estado, porém, foi taxativo em afirmar que o tema do "acesso a mercados" não estará sobre a mesa”.  (...)

            “A Alca (Área de Livre Comércio das Américas) foi enterrada porque não houve suficiente diálogo e entendimento entre os Estados Unidos e o Brasil, países que foram indicados como co-presidentes do processo negociador justamente para fazer o bloco avançar.  No lugar da Alca, instalou-se uma miríade de pequenos acordos bilaterais e sub-regionais em todas as direções, de pequena abrangência e repletos de assimetrias, imediatismos e confusões”.  (...)

“O álcool representa uma chance de ouro para EUA e Brasil tentarem se entender e coordenarem o crescimento harmônico deste novo paradigma dos setores agrícola e energético.  Comecemos com estudos detalhados cobrindo as áreas de pesquisa, produção, infra-estrutura, potencial energético e impactos sociais e ambientais.  Em seguida, iniciemos projetos ambiciosos de pesquisa conjunta em novas tecnologias agroindustriais e automotivas e fixemos padrões globais para as commodities agroenergéticas.  Vamos também cooperar na expansão da oferta e da demanda em terceiros países.  Avancemos igualmente com investimentos conjuntos em produção e infra-estrutura nos dois países e lutemos para estabelecer políticas mais coerentes, voltadas para os vetores apontados anteriormente, incluindo, desde já, o espinhoso tema do protecionismo, mesmo que apenas numa nota de rodapé neste primeiro momento” (Janks, 2007).

            Aqui, como vemos, voltam a se encontrar forças políticas tradicionais no bloco de poder dos diferentes países latino-americanos e que se forjaram protagonizando uma divisão internacional do trabalho em que os recursos naturais da região são explorados visando exportação.  No golpe de estado que depôs o presidente J-B.  Aristides, no Haiti, essas forças começaram a se reaproximar e, no caso brasileiro, numa clara continuidade do governo Lula à luta por um lugar no Conselho de Segurança da Onu, iniciada no governo FHC.  Agora, além das iniciativas já assinaladas de pesquisas junto à União Européia e ao governo estadunidense, esses grandes grupos do complexo técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático delineiam uma nova estratégia geopolítica em que, inclusive, o Brasil vem tentando tirar proveito dos tratados bilaterais de livre comércio – TLCs – que o governo estadunidense pôs em prática como primeira alternativa à derrota do projeto Alca, sobretudo junto a governos dos países da América Central e Caribe. 

Águas e Terras Disponíveis por País na Visão dos Agronegociantes


            No mapa “Águas e terras Disponíveis por País”, que faz parte da visão que vem sendo construída pelos think thank que subsidiam os agronegociantes, a América Latina, sobretudo a América do Sul, aparece com um lugar de destaque por sua ampla disponibilidade de terras e de água.  O Brasil ganha um lugar especial não só por sua extensão territorial, 850 milhões de hectares, mas também pelo elevado nível de desenvolvimento técnico-científico alcançado particularmente na área de combustíveis de biomassa (etanol e biodiesel). 

            No que diz respeito à água “o Instituto Internacional para o Manejo da Água (IWMI - International Water Management Institute), em seu informe de março de 2006, afirmou que a febre pelos “biocombustíveis” poderia piorar a crise de água no continente.  Em outro documento concluía que “é pouco provável que as economias de rápido crescimento tais como China e Índia possam satisfazer a demanda futura de alimento humano e animal e de biocombustíveis sem agravar substancialmente os problemas já existentes de escassez de água”.  Segundo a entidade ambientalista Grain (http://www.grain.org/front/) “quase toda a cana de açúcar da Índia – o principal cultivo para produção de etanol do país - é de irrigação, assim como aproximadamente 45% do principal cultivo para agrocombustível da China, o milho.  O prognóstico é que na Índia e na China, países onde a água já está sendo perigosamente esgotada ou contaminada, para o ano 2030 aumentarão sua demanda de água para irrigação em 13 ou 14%, somente para manter a produção de alimentos nos níveis atuais.  Se esses países optarem pelos agrocombustíveis em grande escala esses cultivos consumirão muito mais da já escassa água para irrigação”.

A análise do discurso de diferentes ideólogos ligados aos agronegociantes, como Roberto Rodrigues e vários pesquisadores da Embrapa, da USP e do Icone, não deixa de destacar o lugar que atribuem à Ásia enquanto o grande mercado visado.  Esse mapa torna isso claro, até porque esses ideólogos identificam os EUA como um mercado passageiro, haja vista as condições tanto de terra como de água, além do domínio tecnológico que podem garantir aos EUA seu suprimento de energia[40].  Toda a questão é como os EUA resolverão internamente a equação alimento versus energia combinando com sua estratégia geopolítica que, até hoje, se sustentou em, de um lado, segurança alimentar e de minerais e, de outro lado, em ações imperialistas.  Diante disso, o mega-projeto IIRSA se mostra estratégico para esse complexo de poder por oferecer a logística necessária à integração com o Pacífico, particularmente almejada pelo agronegociantes brasileiros.

