Informe para a Relatora ONU sobre a situação do campo e os direitos humanos
- Opinión
sobre a situação do campo brasileiro e os direitos humanos
Brasília, 03 de dezembro de 2007
Apresentação
O modo de produção da agricultura brasileira está passando por mudanças de caráter profundo e estrutural. Entre 1930 e 1990, a agricultura brasileira foi dominada pelos interesses da indústria, desenvolvendo um modelo agrícola que combinava a co-existência entre a grande propriedade exportadora e a agricultura familiar.
A grande propriedade produzia para exportar café, açúcar, cacau, carne bovina e, mais tarde, soja e laranja. Os dólares e libras que entravam no país eram usados pela burguesia industrial para financiar a importação de máquinas para as fábricas.
A agricultura familiar, por sua vez, liberava mão-de-obra para as fábricas e produzia alimentos baratos para abastecer os trabalhadores, que viviam na cidade, e garantir que sobrevivessem com salários baixos.
Nesse modelo, ainda havia espaço para uma Reforma Agrária, que chamamos de clássica, na qual a indústria poderia absorver e conviver com a multiplicação do campesinato, que deveria se integrar ao mercado interno.
Nos últimos anos, com a implementação do neoliberalismo, o setor dinâmico da economia, que dirige os demais ramos, tem raiz no casamento do capital financeiro com as grandes empresas transnacionais, que passaram a dominar também a agricultura.
A agricultura brasileira está sob domínio de 50 grandes conglomerados, dos quais alguns são brasileiros, porém associadas a transacionais, que fizeram uma parceria, apoiada pelo Estado e pelos meios de comunicação, com os fazendeiros capitalistas, dando a luz ao modelo do agronegócio.
As empresas do agronegócio controlam o mercado interno e externo, os preços e os insumos industriais. Também produzem os agrotóxicos e máquinas e dominam as grandes redes de agroindústrias, cada vez mais concentradas e centralizadas. Em cada cadeia produtiva, como leite, aves, carne de porco, apenas três ou quatro empresas controlam o mercado e os preços.
A onda dos agrocombustíveis criou uma nova ofensiva de investimentos de capital estrangeiro, sob controle das mesmas empresas. O resultado será maior concentração da propriedade da terra, pois a produção de cana demanda terras férteis e bem localizadas. Com isso, passamos por uma desnacionalização ainda maior de nossa agricultura.
A questão é que o modelo agrícola subordinado à indústria, que combinava a grande propriedade exportadora com agricultura familiar de mercado interno, passou por uma transformação de padrão de dominação, que está nas mãos de grandes empresas internacionais e do capital financeiro, que injeta dinheiro para controlar terras, produção, insumos e o mercado. Atualmente, até a grande propriedade está subordinada a esse complexo, que inclusive reparte os seus lucros.
No modelo conhecido como agronegócio, não há espaço para a agricultura familiar nem mesmo para o fortalecimento do mercado interno, sendo que a tendência é que ela seja empurrada para áreas marginais da economia ou para nichos com maior demanda de mão-de-obra.
Diante disso, não há espaço para a Reforma Agrária dentro de um modelo dominado por empresas transnacionais. Ao contrário, os pobres do campo serão expulsos para as cidades ou terão assistência de medidas de compensação social, como Bolsa Família, Funrural, entre outros.
O impasse que a Reforma Agrária está vivendo agora é o seguinte: a viabilidade de um programa de democratização da terra, divisão das grandes propriedades, mesmo as improdutivas, e a distribuição para os sem terra depende da superação do modelo econômico neoliberal. Portanto, será necessário derrotar os interesses das empresas transnacionais da agricultura e mudar o modelo do agronegócio.
Isso traz conseqüências imediatas para o nosso movimento. Os inimigos da reforma agrária não são apenas os antigos latifundiários atrasados, mas as empresas transnacionais e seus aliados, os fazendeiros capitalistas ditos “modernos”.
Temos que enfrentar uma série de instituições que dão sustentação jurídica ao modelo excludente, como o Estado e o Poder Judiciário; e os que dão sustentação ideológica, como as grandes redes dos meios de comunicação, que defendem o agronegócio como alternativa para o nosso desenvolvimento.
Assim a luta pela Reforma Agrária ficou mais difícil, mas também mais politizada, uma vez que o agronegócio evidencia todos os dias suas contradições. As empresas usam técnicas agrícolas agressoras do meio ambiente, que causam poluição e alteram o clima até nas cidades, expulsam os pobres do campo, fomentando o êxodo rural e ampliando as favelas.
Além disso, tem um alto consumo de agrotóxicos, que afetam a saúde dos consumidores de produtos agrícolas. Ainda por cima, pressionam todos os anos pela liberação de recursos públicos para seus financiamentos e não pagam nunca as suas dívidas.
Queremos apresentar, a seguir, algumas questões que julgamos essenciais no combate às práticas que desrespeitam os Direitos Humanos e asseguram a impunidade aos crimes ambientais. Sabemos da complexidade que envolve o combate às essas praticas, uma vez que envolve os interesses políticos e econômicos de grupos poderosos.
No entanto, ao apresentarmos a situação de exploração a que está submetido o povo brasileiro e os saques das nossas riquezas naturais e ao cobramos providências às autoridades governamentais, esperamos contribuir para a transformação dessa realidade e proporcionar condições de construirmos um país socialmente justo, democrático e soberano.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Brasília (DF), 03 de dezembro de 2007.
Modelo agro-exportador: riqueza e privilégios para uma minoria, à custa da exploração do povo brasileiro e da degradação ambiental.
I – Os monocultivos, a exploração e a modernidade na história do Brasil.
