Reforma agrária, promessa de Lula não cumprida
- Opinión
Durante jornada de lutas, MST critica ausência de perspectivas para as 140 mil famílias sem-terra acampadas
Além do latifúndio, as 140 mil famílias de sem-terra acampadas em todo o país elegeram um novo inimigo que impede a realização da reforma agrária: as transnacionais. Durante todo o mês de abril, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizam a Jornada Nacional pela Reforma Agrária, que esse ano tem entre suas reivindicações além da criação de novos assentamentos o "enfrentamento com o capital internacional representado pelas transnacionais", explica em entrevista ao Brasil de Fato, Marina dos Santos, da coordenação nacional do MST. De acordo com ela, o movimento incluiu nas mobilizações a luta contra as transnacionais que, aliadas aos grandes fazendeiros, "impõem um modelo de monocultura no país para produzir para o mercado externo". Desde o início de abril até o fechamento dessa edição, o MST realizou ocupações, marchas e protestos em 17 estados. As mobilizações pela reforma agrária no país acontecem tradicionalmente em abril, em homenagem ao massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 17 de abril de 1996, quando 19 sem-terra foram mortos pela polícia. Ninguém está preso.
Brasil de Fato- Qual foi a pauta da Jornada Nacional pela Reforma Agrária de 2007 e no que foi diferente das mobilizações dos anos anteriores?
Marina dos Santos- A principal reivindicação das mobilizações desse ano é em torno de um projeto de reforma agrária que vise a democratização da propriedade da terra, a reorganização da produção agrícola prioritariamente para a produção de alimentos. Reivindicamos também uma reforma agrária vinculada à educação, com novos tipos de assentamentos, com instalação de agroindústrias cooperativadas, utilizando novas técnicas agrícolas sem agrotóxicos. A jornada desse ano também está marcada por mobilizações em todo o país em torno do Massacre de Eldorado dos Carajás, que completa 11 anos sem que nenhum responsável, assassino tenha sido punido. Outro aspecto das mobilizações é o enfrentamento ao capital internacional que está transvestido nas transnacionais que dominam a agricultura e as sementes, a natureza e a água.
BF- Quais são as perspectivas do MST para o segundo mandato do governo Lula em relação à questão agrária?
Marina- O que está colocado é a falta de perspectiva apresentada pelo governo neste tema. Estamos quase no final de abril e o governo não apresentou nenhuma proposta do que vai fazer com a reforma agrária, seja para o segundo mandato, seja para esse ano. Por outro lado, há uma disputa de projetos para a utilização das terras, dos recursos naturais, da produção agrícola. De um lado, estão os fazendeiros capitalistas, que se aliaram às transnacionais e ao capital internacional para produzir para o mercado externo, e por outro lado estão os trabalhadores rurais que têm propostas de reforma agrária.
BF- Como você vê a relação do governo com setor sucroalcooleiro, explicitada nas recentes declarações do presidente Lula de que os usineiros são os "heróis" nacionais?
Marina -Temos percebido - tanto pelas falas do presidente como pelos grandes investimentos que os usineiros têm recebido principalmente por meio do BNDES (em especial nesse início de ano), e pelo o prolongamento e renegociação das dívidas dos grandes proprietários de terra - que há uma opção clara desse governo em torno dos projetos das grandes empresas, das transnacionais e do agronegócio em detrimento das políticas de reforma agrária e de fortalecimento da agricultura familiar camponesa no país.
BF- Quais são as principais demandas que o MST está levando ao governo? A atualização do índice de produtividade foi uma das reivindicações da Marcha Nacional em 2005, mas até hoje não foi atendida.
Marina- Esse é um item fundamental, porque não temos como avançar na reforma agrária sem a atualização dos índices. Outra demanda é que se priorize a desapropriação de fazendas de empresas estrangeiras que vêm aqui implantar os seus monocultivos de eucalipto, soja, cana. Também exigimos que o governo faça um mutirão dos órgãos públicos envolvidos para assentar em poucos meses as 140 mil famílias que estão acampadas já há muito tempo, esperando que o governo faça o assentamento delas. A grande maioria dessas 140 mil estão acampadas desde o início do governo Lula. Outra reivindicação é que governo implante um novo modelo de assentamento combinado com o novo crédito rural, com a produção de alimentos e a instalação de agroindústrias cooperativadas no interior do país. Outro ponto é que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) seja valorizada para que amplie os seus recursos e garanta à toda família camponesa ou de pequenos agricultores acesso aos programas de compra dos alimentos produzidos. Também queremos que se implante um programa nacional de reflorestamento nas áreas de reforma agrária em comunidades camponesas de forma subsidiada para que a população seja estimulada a plantar árvores nativas, frutíferas. Em relação à educação no campo, exigimos a criação de uma campanha nacional de erradicação do analfabetismo e que se aumente as vagas dos cursos técnicos para a juventude do campo. Também está pautado que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) seja vinculado diretamente à Presidência da República e forme, junto com a Conab, um novo formato institucional para viabilizar a aceleração da reforma agrária.
Esses são os pontos contemplados na carta que estamos enviando ao presidente da República para que receba os representantes do MST para debatermos o futuro da reforma agrária no país. Desde o início do segundo mandato, o governo prometeu nos receber, mas concretamente não pautou nenhuma audiência.
BF- Como avalia o primeiro mandato governo em relação à questão agrária?
Marina- O governo desenvolveu alguns programas que foram importantes para o desenvolvimento da agricultura familiar camponesa, como o aumento do crédito, o programa Luz para Todos, o aumento dos recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Mas, por outro lado, o agronegócio teve muito acesso ao crédito. Foi nesse período que as transnacionais aumentaram a sua intervenção no país e aumentaram a sua disputa em torno da terra, da água, do meio ambiente, da biodiversidade. Essa contradição explica a dubiedade do governo.
BF- Como vê a discussão em torno das metas do Plano Nacional de Reforma Agrária? Quando o governo divulgou os números, estudiosos questionaram os dados, dizendo que o Ministério do Desenvolvimento Agrário estava contabilizando dentro de novos assentamentos reordenação e reorganização fundiária, mas o MST não se pronunciou a respeito.
Marina - Em relação aos números da reforma agrária, o governo tem feito bastante propaganda dos assentamentos que fez no primeiro mandato. No entanto, a ação prioritária foi na região Norte, repetindo o que foi feito nos anos 1970 em forma de projetos de colonização. Outra coisa feita foi deslocar famílias dos acampamentos para assentamentos antigos que tinham problemas de evasão. Na verdade, eles pegaram gente dos acampamentos e colocaram nos assentamentos antigos, nos lotes vagos, o que seria reordenação fundiária. Nós não nos pronunciamos até hoje porque eles ainda não apresentaram as tabelas, não disseram onde foram feitos esses assentamentos, quantas famílias foram assentadas e as principais regiões onde eles fizeram isso.
(Marina dos Santos: Filha de pequenos agricultores que perderam a terra nos anos 1980 por dívidas com um banco, Marina dos Santos é da coordenação nacional do MST, movimento ao qual aderiu com 15 anos. Em março desse ano, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência do grupo Tortura Nunca Mais, por sua defesa dos direitos humanos.)
Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
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