            Segundo Thomas Shannon, subsecretário-adjunto de Estado dos EUA para o Hemisfério Ocidental, já no segundo semestre de 2007, começará a cooperação efetiva entre Brasil e os EUA para a instalação de uma cadeia produtiva de etanol no Haiti, em El Salvador, em São Cristóvão e Neves e na Costa Rica, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), conforme reportagem “Diplomacia do etanol aproxima Brasil e EUA” de Denise Marin, publicada no
Caderno Economia & Negócios do jornal O Estado de São Paulo, em 15/07/2007.

Segundo uma outra reportagem “Biocombustível é o foco da viagem de Lula à América Central”, publicada no jornal A Folha de São Paulo, em 06/08/2007, o presidente Lula da Silva iniciou uma viagem acompanhado de 50 empresários, e nenhum líder comunitário ou sindical, ao México e a mais 4 países (Nicarágua, Honduras, Panamá e Jamaica), tendo na agenda, sobretudo o programa de energia de biomassa.  Para o México, país que já sofre os efeitos da política de produção de agrocombustível, o etanol a partir do milho e que lhe ensejou a “crise de las tortillas”, Lula oferece a tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas[41], tecnologia essa que a Petrobrás detém a liderança em todo o mundo.  Para os demais países, a aproximação do Brasil torna possível aproveitar os Tratados de Livre Comércio através dos quais poderá exportar para os EUA sem as barreiras que lhes são impostas.  Diga-se, de passagem, que essa reportagem fala explicitamente da ALBA, referência rara na grande mídia brasileira, o que é um forte indício do sentido geopolítico que está sendo ensejado nessa aproximação EUA e Brasil. 

Nesse momento, há um impasse no destino a ser dado ao IIRSA, em função da posição estratégica da Bolívia e pelas posições do governo de Evo Morales[42], e das posições do governo recém-eleito no Equador, além do papel que vem jogando o governo Chávez, não só no financiamento de projetos de integração com características bolivarianas, como também pelas cláusulas sociais que vem defendendo nos processo de integração continental.  Esses eixos de integração do IIRSA podem se constituir numa nova veia aberta da América Latina, de devastação e sofrimento[43], como a Transamazônica e outras, ou em uma oportunidade ímpar para um projeto de Reforma Agrária de novo tipo, envolvendo uma integração desses povos e culturas, com suas tradições técnico-culturais estabelecendo um diálogo com a tradição técnico-cienítifica européia, para se afirmar.

.A perspectiva subalterna

            A América Latina tem outros trunfos para o debate em torno da transição energética para além do que vem sendo proposto pelos agronegociantes e seu complexo técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático que tem destacado a disponibilidade de terras e de águas entre os trunfos fundamentais que devem ser levados em conta.  O mapa “Águas e terras Disponíveis por País” é elucidativo do lugar central da América Latina, sobretudo do Brasil, na nova geografia política da energia, ainda que silenciando sobre outras qualidades desse mesmo espaço geográfico, conforme veremos. 

            Neste mapa, a América, tanto ao norte como ao sul, está representada como dispondo de grande disponibilidade de terras e de água, muito embora com distribuição desigual, conforme mostra a situação do Chile, do Equador e do Peru, embora nos dois últimos casos haja grande disponibilidade de águas em sua porção amazônica. 

Há que se destacar, todavia, uma qualidade dos países tropicais que é a maior exposição à insolação, o que se traduz numa qualidade excepcional quando o que está em jogo é a produção de biomassa (fotossíntese).  Essa é uma diferença fundamental entre os Estados Unidos e Canadá, de um lado, e a América Latina e Caribe, de outro.  Enfim, a tropicalidade se apresenta, hoje, com um enorme potencial produtivo, sobretudo quando se busca partir de suas qualidades naturais (fotossíntese e água) o que, até aqui, era negado por uma visão eurocêntrica que mais falava de “tristes trópicos” em vez de procurar colocar a criatividade humana para dialogar com as condições naturais[44]. 

Essas duas qualidades da tropicalidade, ou seja, fotossíntese + água = biomassa em abundância, está indissoluvelmente ligada a uma terceira qualidade, que é completamente silenciada na visão dos agronegociantes, conforme o mapa em apreço: a diversidade biológica.  Diante de todo o esforço que esse complexo de poder em torno dos agrocombustíveis vem desenvolvendo para se revestir de ecológico, inclusive com toda a retórica em que prefixos como bio e eco, além do verde, são antepostos ou pospostos – “bio-combustíveis”, “combustíveis verdes”, “ecodiesel”, “biorefinarias”, para não falar de biotecnologia e de biomassa - é, no mínimo, estranho que não se fale de biodiversidade, qualidade que tem nas regiões tropicais sua maior expressão (matas tropicais[45], as savanas, no Brasil, cerrados[46] e, na Venezuela, llanos), além das áreas alagadas do Dahrein (Colômbia-Panamá), do Pantanal matogrossense e das extensas planícies do rio Araguaia (nesse caso com cerca de 2 milhões de hectares). 