A produção agrícola através de monocultivos é uma das principais inovações do chamado mundo moderno. Antes de ser um fenômeno técnico, que com certeza é, os monocultivos são um fenômeno político. Até sua introdução, primeiro no arquipélago dos Açores, na África, e depois na América, não se conhecia em qualquer lugar do mundo um grupo social, uma comunidade ou um povo que se caracterizasse por tais práticas. Desde o início, a prática dos monocultivos esteve associada a produzir não para si mesmo, mas sim para outrem, no caso para um mercado mundial que começa a se constituir por meio dessas práticas. Até então, seja em comunidades camponesas, seja por outras formações sociais, como as indígenas, por exemplo, as práticas agrícolas sempre se caracterizaram pela diversidade de cultivos e pela associação da agricultura com a criação de animais e com o extrativismo.
A introdução dos monocultivos foi, assim, uma das principais heranças do colonialismo, haja vista que associado a essa prática veio à escravidão e o racismo, fenômenos que, juntos, vão conformar uma estrutura de poder marcada pela violência contra os povos e contra a natureza. Entre nós, na América, a dominação da natureza e toda violência contra ela perpetrada foi, ao mesmo tempo, a violência contra os povos e os trabalhadores escravizados também vistos como desprovidos de cultura. O conquistador/colonizador se arrogando superioridade cultural se dava o direito de dominar a natureza que, aqui, incluía os homens e mulheres que, segundo a sua leitura, não detinham cultura. Violência simbólica e violência física não se dissociam.
Desde o início, a prática de monocultivos esteve associada às mais modernas técnicas de transformação de matérias primas. Ao contrário do que dizem os livros do nível primário ao universitário, os países latino-americanos não eram exportadores de matérias primas, mas sim de açúcar, um produto manufaturado. Portanto, as primeiras manufaturas modernas estavam no Brasil, em Cuba e no Haiti e não na Europa e transformavam a cana de açúcar produzida por meio de monocultivos com base em trabalho escravo. Vê-se, assim, que aquilo que se chama modernidade é, para os nossos povos, marcado por profundo sofrimento, produzido pela violência da escravidão e dos monocultivos.
Há uma linha de continuidade histórica que vem dos mais antigos engenhos, à sua época o que havia de mais moderno, aos atuais latifúndios monocultores dos agronegociantes que, hoje, concentram terras e capital com seus monocultivos de soja, cana de açúcar, eucalipto, algodão, laranja, milho, girassol e outros. Há 500 anos somos modernos! Há 500 anos produzimos com as tecnologias de ponta para o mercado mundial! Há 500 anos experimentamos o lado amargo da modernidade: a colonialidade! O sistema mundo que começa a se constituir a partir de 1492 é um sistema mundo moderno-colonial, e não simplesmente moderno. É somente a partir daí que a Europa passou a ter a centralidade geopolítica e cultural que até hoje mantém e cuja matriz imperial viria partilhar com os Estados Unidos.
A centralidade que a Europa passa a ter com o advento do sistema mundo a partir de 1492 é inseparável da América, da exploração dos seus recursos e das suas gentes originárias e daquele/as que para cá foram trazido/as especificamente para fazerem monocultivos para exportação para saciar a sede de acumulação de uma burguesia branca que, ainda, se revestia de uma missão civilizatória marcada por um componente religioso que legitimava com deus a conquista. Essa dimensão mítico-religiosa está por trás desses monocultivos técnico-científicos que matam e desmatam há 500 anos em “Nuestra América” (José Martí).
II - As Conseqüências Sociais e Ambientais da Prioridade ao Monocultivo
O Brasil é o único dos cinco maiores países em extensão territorial do mundo que não passou por uma reforma agrária ou por uma política sistemática de democratização do acesso à terra, o que por si só indica o papel político central que, em nossa sociedade, cumpre o grande proprietário de terras. Esse fato tem enormes implicações sociais e ambientais haja visto que a conquista de terras nas chamadas áreas de fronteiras continua marcada pela mesma colonialidade que nos caracteriza desde os primórdios da colonização européia. Há um Complexo de Violência e Devastação que se reproduz há 500 anos e que, hoje, tem sua face mais dramática nas áreas de expansão moderno-colonial comandada pelos agronegociantes nos Cerrados do centro-oeste, do oeste baiano, do sul do Maranhão e do Piauí e na Amazônia meridional desde o Acre até o Pará.
As oligarquias brasileiras do agro-negócio – os grandes proprietários rurais, as transnacionais e o capital financeiro - têm sempre pronto o discurso da modernidade tecnológica que praticam há 500 anos. Na voz dessas oligarquias, não há nada mais tradicional do que o discurso invocando o moderno! Suas monoculturas quincentenárias continuam se confrontando com territórios que, longe de serem vazios demográficos, são ocupados por povos indígenas, camponeses, seringueiros, quilombolas, etc. São territórios ocupados exatamente por aqueles que, dado o caráter patrimonialista do Estado brasileiro, são tidos como os sem-direitos, pois mesmo tendo a posse da terra não a têm enquanto direito.
Essas populações camponesas, ao contrário dos monocultivos, vivem da sua criatividade cultural e da produtividade biológica primária que a natureza oferece – biomassa – fazendo uma agricultura diversificada, ainda que, muitas vezes, sobrevivendo em condições piores do que poderiam caso houvesse um conjunto de políticas que pusesse em diálogo a ciência convencional com essa ciência da tradição, como chamam alguns pesquisadores.
