Papa no Brasil: Manchetes e realidade

15/05/2007
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Pelas manchetes da mídia, a visita de Bento XVI ao Brasil resultou em condenações ao aborto, divórcio, fim do celibato sacerdotal, e à Teologia da Libertação, atuação da Igreja na política e nos movimentos sociais. De fato, a presença do pontífice entre nós mobilizou multidões e o fez experimentar a calorosa acolhida do povo brasileiro.

Porém, muitos não foram às ruas por serem católicos, e sim por estarem diante de uma celebridade alvo de toda a mídia e imantada pela aura divina. Basta conferir a missa de domingo em Aparecida, na qual eram esperados, no mínimo, 500 mil fiéis. Compareceram no máximo 150 mil.

Bento XVI se considera um cruzado investido da missão de salvar a Igreja diante desse mundo “secularista, hedonista, relativista”, termos repetitivos em seus pronunciamentos. Sua ótica do mundo atual é pessimista, ao contrário do apóstolo Paulo, que via a graça divina se sobrepor ao pecado (Romanos 5,20).

Sua visão de Igreja é pré-conciliar, centrada na prática individual das virtudes, refém de um moralismo capaz de condenar o sexo antes do casamento e, contudo, manter-se quase indiferente ao que os bispos do Continente, reunidos em Medellín (1968), qualificaram de “pecados estruturais”, como a exploração econômica, o latifúndio, o desemprego e o neocolonialismo.

O papa decepcionou aqueles que esperavam dele uma condenação explícita da Teologia da Libertação. Se o fizesse, estaria contradizendo João Paulo II, que em carta dirigida aos bispos brasileiros, a 9 de abril de 1986, declarou: “Estamos convencidos, nós e os senhores, de que a Teologia da Libertação é não só oportuna, mas útil e necessária. Ela deve constituir uma nova etapa – em estreita conexão com as anteriores – daquela reflexão teológica iniciada com a tradição apostólica e continuada com os grandes padres e doutores, com o magistério ordinário e extraordinário e, na época mais recente, com o rico patrimônio da doutrina social da Igreja expressa em documentos que vão da Rerum Novarum a Laborens Exercens.”

Ao falar aos 170 bispos latino-americanos e caribenhos, na abertura do encontro que os reúne em Aparecida até o próximo dia 31, Bento XVI alertou que “cresce a distância entre pobres e ricos” e reafirmou que “a opção pelos pobres está implícita na fé cristológica”, ou seja, não se pode considerar cristão quem não se pauta por priorizar a defesa dos direitos dos oprimidos e excluídos, com os quais Jesus se identificou (Mateus 25, 31-44). Frisou que a Igreja é “advogada da Justiça e dos pobres”.

O caráter laico da sociedade moderna incomoda ao papa. Ele gostaria que as escolas públicas do Brasil ensinassem catolicismo. Felizmente o presidente Lula rejeitou a proposta e reafirmou a laicidade do Estado brasileiro. Porém, não deveria o papa se perguntar como as escolas católicas formam na fé os seus alunos? Por que tantos políticos corruptos e criminosos de colarinho branco são ex-alunos de colégios católicos?

Ao mencionar a esfera política, o papa mostrou-se confinado à teologia liberal européia, em especial à alemã. É preciso esclarecer que, no país natal de Ratzinger, todos os pastores, católicos e protestantes, são funcionários do Estado, ou seja, remunerados com dinheiro público. Daí o silêncio das Igrejas frente às mazelas do governo alemão.

Como pretender que a Igreja seja apolítica? Se silencia, aprova, legitima o poder vigente, como foram os casos dos bispos na Espanha sob a ditadura de Franco e no Chile sob a de Pinochet. E ao denunciar, estaria fugindo de sua missão? Ora, clamar contra as injustiças, como faz no Brasil a CNBB, é exigência profética da fé cristã. Convém não esquecer que todos nós, cristãos, somos discípulos de um prisioneiro político. Jesus não morreu enfermo na cama, mas preso, torturado e condenado à pena capital por dois poderes políticos!

Diante das injustiças, se a Igreja se calar, disse Jesus, “as pedras gritarão” (Lucas 19,40). Não se trata de a Igreja assumir este ou aquele partido, incensar ou excomungar o capitalismo ou o socialismo. O papel da Igreja é estar a serviço e em comunhão com o povo, sobretudo os mais pobres. Se o sistema e o governo estiverem também próximos ao povo, haverão de manter boas relações com a Igreja. Mas se forem contra os interesses populares, terão de encarar a Igreja como uma pedra no sapato.

É sintomático que, no dia seguinte à despedida do papa, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, um dos mandantes do assassinato da irmã Dorothy Stang, tenha sido levado a julgamento em Belém (PA). A religiosa, que dedicou sua vida aos sem-terra, foi morta com seis tiros, em Anapu (PA), a 12 de fevereiro de 2005. Tivesse ousadia profética, Bento XVI teria unido a santidade de frei Galvão, primeiro brasileiro canonizado, semana passada, ao martírio de irmã Dorothy. E não duvido que os fazendeiros do consórcio latifundiário que mandou matá-la se consideram todos católicos... Bida foi condenado a 30 anos de prisão no dia 15 de maio.

- Frei Betto é escritor, autor da biografia de Jesus “Entre todos os homens” (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/121131
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