             Ocorre que essas regiões não só dispõem de uma enorme riqueza em diversidade biológica como, também, de um enorme patrimônio cultural expresso numa enorme diversidade de povos que r-existiram tanto à primeira como à segunda moderno-colonialidade[47], vivendo muito mais de sua criatividade no aproveitamento da enorme produtividade biológica primária – a biomassa – do que de tecnologias que dependem sobretudo da importação de energia e fertilizantes, como a tradição européia com suas “revoluções verdes” capitaneadas pelos agronegociantes de ontem e de hoje.  Além dessas áreas abrigarem topoi de diversos povos originários da América (Abya Yala, segundo a denominação deles próprios), como os maias, os kunas, os ashar, os miskito, os guarani, os tupinikin, os aymaras entre tantos, temos, ainda, diversas expressões de campesinidades, como o indigenato[48] de que nos falou Darci Ribeiro, assim como populações que se recriaram sob o abrigo dessa natureza pródiga, como os ribeirinhos da Amazônia, os retireiros do Araguaia, os afrodescendentes em seus pallenques, quilombos e cumbes seja na Venezuela, na Colômbia ou no Panamá.  O acervo de conhecimento advindo desses povos sob a forma de alimentos e remédios que, hoje, a humanidade dispõe é enorme, a começar com o milho, a mandioca e a batata, para não falar do tabaco, da borracha, da coca, do quinino e tantos e tantas outras invenções culturais desses povos.

            Essas populações habitam os habitats que, hoje, as grandes empresas monocultoras vêm como grande disponibilidade de terras e águas, dizem menos de Sol, para expandirem seus negócios.  Por isso falam de agro-negócio e não de agri-cultura e, com isso, jogam fora uma das principais qualidades da vida biológica, no caso da espécie humana, que é a qualidade de criar sentidos para a vida, de inventar culturas.  Daí, o “esquecimento” da cultura, ou seja, dessa outra qualidade da vida, no mapa geopolítico que esse bloco de poder hegemônico está procurando forjar.  Essas populações se revestem, exatamente por isso, de um enorme valor estratégico e devem, definitivamente, se colocar como protagonistas de uma nova geopolítica pensada e agida a partir da subalternidade[49]. 

E aqui há uma luta que é, ao mesmo tempo, epistêmica e política e encontros possíveis de epistemes que foram subalternizadas na Europa, como a dos fisiocratas e dos camponeses, e as matrizes latino-americanas e caribenhas, seja dos povos originários, seja das campenisidades já assinaladas.  Como há outras epitemes que mesmo tendo surgido no mundo da subalternidade na Europa, como é caso do marxismo, precisam repensar seu eurocentrismo quando vêm para o lado colonial do sistema mundo moderno-colonial, onde a luta contra o capital ganha outros contornos, como o demonstram as experiências das múltiplas campesinidades e dos povos originários que experimentam, enquanto sofrimento, a modernidade há 500 anos e r-existem, mais que resistem (Porto-Gonçalves, Revista Chiapas).

            Todavia, há um aprendizado que nos é trazido por essa tradição do pensamento subalterno europeu, o marxismo, e que nos ajuda a compreender grande parte do que está em curso e a tragédia que se anuncia com a expropriação generalizada que advirá da expansão desses latifúndios monocultores moderno-coloniais dos agronegociantes, sobretudo quando querem submeter a produção agrícola à produção de combustíveis de biomassa.  Trata-se da compreensão do caráter, desde sempre, mundial do capitalismo e do papel do desenvolvimento das forças produtivas que o capital impõe ao mundo.  Se superarmos a visão que coloca as forças produtivas de um lado e as relações de produção de outro, como faz certo estrutural-funcionalismo marxista, veremos que o desenvolvimento das forças produtivas não é externo às relações sociais e de poder (Porto-Gonçalves, 2006), tornando-se claro que o que estamos assistindo é a uma profunda transformação nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia, daí o conceito inspirado em Pablo Gonzalez Casanova (Casanova, 2006) de complexo técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático que estamos propondo.  É de uma dialética complexa que precisamos para pensar um capitalismo complexo, aliás, como vêm insistindo não só Pablo Gonzalez Casanova, como também Enrique Leff (Leff, 2006), Arturo Escobar (1996), Hector Diaz-Polanco, Pablo Dávalos (2005) e Boaventura de Sousa Santos (2004), de um lado, e o Movimento Pachakutik, no Equador e na Bolívia, a Conaie, no Equador, o movimento zapatista, no México, o indigenato guatemalteco, os mapuche no Chile, os afrodescendentes do Pacífico Sul colombiano, o MST e várias entidades camponesas no Brasil, entre eles os quilombolas.  Uma dialética que sabe que a totalidade-mundo não é constituída somente pela relação capital-trabalho, mas contém outras tensões constitutivas por meio das quais múltiplos sujeitos vêm se constituindo na relação com/contra o capital. 