Como acontece em toda relação marcada pela dominação/subjugação, ao dominado lhe é negada toda sua potencialidade, para que dele seja extraído o que o dominador impõe. Assim, uma natureza tropical como a nossa, que tem a propriedade de nos oferecer mais de 500 toneladas de biomassa por hectare, como é o caso da floresta Amazônica, teve todo esse potencial produtivo natural ignorado em nome de uma agricultura monocultora que, simplesmente, desperdiça todo esse potencial. E expõe, assim, os solos à erosão, sobretudo em função de não se considerar devidamente o regime de chuvas tropicais que, por aqui, é torrencial. A paisagem, sobretudo em áreas da quase extinta Mata Atlântica, está marcada pela degradação ambiental, que é o efeito ecológico mais deletério dessa agricultura de monocultivos, além da perda da diversidade biológica junto com o extermínio de povos e de suas culturas.
Alertamos a comunidade internacional que as áreas onde hoje estão as maiores disponibilidade de bens genéticos (germoplasma), ou seja, as áreas de maior diversidade biológica são áreas ocupadas por populações camponesas e/ou por populações cultural e etnicamente diferenciadas, como os quilombolas e povos originários. Insistimos que a ideologia e o imaginário conformados em torno de uma presumida superioridade epistêmica, cultural e religiosa européia tende a deslegitimar essas populações tratando-as como inferiores e como estorvo ao seu progresso e ao seu desenvolvimento, assim como tratam a natureza como algo a ser dominado. Como há uma enorme riqueza em diversidade biológica nessas áreas há também um enorme acervo de conhecimentos elaborado por essas populações que não pode e não deve ser desperdiçado. Essas populações e as áreas que ocupam tornam-se estratégicas para conter o Complexo de Violência e Devastação com seus monocultivos moderno-coloniais.
Alertamos para as graves conseqüências, não só para a sociedade brasileira, como mundial, que derivam do modo como esse moderno agronegócio vem alardeando a enorme disponibilidade de terras que o Brasil possui como vantagem comparativa para a produção de agrocombustíveis e de outras e de outras commoditties. ESSAS TERRAS NÃO ESTÃO DISPONÍVEIS. ELAS ESTÃO OCUPADAS POR CAMPONESES, POR QUILOMBOLAS e POR POVOS INDÍGENAS. É uma enorme irresponsabilidade continuar a se propagandear a existência dessas terras como terras disponíveis antecipando, assim, a violência futura.
Alertamos para os conflitos que já vêm envolvendo essas populações e que tendem a se intensificar com a demanda maior por terra, água e sol (fotossíntese), haja visto: (a) o fenômeno que ocorre na China e sua exponencial demanda por matéria e energia; (b) a apropriação da causa do aquecimento pelos grandes proprietários rurais brasileiros, em aliança com os magnatas estadunidenses do complexo da indústria do petróleo e do carvão global, que buscam se legitimarem como ambientalmente corretos por meio dos agrocombustíveis. Com isso, grandes extensões de terras, sobretudo nos cerrados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás já vêm sendo cobertos pelos monocultivos da cana-de-açúcar, deslocando as atividades da pecuária para outras regiões do país - o gado está sendo levado para os cerrados e para a Amazônia. Este processo está realimentando o Complexo de Violência e Devastação conformado, inicialmente, pela grilagem de terras para exploração de madeireira e de carvão vegetal e, completado, seja pela pastagem para criação de gado, seja pelos monocultivos de soja ou de cana de açúcar.
No Brasil, as grandes plantações de monocultivos de plantas para fins madeireiros, como o eucalipto, o pinnus alba e o pinnus eliotis, não se destinam somente à exportação da pasta de celulose, mas também aos grandes complexos minerais, sobretudo siderúrgicos, para a produção de carvão vegetal para produzir ferro gusa, como em Minas Gerais onde já consumiu a vegetação natural de mata e de cerrado, e na Amazônia Oriental onde a Vale do Rio Doce explora o maior complexo minero-metalúrgico do mundo na Serra dos Carajás que, até aqui, veio consumindo a fantástica biomassa da floresta amazônica e que, agora, com seu esgotamento iminente, tende a aumentar a pressão para plantar monoculturas de madeira numa área cuja principal característica é a megadiversidade biológica. Alertamos que, também aqui, a demanda chinesa aquecendo o preço das commoditties tem impulsionado esse Complexo.
Alertamos, ainda, para o silêncio internacional vem ocorrendo num dos mais complexos biomas brasileiros, o Cerrado. Trata-se não só de um bioma de enorme diversidade biológica[1], como também do bioma onde nascem os principais rios formadores de todas as mais importantes bacias hidrográficas brasileiras[2]. O cerrado é “uma caixa d´água”, como bem disse o romancista Guimarães Rosa. O avanço do Complexo de Violência e Devastação sobre a área do Cerrado está levando á poluição, por agrotóxicos, desses rios como também ao desequilíbrio do regime hidrológico da região, com o qual os campesinatos e povos indígenas conformaram suas culturas, posto que os pivôs centrais de irrigação dos grandes monocultivos de soja, algodão, milho, girassol e cana, captam água em profundidade a partir das chapadas - área de recarga hídrica - e, com isso, as fontes e mananciais diminuem sua vazão, as lagoas, lagos, rios e córregos vêm secando. È nessas regiões que os maiores índices de violência contra a população pobre do campo vêm sendo registrados.
Cabe aqui, em respeito aos povos indígenas em geral, uma atenção especial ao povo Karajá do rio Araguaia cuja cultura passa por um momento crucial. Sendo filhos de Aruanã, divindade que habita e provém do fundo do rio, se vêem nesse momento diante da tragédia de verem seus deuses morando em águas poluídas pelos agrotóxicos resultante da expansão das atividades do agro-negócio naquela região. Nos associamos à sua luta por um rio onde os peixes e os deuses vivam e nos proporcionem vida.