            É a partir dessa análise que, acreditamos, podemos começar a visualizar os desafios que se apresentam, a começar por afirmar o capital simbólico e político adquirido nas lutas locais por esses diferentes sujeitos.  Num mundo em que os ideólogos hegemônicos, por meio da grande mídia, não se cansaram de afirmar o caráter homogeneizador da globalização, vimos se afirmar o direito à diferença, a tal ponto que esses mesmos protagonistas hegemônicos se vêem obrigados a considerá-la e a tentar instrumentalizá-la, folclorizando-a ou isolando-a – divide et impera. 

Mas hoje, a união do capital agrário com o capital industrial, com o capital financeiro, com o capital das grandes empresas de mídia e com o mundo técnico-científico com sua organização em rede, o que está em curso é o processo de expropriação dos campesinatos e dos povos originários não só dos seus recursos naturais[50] mas, principalmente, dos seus conhecimentos, o que implica, mais uma vez, desterritorializá-los, agora por meio do des-locamento do lócus de produção de conhecimento da relação direta com a natureza por e para uma relação mediatizada pelos laboratórios, cada vez mais empresariais.  Enfim, retirar do lugar, ou melhor, retirar dos homens e das mulheres do lugar o poder de se reproduzirem por meio de seus próprios conhecimentos.  Não nos esqueçamos que cada semente contém não só o gérmen do alimento como também abriga conhecimento, nesse caso, informação genética culturalmente elaborada.  Hoje, a possibilidade de existência desses grupos está diretamente ligada à sua capacidade de desenvolver uma luta política no cerne do lócus de bifurcação tecnológica[51] passando a se constituir num atrator de um sistema emergente (Prigogine) que tenha na produtividade biológica primária, na justiça social e na diversidade cultural os suportes de uma racionalidade ambiental (Leff).  Enfim, de propor uma nova lógica à técnica, de afirmar uma outra (tecno)lógica que não abdique de uma ética e de uma moral expressa politicamente por meio de novas e, principalmente, outras práticas. 

A Reforma Agrária adquire, assim, um sentido completamente novo, na medida em que implica uma profunda revolução cultural, uma nova relação das sociedades com a natureza, uma nova relação entre e com os lugares, uma racionalidade ambiental onde se abra um verdadeiro diálogo entre matrizes de racionalidade distintas, em que não haja tanto desperdício de experiências como aquele engendrado pela colonialidade do saber e do poder (Sousa Santos).  E, se é de um novo sentido a ser dado à relação com a natureza quando se fala de Reforma Agrária, já não é simplesmente mais de terra que estamos falando, mas sim de territórios e de suas múltiplas territorialidades.  Aqui, o diálogo entre os diferentes tem de dialogar com a materialidade da natureza e dos lugares, enfim esse olvido que a tradição ocidental levou mais longe que qualquer outra civilização e que, hoje, nos coloca a todos na obrigação de debatermos um outro sentido a ser dado ao trabalho e à energia, sob a ameaça da expressão material desse próprio olvido: o aquecimento global.

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- Carlos Walter Porto-Gonçalves é Doutor em Geografia, Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense e Pesquisador do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – e do Grupo Hegemonia e Emancipações de Clacso.  Ganhador do Prêmio Casa de las Américas 2008 no gênero Literatura Brasileira.  Ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000).  Membro do Grupo de Assessores do Mestrado em Educação Ambiental da Universidade Autônoma da Cidade do México.  Ganhador do Prêmio Chico Mendes em Ciência e Tecnologia em 2004 é autor de diversos artigos e livros publicados em revistas científicas nacionais e internacionais, em que se destacam: - “Geo-grafías: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentablidad”, ed.  Siglo XXI, México, 2001; “Amazônia, Amazônias”, ed.  Contexto, São Paulo, 2001; “Geografando – nos varadouros do mundo”, edições Ibama, Brasília, 2004; “O desafio ambiental”, Ed.  Record, Rio de Janeiro, 2004; “A globalização da natureza e a natureza da globalização”, Ed.  Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006 e El Desafio Ambiental, Ediciones PNUMA, México, 2006.

Artigo apresentado para debate na reunião do Grupo de Trabalho Hegemonias e Emancipações, de Clacso, em Guadalajara, México, entre 12 e 16 de agosto de 2007.



[1] O caráter relativo dessa posição sempre esteve no horizonte dos estrategistas estadunidenses.  É o que se pode ler num relatório de 1928, onde se registra que os EUA é “responsável por quase ¾ da produção mundial de petróleo”, mas que “apesar da produção gigantesca, desde 1914 o enorme consumo [80,1% dos automóveis do mundo] não pôde ser suprido pela produção de fontes próprias” (Pahl, 1928, apud Altvater, 1995: 96).