III. A Prioridade do agronegócio e das empresas transnacionais
A globalização financeira, econômica e das comunicações implementada em todo o mundo, desde o final da década de 80 do século passado, tem provocado mudanças estruturais adversas nos paises em desenvolvimento. Mudanças essas que facilitam a crescente concentração da renda e da riqueza com seu correlato histórico que é a ampliação das desigualdades econômicas e sociais, tanto nas cidades como no campo.
A reorganização estrutural no meio rural brasileiro daí resultante evidencia as conseqüências nefastas dessa globalização a partir dos interesses das grandes empresas transnacionais. É intensa e crescente a transferência do patrimônio público para o patrimônio privado dos grandes grupos econômicos multinacionais, em particular das terras públicas dos biomas Amazônia e Cerrado.
Essa atuação dos capitais estrangeiros no meio rural brasileiro ocorre sem o adequado controle público, conforme a denuncia do juiz aposentado Walter Fanganiello Maierovitch, especialista no assunto e presidente do Instituto Giovanni Falconi: “(...) O agronegócio é a atividade mais atrativa no momento pela simples razão de que não há sinergia entre os órgãos públicos encarregados de investigar, e o controle dos produtos é meramente formal... As transações de compra e venda de terras são efetivadas apenas nos cartórios de registro e, a rigor, cada um declara o que e como quer (...) Um dos magistrados que mais têm combatido a lavagem de dinheiro no país, o juiz federal Odilon de Oliveira diz que está mais do que na hora de o governo e os órgãos de repressão olharem para o agronegócio também como um nicho atrativo para a ilegalidade”. [3]
Não se desnacionaliza tão somente a terra rural, mas também as sementes e a maior parte das empresas, já concentradas, do agronegócio como aquelas dos setores soja e derivados, carnes e couros, madeira, celulose e papel, assim como o açúcar e etanol. E, sendo que 75% das exportações brasileiras do agronegócio são representadas por esses quatro setores, é evidente a dependência desses negócios ao interesses dos grandes capitais multinacionais, afetando sobre maneira não apenas a soberania alimentar como a nacional.
Exemplo dessa dependência é o comércio da soja e derivados. Apenas 4 grandes empresas multinacionais (Cargill, ADM, Bunge e Dreyfus) compram 66% da soja brasileira, além de controlarem completamente o mercado exportador nacional.
A lógica dominante é de que quanto mais os estrangeiros investirem dinheiro no país e melhor andarem seus negócios, mais lucros terão para remeter às suas matrizes. Como a economia brasileira é bastante internacionalizada --- o estoque de investimento estrangeiro no país só é menor do que o da China entre os emergentes ---, as gigantescas, e imorais, remessas de lucros para o exterior batem recordes todos os anos. [4] As empresas transnacionais repetem hoje os saques das riquezas nacionais feitos pelas naus no período colonial.[5]
Essa expansão das grandes empresas multinacionais no rural brasileiro acentua a tendência histórica brasileira de perpetuação do latifúndio e da monocultura, motivo pelo qual o Brasil apresenta a segunda maior concentração de terras do mundo (Índice de Gini 8,54 em 2006). E, induz, pela pressão internacional, ao ajuste das macropolíticas governamentais sejam aqueles de financiamentos sejam aquelas que deveriam regulamentar as atividades econômicas. Os Governos tornam-se reféns dos macros interesses do capital financeiro internacional e, no caso, das grandes empresas multinacionais do agronegócio.
Nesse contexto, a reforma agrária é relegada a plano secundário porque as terras rurais brasileiras agricultáveis estão em disputam pelos grandes capitais internacionais. E, como conseqüência dessa estratégia cresce a exclusão social dos camponeses, a superexploração dos assalariados rurais, desagregação étnica e social dos povos indígenas e dos quilombolas, e a indiferença dos organismos do Estado perante os conflitos sociais de luta pela terra e pela justiça social no campo.
IV – O Programa de “Biodiesel” do Governo Federal
23. O Governo Federal está desenvolvendo um programa para substituição de parte dos combustíveis derivados do petróleo. Para isso, adotou medidas políticas que determinam que, em 2008, serão adicionados 4% de óleo de origem vegetal ao petróleo - processo que chamou de “biodiesel”. Em continuidade, irá aumentar na proporção aproximada de 2% ao ano, podendo atingir a 10% em 2010.
E, imaginando incentivar a agricultura familiar, determinou que as empresas que refinam e comercializam o biodiesel, comprem 20% da sua demanda dos pequenos agricultores.
Complementarmente, segue a política de utilizar ao redor de 24% de álcool etanol, de origem da cana-de-açúcar, na composição da gasolina.
24. Com o estimulo à produção do etanol, as empresas de capital internacional e grandes grupos nacionais intensificaram a compra de terras e de usinas, a partir da cana-de-açúcar. As metas são de duplicar a área cultivada de cana, passando dos atuais 6 milhões de hectares para 12 milhões, em especial na região centro-sul do país, nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato grosso e Mato Grosso do sul.
E, através da Petrobrás, o governo está construindo dois grandes alcoodutos, com mais de 1500 km de extensão. O primeiro, irá ligar a cidade de Senador Carneiro, em Goiás, até o porto de Santos, em São Paulo. E, o segundo, partirá da à região de Cuiabá-MT até o porto de Paranaguá-PR. Ao longo desses alcoodutos se instalarão mais 77 usinas de produção de etanol para exportação.
Muitas empresas, para cumprir a medida governamental que determina a obrigatoriedade de adquirir parte da produção de óleos vegetais dos agricultores familiares, fizerem contratos lesivos aos agricultores, que se obrigam a fornecer a matéria-prima para o biodiesel - a mamona, por exemplo - em condições de superexploração. Isso vem acontecendo, em especial, com a empresa Brasil Eco-diesel, no estado do Piauí.
Toda essa expansão do agro-negócio destina-se unicamente ao atendimento da demanda do mercado externo, uma vez que o mercado nacional já está abastecido pela atual produção. Assim, alertamos a comunidade internacional sobre as graves conseqüências sociais e ambientais com a expansão e multiplicação de grandes áreas agrícolas para o monocultivo da cana-de-açúcar. Conseqüências tais como:
Toda produção de etanol está se expandindo com base na monocultura da cana-de-açúcar, com a expansão em áreas contínuas de 5mil a 15 mil hectares.
A produção de cana está ocupando as terras mais férteis da região citada acima.
Como os importadores estão oferecendo bons preços para o etanol exportado, a taxa de lucro da cana aumentou, e, conseqüentemente, elevou a taxa media de lucro na agricultura da região, elevando por si só os preços dos demais produtos agrícolas. Isso tem afetado, em especial, os preços do milho, do leite e da mandioca, que são produtos alimentícios da cesta básica do povo brasileiro.
A expansão da área de plantio da cana, na forma de monocultivo, afeta significativamente o meio ambiente, pela destruição da biodiversidade em amplas regiões. Esse monocultivo, segundo estudos da Unesp, na região de Ribeirão Preto-SP, tem alterado o aquecimento do clima e o ciclo das chuvas. Também tem afetado os lençóis de águas subterrâneas, pois a cana absorve muita água do subsolo. Em Ribeirão Preto, principal região canavieira do estado de São Paulo, a companhia de abastecimento de água potável a cada ano necessita aprofundar em mais 70 metros a perfuração dos poços artesianos, em função do escasseamento da água.
Há superexploração da mão-de-obra utilizada no corte da cana-de-açúcar. Os trabalhadores e trabalhadoras vivem em condições precárias dos alojamentos - a maioria são migrantes temporários, de regiões pobres do nordeste - têm direitos trabalhistas desrespeitados e são submetidos a jornadas de trabalho que tem levado, inclusive, à morte por exaustão.
Os povos Guaranis, do Mato Grosso do Sul, sofrem condições de trabalho degradante, impostas pelas usinas instaladas na região de Dourados-MS, preocupadas unicamente em maximizar seus lucros.
O monocultivo da cana utiliza, em proporções impressionantes e cada vez quantias maiores, de agrotóxicos, envenenando o meio ambiente e as terras. Segundo dados das próprias empresas fabricantes, o Brasil deverá dobrar o consumo de venenos agrícolas nos próximos três anos. Assim, se transformará, até 2010, no maior consumidor mundial de agrotóxicos, com enormes conseqüências para o meio ambiente e para saúde publica.
Desde o governo FHC (1995-2002), há a Lei Kandir que isenta totalmente de impostos os produtos agrícolas e minerais exportados. Assim, toda produção e exportação de etanol, com seu alto custo social e ambiental, não reverte em benefício para a sociedade brasileira uma vez que está isenta de impostos.
Em função da política de estímulos - financiamento dos bancos governamentais, com baixos juros – e a perspectivas de grandes lucros em curto prazo de tempo, impulsionou os grandes investidores e os fundos de especulação financeira, da Europa e dos Estados Unidos, a vir no Brasil comprar terras, usinas e a controlar a produção de etanol. Somente no ano de 2007, foram investidos mais de 5 bilhões de dólares com esses objetivos.
26. Em resumo, a produção de etanol irá gerar uma maior concentração da propriedade da terra e da renda, a desnacionalização da produção de açúcar e de álcool, maior desemprego, aumento do uso de agrotóxicos, maior agressão ao meio ambiente, e, certamente, contribuirá também para o aquecimento da temperatura nas regiões de monocultivo de cana e, conseqüentemente, no planeta.
V - A Política que não protege o meio ambiente e a Amazônia
27. Para uma melhor compreensão dos descaminhos da política ambiental na Amazônia brasileira, deve-se levar em conta dois vetores principais: 1) o não cumprimento da legislação ambiental por parte dos empreendimentos vinculados ao agro-negócio (madeira, pecuária extensiva e soja), garimpo, mineração e guzeiras, que em seu conjunto, mantém em ritmo acelerado o processo de exploração predatória dos recursos naturais e dos povos que vivem na região; 2) as desregulamentações na legislação ambiental, como a aprovação da Lei 11284/2006, que visa facilitar e incentivar o acesso de grandes grupos de capitais privados à exploração madeireira em larga escala, nas unidades de conservação de uso direto.
28. No que diz respeito ao primeiro vetor, as responsabilidades devem ser atribuídas ao atual governo brasileiro por ter optado pela continuidade e reforço nas ações dos governos passados, como bem expressa o Plano Plurianual 2004-2007. A ênfase na exportação de produtos primários, visando à elevação do superávit na balança comercial e realização de obras de infra-estrutura de grande impacto socioambiental, têm sido sustentadas através de uma forte articulação entre poder público, empresas exportadoras e oligarquias locais. O fortalecimento da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), ligada à mineração, e do grupo Blairo Maggi, ligado ao agro-negócio da soja, expressam alguns dos exemplos mais notáveis dessa política.
29. Quanto ao segundo vetor, as responsabilidades devem ser atribuídas ao governo brasileiro e a um conjunto complexo de instituições e organizações internacionais que têm pautado a política ambiental brasileira na última década. Tal política caracteriza-se essencialmente pela defesa ortodoxa do “mercado” como referência para o “uso sustentável" dos recursos naturais. Essa interferência explícita e direta na política ambiental inicia com o Banco Mundial através do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais-PPG7PG7 desde 1992 e se aprofunda no período mais recente.