[2] Sobre o nacionalismo, Noam Chomsky teve o mérito de nos alertar para esse fato fundamental para entendermos o novo período que a partir daí se inicia, quando o desmonte do Estado vai se tornar uma verdadeira obsessão.  O fato de muitos movimentos de esquerda terem se associado às lutas de libertação nacional, no contexto da Guerra Fria, fez com que as lutas que nesse contexto se desenvolveram fossem interpretadas como se fossem lutas entre o capitalismo e o socialismo.  Todavia, a crise do socialismo em finais dos anos 80, só viria confirmar, pela continuada política de desmonte do Estado-Nação e de qualquer veleidade nacionalista, que a desconstrução do Estado Nacional se coloca como o cerne das políticas neoliberais que nasceram junto com a crise do petróleo e tiveram sua primeira sistematização no Chile, com a chegada dos Chicago-boys em 1976.

[3] Aumento esse que não se dá pelo crescimento demográfico, mas, sobretudo pela “fabricação capitalística da subjetividade” (Felix Guatarri).  O historiador inglês E.  Thompson (Thompson, 1996) afirmou que a geração pós-anos sessenta é a primeira na história da humanidade em que os grupos de socialização primária, como a família e a comunidade imediata de vizinhos, perderam o poder de conformar as necessidades de seus próprios filhos para essas “máquinas de fabricação da subjetividade” que são os meios de comunicação.

[4] Ainda que com o ônus de uma intervenção militar no Iraque, em 1991.

[5] Enfim, por maior que seja o desenvolvimento tecnológico e científico, a transformação da matéria depende da energia cuja matéria não é produzida pelo desenvolvimento científico e tecnológico, mas sim pela natureza.  Houvesse a possibilidade de produzir essa matéria nos próprios países centrais com todo seu poderio científico e tecnológico e a dimensão geopolítica derivada da dependência de recursos naturais desapareceria.  Considere-se que os EUA mantêm 727 bases militares fora de seu território com um contingente de aproximadamente 300.000 militares.

[6] Por razões que se tornarão claras a seguir, o governo Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, eleito em 2002, se mostrará mais ambíguo, ainda que mantendo aproximação com esses governos.

[7] Nesse artigo não discuto as limitações da energia da biomassa para mitigar o aquecimento global.  Afora a idéia, simplória, de que possa haver uma única solução para um problema de tal magnitude e complexidade, várias têm sido as análises que apontam o delírio dessa tese, entre outras pela impossibilidade de haver terras suficientes para atingir a demanda de energia, que continua crescendo.  Esse é um problema que passa longe dos que estão mais preocupados em aproveitar a oportunidade para fazer bons negócios com a demanda crescente de energia do que resolver o problema do aquecimento global.

[8] O papel de destaque do Sr.  Al Gore nesse novo alerta sobre o aquecimento global é emblemático do que está em curso.  Afinal, a questão energética é, nos Estados Unidos, aliás, como deveria ser em qualquer país do mundo, uma questão de Estado e não de governo e, na conformação dos blocos de poder o setor energético cumpre, por isso mesmo, um papel central.  Eis a razão pela qual o Sr.  Al Gore, mesmo tendo ocupado a Casa Branca junto com Bill Clinton, não assinou o Protocolo de Kyoto.  Uma análise atenta das propostas que o governo Clinton-Al Gore levava para as reuniões internacionais que debatiam o assunto eram, simplesmente, inaceitáveis pelos demais países e por todos aqueles que estavam interessados em encontrar uma solução posto que, simplesmente, eram as propostas do complexo técnico-científico-industrial-militar-financeiro-midiático ligado à matriz energética fossilista.

[9] O Sr.  Roberto Rodrigues é agrônomo e um dos principais articuladores da ABAG – Associação Brasileira de Agrobusiness – entidade da qual foi presidente até ocupar o Ministério da Agricultura convidado por Luiz Inácio Lula da Silva.  O Sr.  Jeb Bush tem notórias ligações com o complexo corporativo técnico-científico-industrial-militar-financeiro-midiático com fortes ligações com o setor que controla os combustíveis fósseis.

[10] Registre-se que não é a primeira vez na história do Brasil que essa classe se coloca a si mesma como sendo os “verdadeiros heróis nacionais”.  Desde os primeiros engenhos de cana de açúcar introduzidos no Brasil, em 1532, que as relações do Estado com esse setor das classes dominantes são íntimas até porque as terras (sesmarias) que recebiam do Rei de Portugal só seriam mantidas se efetivassem a conquista territorial, objetivo maior da Coroa portuguesa.  Ou seja, o interesse econômico dos Senhores de Engenho estava subordinado aos objetivos estratégicos de conquista territorial desde o período colonial e a desconsideração desses fatos por uma leitura economicista da história tem-nos impedido de entender os verdadeiros móveis da formação histórico-geográfica do território.

[11] Por suas implicações epistêmicas e políticas é importante registrar que, mais uma vez, transformações capazes de engendrar ciclos tecnológicos a la Kondratieff têm sua origem na periferia do sistema mundo e não nos seus centros hegemônicos.  No período colonial, a tecnologia de maior produtividade, os engenhos de açúcar, se desenvolvera na periferia do sistema mundo, primeiro no arquipélago de Cabo Verde e, depois, nos engenhos do Brasil, Cuba e Haiti.  Afinal, daqui não se exportava matéria prima simplesmente, como nos ensinam os livros de História e de Economia, mas sim produto manufaturado, como o açúcar.  A colonialidade do saber, como se vê, é parte da colonialidade do poder como nos ensinam Aníbal Quijano, Fernando Coronil, Arturo Escobar, Edgardo Lander, Walter Mignolo, Catherine Walsh, Silvia Rivera Cusicanqui e tant@s outr@s.

[12] O estamento militar, no Brasil, sempre viu o desenvolvimento científico e tecnológico como um dos trunfos fundamentais para o exercício do poder.  Os militares protagonizaram a criação da principal instituição de investigação científica no Brasil, em 1951, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq.  Visava-se, com isso, o domínio da energia atômica, segundo eles a única maneira de garantir a soberania nacional após Hiroshima e Nagasaki.  Em 1954, os militares se colocaram ainda como um dos principais protagonistas na campanha “O Petróleo é Nosso” que levaria à criação da Petrobrás e ao estabelecimento do monopólio sobre a exploração do petróleo no Brasil.  O investimento científico e tecnológico iniciado pelo Estado viria fazer da Petrobrás uma das maiores empresas do mundo e pioneira em exploração de petróleo em águas profundas.

[13] No Brasil, por exemplo, as Ligas Camponesas tiveram um papel relevante antes do golpe de estado de 1964.

[14] À guisa de passagem, chamo a atenção para a mudança de paradigma – do cartesianismo para a teoria da complexidade, teoria do caos, teoria dos fractais – mantendo-se as relações sociais e de poder assimétricas, ou melhor, ainda mais assimétricas.  Assim, aqueles que viam na crise do paradigma cartesiano a emergência de uma perspectiva emancipatória e libertadora terão que rever suas análises.  As novas ciências rompem com dicotomias, como a que separa sujeito e objeto, e passam a constituir uma ciência por objetivos, entre os quais conter qualquer perspectiva transformadora.  Enfim, a mudança de paradigma bem pode ser a la lampedusa.

[15] Isso depois de três trágicos anos em que a ditadura de Pinochet se encarregou de destruir a experiência socialista e democrática de Salvador Allende, por meio de tortura e assassinatos.

[16] Em um debate numa importante universidade brasileira um estudioso, que viria a ser um dos próceres da criação de um curso de agronegócio, afirmou, sem e menor cerimônia, que agronegócio é toda prática que envolve a venda de produtos de origem agropecuária, exemplificando, para meu espanto, que um indígena quando vendia seu produto fazia parte do agronegócio.  A ideologia não podia ir mais longe.

[17] No oeste catarinense, na região de Concórdia e Chapecó, entre os anos de 1980 e 2000, a produção de suínos e de frangos viu diminuir o número de estabelecimentos produtores de 67.000 para 20.000 ao mesmo tempo em que via triplicar seu volume de produção.

[18] Consultado às 16:09 horas de 25/01/2008.

[19] Já a época da ditadura um grande complexo de investigação técnico-científica havia sido criado.  Segundo o físico Bautista Vidal, um dos principais formuladores do ProÁlcool, o programa chegou a envolver sob sua responsabilidade 1.600 cientistas trabalhando de maneira coordenada em todo o Brasil.

[20] A Embrapa vem se destacando, entre outras, pelas pesquisas que proporcionaram a abertura das amplas regiões dos planaltos centrais brasileiros, com mais de 300 milhões de hectares de savanas (cerrados), para ocupação por esse complexo corporativo latifundiário monocultor, sobretudo com a adaptação genética de plantas de regiões de clima temperado aos climas tropicais, como foi o caso da soja.

[21] Trabalho aqui em íntima afinidade com o cientista social português João Bernardo para quem os Gestores se configuram como classe social, no melhor sentido da expressão.  Assim, o capitalismo se constituiria, desde o início, por três classes fundamentais e não duas (Burguesia e Proletariado).  Chico de Oliveira vem se aproximando dessa formulação em seus últimos trabalhos.

[23] Não é a primeira vez que isso ocorre, como já o assinalamos para o caso do Relatório Meadows e seus “limites do crescimento” (Porto-Gonçalves, 1983).