30. Trata-se de um processo marcado pelo aumento estupendo do poder de influência de grandes agências e organizações não-governamentais, contrastando com a perda de soberania das populações locais e suas organizações representativas nas tomadas de decisões relativas às questões ligadas às políticas de desenvolvimento e meio ambiente na Amazônia. A lei 11284/2006 e a recente proposição de um conjunto de diretrizes intitulada “Desmatamento Zero na Amazônia”, expressam com nitidez esse processo, ambas foram elaboradas à revelia das populações locais.
31. Em suma, é na conjugação desses dois vetores que podemos encontrar as causas das centenas de conflitos socioambientais existentes atualmente na Amazônia brasileira. Embora não haja precisão no registro desses conflitos, em 2006 a FASE divulgou um “Mapa dos Conflitos Socioambientais” localizando 675 casos. O que os distingue daqueles ocorridos no passado recente (décadas de 1970-90), é o fato de estarem ocorrendo também, e em escala crescente, nas áreas que vigoram políticas e estratégias de desenvolvimento “compartilhadas” entre o governo brasileiro, instituições e organizações não-governamentais internacionais e suas subsidiárias sediadas em terras amazônicas. Referimo-nos em especial aos crescentes conflitos nas áreas onde ocorrem os chamados “planos de manejo florestal madeireiro”, sejam eles “comunitários” ou empresariais. Com nova roupagem, reproduz-se a exploração e o desrespeito aos direitos humanos das gentes que vivem nas matas, campos e periferias urbanas na Amazônia.
VI - A política irresponsável de liberação das Sementes transgênicas
32. O tema do acesso às sementes, como direito básico dos agricultores, está na pauta das organizações das trabalhadoras e trabalhadores rurais. Em manifestações públicas recentes, essas organizações não separam o direito às sementes do reconhecimento e do exercício de outros direitos correlacionados, que condicionam o pleno acesso aos recursos da biodiversidade. A presença crescente desse tema entre os camponeses decorre do avanço do agronegócio e da forma como ele se apropria e ao mesmo tempo devasta os territórios. A privatização das sementes, tidas pelos camponeses como bem culturais e recurso material e econômico, viola as condições de sua própria existência.
33. As empresas transnacionais de biotecnologia encontraram no advento da transgenia justificativa técnico-científica para buscar controle monopólico das sementes, através de seu patenteamento. A operacionalização desse monopólio se dá através da moldagem de leis nacionais e de acordos internacionais sobre propriedade intelectual.
34. Experiências do mundo todo mostram que a dita coexistência entre diferentes sistemas de produção (transgênicos, orgânicos e convencionais) é impossível, e que após liberados, os transgênicos contaminaram as outras formas de agricultura.
35. A inevitável contaminação genética imposta aos agricultores tende a aumentar com a liberação do milho transgênico e com a continuidade da omissão do Estado, que tem se mostrado condescendente com o contrabando e a difusão ilegal de sementes transgênicas.
36. Além da exposição aos riscos inerentes dos transgênicos à saúde e ao meio ambiente, muitos dos quais ainda desconhecidos, a contaminação por transgênicos pode ocasionar a perda de variedades de sementes locais e expor o agricultor a penalidades judiciais por infração de patentes. O agricultor perde seu direito de escolher o que plantar e colher e de converter sua propriedade para a agroecologia. Os consumidores, na outra ponta, perdem o direito de optar por alimentos agroecológicos e livres de transgênicos.
37. Em síntese, denunciamos o apoio dado à liberação do plantio comercial de sementes transgênicas pelo atual governo brasileiro, como uma enorme ameaça aos recursos da biodiversidade, à soberania e segurança alimentar da população e aos direitos dos agricultores.
VII - Trabalho Escravo no Brasil
38. Há, no Brasil, em pleno século 21, trabalhadores e trabalhadoras rurais que vivem em condições análogas a da escravidão. São situações caracterizadas pela coerção moral ou física, cerceamento da liberdade, presença de pessoas armadas no ambiente de trabalho, não recebimento de salário e ciclo de dívidas dos trabalhadores com patrões, ou seja, são obrigados a comprar produtos (como alimentos e material de higiene) no local de trabalho.
39. Segundo a Procuradoria Geral do Trabalho, as principais formas de coação denunciadas são: obrigar os trabalhadores a fazerem dívidas com transporte e compra de alimento a preços exorbitantes, sem que consigam quitá-las; ameaças de morte e de espancamento caso tente fugir do local de trabalho; agressão física; restrição do direito de ir e vir por ser de difícil acesso o local de trabalho; alojamentos inadequados; falta de água potável; alimentação precária; contratos de trabalho irregulares.
40. De 1995 a setembro de 2007, mais de 24 mil trabalhadoras e trabalhadores rurais foram encontrados nessas condições de trabalho e foram libertados pelas autoridades governamentais.
41. Cabe ressaltar que essa prática de escravizar a mão-de-obra não se restringem aos rincões do país e nem aos grandes proprietários rurais atrasados. É uma prática espalhada em todas as regiões geográficas do país – inclusive nos grandes centros urbanos, onde as vítimas são imigrantes de outros países latino-americanos – e junto a setores mais modernos do modelo agro-exportador brasileiro. Uma pesquisa da Repórter Brasil mostra que a pecuária ainda é líder no ranking do trabalho escravo, representando 62% dos casos no Brasil. Em seguida, vem a produção de carvão (12%), de soja (5,2 %), de algodão (4,7%) e de milho (3,1%). [6]
42. A Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 24 de outubro de 2007, o requerimento de criação da Subcomissão Temporária de Combate ao Trabalho Escravo, Degradante e Infantil. A proposta de abertura da subcomissão foi apresentada pelo deputado Paulo Rocha (PT-PA), autor primeiro da proposta de emenda constitucional (PEC) que prevê a expropriação da terra em que for constatada a prática do trabalho escravo - inicialmente identificada com o número 232/1995 e depois apensada à PEC 438/2001 do senador Ademir Andrade (PSB-PA). A criação da subcomissão faz parte de um movimento de reação, após o caso da fazenda Pagrisa (descrição em anexo), de deputados engajados no combate ao trabalho escravo e que tentam se rearticular para a aprovação da PEC, que tramita há anos.
43. Denunciamos a morosidade do Congresso Nacional em aprovar essa importante Emenda Constitucional e, principalmente, a atuação da denominada bancada ruralista de parlamentares, identificados com os interesses do agronegócio, para dificultar sua aprovação.
VIII - A impunidade
44. A impunidade nos crimes praticados pelos proprietários de terras e por agentes do Estado - polícia civil, polícia militar - contra trabalhadores rurais sem terra é uma das principais causas da permanente violência no campo.
45. A instrumentalização do Estado pelas oligarquias rurais e, em outras vezes, a ausência de Estado, criam as condições propícias para a impunidade aos crimes ambientais, contra as trabalhadoras e trabalhadores rurais, perpetuando a prática grilagem de terras e a manutenção de bandos de jagunços armados a serviço do latifúndio.
46. Vale destacar o papel central do Poder Judiciário como aparelho repressivo contra as lutas dos trabalhadores e responsável pela impunidade nos crimes praticados pelos proprietários de terras e agentes do Estado.
47. Para confirmar, vamos tomar como exemplo, a atuação do Poder Judiciário no processo que apurava a responsabilidade dos policiais militares, oficiais, secretário de segurança do Estado do Pará e do Governador do Estado Almir Gabriel no massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido no dia 17 de abril de 1996. Neste caso o responsável direto pela absolvição dos agentes do Estado foi o Poder Judiciário.
48. No primeiro julgamento que foi realizado em 1999, o Juiz Ronaldo do Valle agiu abertamente para beneficiar os acusados. Os advogados recorreram ao Tribunal de Justiça e o juiz foi afastado do caso. Depois deste episódio, outros 19 juizes da Comarca de Belém (comarca responsável pelo julgamento) se declararam impedidos por motivos de foro íntimo para conduzirem o julgamento. Depois de algum tempo, a juíza Eva Coelho do Amaral assumiu a responsabilidade pelo julgamento do processo e como primeira providência decidiu retirar do processo a principal prova contra os policiais – uma fita de vídeo e perícia feita pela Universidade de Campinas – que indicava o exato momento em que os iniciaram os disparos contra os trabalhadores.
49. Finalmente, os todos os policiais, com exceção de dois oficiais, foram absolvidos, porque o juiz Roberto Moura, decidiu julgar todos os 145 policiais em apenas 5 sessões, com isso, impossibilitou o trabalho do Ministério Público na individualização das condutas dos criminosos. Hoje o processo se encontra no Superior Tribunal de Justiça – STJ, aguardando julgamento dos recursos para anular a absolvição.
50. Assim como o caso relatado, outros diversos casos de mortes de trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra ocorridos, líderes sindicais e agentes de pastorais, no Brasil, possuem como causa a impunidade porque os proprietários de terras e os agentes do Estado sabem que dificilmente serão condenados e presos por esses crimes.
Conclusão
Estamos de pleno acordo com a Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), Dra. Louise Arbour, quando afirma que “(...) a ligação entre a pobreza e a privação de direitos continua à margem dos debates de políticas e do desenvolvimento de estratégias”. E, ainda mais, quando ressalta a necessidade do Estado proteger suas populações contra a pobreza e exclusão e a criar condições propícias para que “(...) os mais pobres ajudem a dar formas às políticas de concretização dos seus direitos e procurem corrigir abusos”.
Ao longo dos quinhentos anos da nossa história, desde que chegaram a essas terras os colonizadores europeus, rumamos em sentido contrário a este propósito: nossas riquezas estiveram sempre em benefício de uma minoria privilegiada da população brasileira e dos interesses do mercado externo. Já é hora do povo brasileiro promover um ajuste com sua história, onde as enormes potencialidades e riquezas naturais estejam em consonância com políticas de distribuição de renda e de riqueza.
É com esse objetivo que buscamos promover a luta pela reforma agrária e contra o atual modelo agrícola agro-exportador. Acreditamos na capacidade dos seres humanos de construir políticas que associem os desenvolvimento econômico com os princípios da igualdade social e em respeito e harmonia com a natureza. Às vésperas das comemorações dos 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos é este o sonho que alimenta a nossa luta.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Brasília (DF), 03 de dezembro de 2007
Anexo: Casos Emblemáticos
Trabalho Escravo
1.1 - Unaí - MG
Em 28 de janeiro de 2004, um carro da equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego – onde estavam os funcionários Aílton Pereira de Oliveira, Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages, que realizavam uma fiscalização rural de rotina – sofreu uma emboscada em Unaí, em Minas Gerais. Três deles morreram na hora. O motorista, Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e chegar à estrada principal, onde foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, não resistiu e faleceu no início da tarde. Antes de morrer, descreveu a emboscada. As investigações da Polícia Federal, encerradas seis meses depois, no segundo semestre de 2004, apontaram como mandantes dos assassinatos os fazendeiros Norberto e Antério Mânica, que figuram entre os maiores produtores de feijão do mundo. Ambos chegaram a ser presos, mas hoje respondem ao processo em liberdade. Após isso, Antério foi eleito prefeito de Unaí pelo PSDB, com 72,37% dos votos válidos, ganhando fórum privilegiado. Também estão envolvidos os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva, o Júnior, Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda; o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro, conhecido como "Chico Pinheiro", e os intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Esse último, ao lado dos irmãos Mânica, são os únicos a responderem ao processo em liberdade. Dos nove envolvidos, nenhum foi julgado - entre eles, Antério e Norberto Mânica.