[24] Segundo revelou o informe do Global Subsidies Initiative, as subvenções para os agro-combustíveis só nos Estados Unidos ascendem atualmente a uma soma que oscila entre cinco bilhões e meio de dólares e sete bilhões e trezentos milhões de dólares por ano e aumentam rapidamente.  (...) “A maioria das atividades em matéria de agrocombustíveis nos Estados Unidos e na Europa se apóiam majoritariamente em subvenções e provavelmente não sobreviveriam sem isso” (Koplow, 2006).

[25] A declividade do terreno é fundamental para a agricultura que depende de insumos externos, sobretudo de energia.  Afinal, quanto mais acidentado é o terreno maior é o consumo de energia.  Por isso, as grandes chapadas e chapadões do Planalto Central Brasileiro se tornaram tão importantes para esse modelo agrícola.

[26] O custo comparado com a terra na produção de soja entre Iowa, nos Estados Unidos, e Mato Grosso, no Brasil, era, respectivamente, de US$ 350 e de US$ 57,50, em 2001(Porto-Gonçalves, 2006: 231).

[27] A Adeco tem mais de 240 mil hectares de terras adquiridos na Argentina, no Paraguai e no Brasil.  A estratégia recente do grupo na Argentina foi adquirir inicialmente o máximo de terras aproveitando a crise de 2001 quando houve queda acentuada de preço, segundo declarou o próprio George Soros.  Aqui o sentido de crise como momento de oportunidade como se costuma afirmar citando as tradições grega ou oriental, é pouco nobre, sobretudo quando se sabe da miséria que devastou o país com aquela crise.

[28] A British Petroleum recentemente colocou á disposição da Universidade da Califórnia nada menos que US$ 500 milhões para pesquisas.

[30] O Brasil possui um rebanho bovino de 205 milhões de cabeças que ocupa cerca de 200 milhões de hectares de terras.

[31] Nesse momento, a cana se apresenta como a melhor solução técnica para a produção do etanol o que, no Brasil, significa consagrar as oligarquias latifundiárias no poder a cinco séculos, e no caso do biodiesel, a soja que, no momento, apresenta a melhor equação de custos e produtividade, também vem afirmando todo um complexo corporativo que tem por base uma concentração de terras sem precedentes no Brasil, sobretudo na sua expansão pela região dos cerrados.

[32] Tem sido grande a pressão dos grandes produtores brasileiros para que se amplie o uso dessa mistura.  Afirmam que há uma enorme potencial de produção que não está sendo aproveitado na mistura que, segundo eles, poderia atingir até 30%.  Diga-se, de passagem, que vêm utilizando o óleo em seus próprios equipamentos no interior de suas propriedades, independentemente de autorização governamental. 

[33] O conceito de Organismo Geneticamente Modificado – OGM – é impreciso cientificamente posto que, rigorosamente, toda a evolução das espécies implica mudança genética.  O processo de especiação se dá, sempre, por modificação genética, enquanto processo não-intencional.  Os cultivares, por sua vez, são, desde sempre, OGMs na medida em que são criações humanas co-evoluindo com processos naturais durante tempos longos (intenção + natureza).  O que está em debate, hoje, não são os OGMs e, sim, os OLMs – Organismos Laboratorialmente Modificados -, qual seja, organismos cujo processo de criação não se dá de modo livre na relação dos agricultores com a natureza.  Aqui, já não estamos mais diante de agri-cultura e, sim, de agro-negócio como, aliás, o complexo técnico-científico-empresarial gosta de se autodenominar.

[34] Gustavo Duch Guillot, Diretor de Veterinários Sem Fronteiras, Barcelona 2006.  Consultar

http://tinyurl.com/2mlprh .

[35] “The Challenge of Rural enregy poverty in developing countries”.  Consultar em

http://tinyurl.com/2vcu8v

[36] Até o ano de 2005, foram 16 os presidentes eleitos na América Latina que caíram e não mais por golpe de estado, inda que tenha havido tentativas desse tipo na Venezuela e no Haiti, nesse último caso, tendo sido consumado.

[37] Considere-se, para maior precisão e compreensão desse jogo geopolítico, que a Alca passa a ser buscada depois que os Estados Unidos se vêem derrotados na tentativa de implantar um Acordo Multilateral de Investimentos e, daí, sua busca de formação de um bloco regional, o Nafta e, depois, a Alca.

[38] Ao que eu saiba, pela primeira vez na história da América Latina pode-se comprar em bancas de jornais brasileiras revistas especificamente voltadas para de negócios na América Latina.

[39] É que nos Acordos de San José, da OEA, as relações multilaterais não podem envolver Cuba.  Imediatamente o governo venezuelano retirou Cuba do escopo multilateral e estabeleceu um convênio específico com aquele país escapando, assim, de sanções da OEA.

[40] O mapa revela, ainda, a Austrália dispondo de muita terra, mas pouca água.  E a África, ainda que dispondo de grandes extensões de terras em grande parte desérticas, como ao norte, no Saara, e no sul, no Calaari, possui, na sua zona equatorial (Zaire, o Congo, o Gabão), uma grande disponibilidade tanto de terras como de águas.  Na Europa, por sua vez, com exceção da França, a disponibilidade de terras e de água está abaixo da média mundial.