1.2 – Usina PAGRISA
Em julho de 2007, ficais do Ministério do Trabalho libertaram 1108 trabalhadores que faziam a colheita da cana para a usina Pagrisa, que produz etanol no município de Ulianópolis (Pará). Esta operação, a maior realizada até hoje, gerou forte reação contra o Grupo Móvel por parte de senadores ligados à bancada ruralista. De acordo com a Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE, a visita dos senadores, que atacaram a fiscalização, instalou um clima de insegurança que colocou em risco a continuidade das operações. O Ministério Público ajuizou ação penal por trabalho escravo contra Murilo Vilella Zancaner, Fernão Villela Zancaner e Marcos Villela Zancaner, proprietários da Pagrisa. Eles são acusados de frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho (artigo 203 do Código Penal), expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente (artigo 132) e reduzir alguém a condição análoga à de escravo (artigo 149). De acordo com a assessoria do MPF, a gravidade dos crimes cometidos pelos irmãos Zancaner justifica a aplicação da pena máxima de 15 anos de prisão.
1.3 - Usina DEBRASA:
O mais recente caso de trabalho escravo no Brasil ocorreu na Usina Debrasa. No dia 13 de novembro de 2007, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, composto por Auditores Fiscais do Trabalho, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal interditou esta usina, que pertence a Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool/Agrisul, em Brasilândia, município localizado a 400 quilômetros de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Segundo informações do Grupo Móvel, cerca de 800 trabalhadores indígenas foram encontrados em condições degradantes: alojamentos precários e sem higiene, esgoto a céu aberto, sem condições sanitárias adequadas e constante falta de água. O transporte era precário, realizado por veículos sem segurança e sem autorização para transporte de trabalhadores. Também foi constatado atraso no pagamento de salários e o não recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Na área industrial, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel identificou excesso de vazamento nas tubulações, alto de nível de ruído e presença de bagaços de cana livres no ar (situação que pode provocar doenças respiratórias como a bagaçose), além da falta de sistema de combate a incêndio, entre outras irregularidades. Após a fiscalização, a Auditoria-Fiscal do Trabalho interditou os alojamentos e as frentes de trabalho. Essa empresa já foi denunciada e autuada várias vezes por infringir normas de proteção ao trabalhador, atraso de pagamento de salários e descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho.
2. A Poluição do Diesel no Brasil
O Doutor Paulo Salvidar, médico especialista em doenças da poluição vem denunciando de que a Petrobras, coloca no mercado brasileiro um óleo diesel, que é utilizado por caminhões e ônibus nas grandes cidades, com particulares poluentes acima do permitido pela Organização Mundial da Saúde. E segundo esse médico, nos meses de inverno, em que não há chuva em São Paulo, morrem ao redor de 80 pessoas por mês, em conseqüência dessas enfermidades da poluição do diesel, que se morassem em outra cidade não morreriam.
3. Syngenta: Crime Ambiental e Assassinato
Para denunciar os crimes ambientais cometidos pela empresa Syngenta Seeds, em março de 2006, militantes da Via Campesina ocuparam a área de sua fazenda experimental em Santa Tereza do Oeste, no Paraná. A empresa foi multada em R$ 1 milhão pelo Ibama por manter experimentos ilegais com transgênicos e posteriormente foi expedida a desapropriação da área para a criação de um centro de agroecologia.
A Syngenta não pagou a multa, e em outubro de 2007 o MST e a Via Campesina decidiram por nova ocupação da área, meses após terem cumprido ordem judicial de despejo. Após a ocupação, pistoleiros abriram fogo contra os trabalhadores. Valmir Mota de Oliveira, 42 anos, conhecido como Keno, liderança do MST na região, foi executado à queima roupa por funcionários da empresa NF Segurança, contratada pela Syngenta em conjunto com a Sociedade Rural da Região Oeste e o Movimento dos Produtores Rurais (MPR), ligados ao agronegócio. Em depoimento à polícia, o proprietário da NF confirmou ser contratado pela Syngenta para prestar serviços de segurança na fazenda experimental.
[1] O bioma Cerrado é o único bioma que tem contato com todos os outros biomas brasileiros, a saber, o Amazônia, a Mata Atlântica, a Caatinga e a Mata de Araucária no sul.
[2] A saber: para o Araguaia e Tocantins; para a bacia amazônica (os rios Xingu, Tapajós e o Madeira); para a Bacia do Paraná (os rios Grande e Paranaíba); para a Bacia do Paraguai (o rio Cuiabá entre outros); para a Bacia do São Francisco; para a Bacia do Mearim no Maranhão; para a bacia do Parnaíba que corre para o Piauí.
[3] Vasconcelos Quadros, “Sem controle, agronegócio é a mais atrativa lavanderia”, in Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1/7/2007.
[4] In “Remessa de lucro triplica no governo Lula”. Folha Online, 25/12/2006 - 10h35, reportagem de Sandra Balbi.
[5] De acordo com Banco Central do Brasil, a previsão de remessa de lucros e dividendos deste ano foi ampliada de US$ 15,7 bilhões para US$ 16,5 bilhões. Para o ano que vem, o Banco Central prevê a saída de US$ 16,8 bilhões. “Empresas triplicam remessa de lucros no governo Lula”, in Folha Online, 16/10/2007. Reportagem de Ney Hayashi da Cruz e Fernando Nakagawa.
[6] As principais denúncias da Comissão Pastoral da Terra e do Ministério Público são referentes ao: Sul e Sudeste do Pará – madeireiras; Mato Grosso do Sul – carvoarias; Tocantins - extração de madeira e mineração; Maranhão - carvoarias e agricultura; São Paulo – confecção; Rio Grande do Sul - colheita de maçã.
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