[41] Segundo essa mesma reportagem, o México teria reservas da ordem de 29 bilhões de barris de petróleo em águas profundas na região do Golfo.

[42] Não devemos esquecer que a eleição de Evo Morales se seguiu às derrotas sucessivas empreendidas pelo movimento popular, sobretudo pelo movimento indígena, que impôs a reapropriação nacional dos seus recursos naturais (água e gás, em destaque), além da renúncia de sucessivos governos neoliberais.

[43] Boa parte dos grandes agronegociantes que operam no Brasil vê no IIRSA a possibilidade de integração com a Ásia que, segundo eles, é o grande mercado visado para o etanol e o biodiesel.

[44] Eis aqui evidenciado um dos principais males do eurocentrismo, que, como sabemos, está mais preocupado em transferir sua tecnologia fundada num saber que, segundo crê, é o único universal possível.  Para uma crítica ver “A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais”, de Edgardo Lander (coordenador).

[45] Devemos destacar a selva Lacandona, no México, os bosques tropicais do Petéin, na Guatemala, além dos bosques tropicais dos contrafortes andino-amazônicos e do Pacífico, sobretudo o Pacífico Sul colombiano, e a mata Atlântica brasileira. 

[46] No Brasil, os cerrados e suas áreas de transição ocupam uma área de aproximadamente 300 milhões de hectares e é a mais atingida, desde finais dos anos 1970, pela expansão das monoculturas dos latifúndios empresariais moderno-coloniais dos agronegociantes de soja, milho, algodão, girassol e, agora, cada vez mais de cana, diga-se, de passagem, sobretudo para exportação.

[47] A primeira moderno-colonialidade esteve sob hegemonia ibérica, de finais do século XV aos inícios do século XIX.  A segunda moderno-colonialidade esteve sob a hegemonia dos países da Europa norte-ocidental e, no século XX, dos EUA, principalmente.  Sobre o assunto ver Porto-Gonçalves, 2006.

[48] Indigenato, segundo Darci Ribeiro, eram os camponeses etnicamente diferenciados, termo a que se referia às grandes massas de populações do Peru, Equador, Bolívia, sul do Chile, da Guatemala e do sul do México, sobretudo.  A sociologia latino-americana, cada dia mais se libertando da colonialidade do saber eurocêntrico, deve resgatar essa categoria legada de Darci Ribeiro.  Aliás, a pista conceitual de Darci Ribeiro pode ser estendida ao campesinato de um modo geral, na medida em que o saber local, isto é, o saber culturalmente diferenciado é uma das principais características do campesinato.

[49] Por mais que a tradição hegemônica européia, com seu antropocentrismo, tenha afirmado o papel da dominação da natureza vimos que, lá mesmo na Europa, há outras tradições, entre elas a fisiocracia, que abrem a possibilidade de uma hermenêutica diatópica (Boaventura de Sousa Santos), de uma ética da outridade (Levinas) que bem podem se aproximar da racionalidade ambiental, de Enrique Leff, e de um diálogo entre matrizes de racionalidade diferentes (Leff e Porto-Gonçalves) ou de uma co-existência entre civilizações, como propõe Simon Yampara e outros a partir do mundo andino-amazônico.

[50] O capital parece sem convencer que não consegue viver sem eles, se é que algum dia acreditou verdadeiramente na sua ideologia antropocêntrica, até porque nunca deixou da mandar tropas e estabelecer bases militares para garantir a dominação do homem sobre a natureza, inclusive sobre a natureza diversa de outros homens e mulheres.

[51] Somente alguns exemplos fundamentais da luta política nesse campo e que cada vez mais deve fazer parte da agenda política dos movimentos sociais: 1) a definição físico-química dos motores vai especificar que espécies de plantas são mais propícias à sua produção, o que vai ser determinante para a vida de populações que as dominem ou não, ou tenham seus territórios propícios ou não à sua produção; 2) a necessidade de incorporar, de modo denso e não marginal ou retórico, como hoje, outras fontes renováveis (geotermia, energia eólica, energia das ondas e das marés) à matriz energética, até porque, como vimos, a biomassa é somente uma das fontes a serem consideradas; 3) a busca de motores movidos a eletricidade, sobretudo a baterias; 4) a racionalização no consumo e na distribuição de energia, evitando-se o afastamento do local de produção do local de consumo de energia, onde se dá um grande desperdício de potência.  Tudo indica que a solução do problema passa não só pelo lado da oferta de combustíveis mas, principalmente, pelo lado da demanda, onde não só uma revolução cultural se impõe como a busca de alternativas aos motores Otto e Diesel.  Enfim, definitivamente a luta política haverá que se fazer no campo da luta do conhecimento, em suas aplicações e suas implicações.

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