Em função das críticas à lentidão da reforma agrária e à política macroeconômica mantida pelo governo Lula, o Movimento dos Sem Terra (MST), reconhecido por sua capacidade de mobilização e organização dos trabalhadores rurais, optou por não participar ativamente da campanha eleitoral no primeiro turno. Outras entidades do campo, como a representativa Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais) e o Movimento de Luta pela Terra (MLT), mesmo não formalizando seu apoio, tiveram as suas lideranças mais engajadas naquela batalha. Agora, porém, com o risco de vitória do candidato da direita neoliberal e dos ruralistas, o MST e a maioria dos movimentos rurais se lançaram com ímpeto na disputa.
Em recente entrevista, João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, foi taxativo: “Alckmin representa a retomada do poder pelas classes dominantes para implementar de forma hegemônica o modelo neoliberal. Seria uma grande derrota para a classe trabalhadora e para o povo brasileiro. Lula representa uma composição de forças sociais, onde há também setores das oligarquias e da burguesia. Mas representa a possibilidade de transição para um projeto de desenvolvimento nacional. Por isso não tenho dúvidas. Precisamos derrotar a candidatura Alckmin. Em relação às lutas sociais, todos conhecem a postura das elites brasileiras: sempre trataram o povo como o capitão do mato, na base da repressão”.
Para ele, a mudança de posição do MST decorre do fato de que “no primeiro turno não houve debate e, na prática, as candidaturas não defenderem projetos. Mas a burguesia brasileira não faltou, agiu. Foi ela que, na reta final, deu um caráter de classe para a campanha e se unificou em torno da candidatura Alckmin, quando percebeu que poderia derrotar Lula. Foi essa mudança da burguesia que forçou o segundo turno e, agora, as candidaturas vão representar projetos de classe, ainda que difusos. A burguesia se unificou em torno de Alckmin e o povo precisa se unificar em torno de Lula, independente de suas propostas”.
Contra os “vândalos do MST”
Sem entrar no mérito do acerto ou erro desta avaliação, o que vale agora é que a maioria dos movimentos sociais do campo está unificada em torno do objetivo de evitar a revanche da direita neoliberal. Afinal, a vitória dos “capitães do mato” seria realmente uma tragédia. Logo que teve sua candidatura homologada, Alckmin fez um discurso emblemático em defesa da “propriedade e da família” e atacou os “vândalos que invadem a propriedade”. No debate na TV Bandeirantes em 14 de agosto, ele fez questão novamente de explicitar sua posição, talvez para garantir maior apoio dos latifundiários e dos capitães do agronegócios.
“É importante fazer uma distinção clara entre reforma agrária e invasão de propriedade, seja ela rural ou urbana. Eu defendo a reforma agrária, fiz a reforma como governador... Agora, invasão de propriedade, não! No meu governo, se invadiu, vai desinvadir (sic)”. No último debate da Band, mais raivoso, ele até citou o MST, responsabilizando-o pela “insegurança nos investimentos”. Já numa entrevista ao portal de sua campanha, foi ainda mais duro. Afirmou que o MST “está substituindo uma bandeira legitima, a da reforma agrária, por vandalismo e o governo não pode ser omisso nem cúmplice de quem está à margem da lei. O Brasil não precisa disso, precisamos de estabilidade e segurança para o investimento produtivo”.
O rancoroso “ministro” de Alckmin
O ódio visceral ao MST e a outros movimentos do campo é consensual entre os caciques do PSDB e PFL, e mesmo entre os trânsfugas do PPS. Xico Graziano, ex-presidente do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) no governo FHC e um dos cotados para ser o ministro da pasta no improvável governo Alckmin, não se cansa de escrever artigos rancorosos contra os que lutam pela reforma agrária. “O MST é forte porque luta sem tréguas nem amarras, botando medo no Estado. Pouco lhe importa as regras da democracia representativa ou os ditames do Estado de Direito. Justiceiros, invocam os cânones divinos e arrebentam cercas. Assim, na marra, ganha o respeito
Noutro texto, o “ministro” Graziano espinafra os que apóiam a luta pela terra. “No MST, persiste ainda o encantamento com sua luta. Alguns formadores de opinião, ao verem a marcha vermelha, alimentam uma espécie de fantasia retrógrada da revolução, uma vontade de expiar o passado latifundiário. Gera-se, assim, uma benevolência a perdoar o banditismo rural, uma ilusão a referendar o atraso despótico”. Ele também faz duras críticas ao governo Lula. “Inaceitável é ver a prevalência do arbítrio sobre a política, da foice sobre o trabalho. Menos que a economia rural, é a democracia brasileira que está em xeque”.
Já Raul Jungmann, ex-ministro do “desenvolvimento agrário” de FHC e expoente da guinada direitista e fisiológica do PPS, continua a sua cruzada contra os movimentos que lutam pela reforma agrária. Quando ministro, chegou a anunciar que acionaria o Exército para expulsar trabalhadores que ocupavam as terras ociosas. Também impôs um projeto de mercado para a reforma agrária, a chamada “cédula da terra”.
Hoje, o detestado Jungmann ataca as relações respeitosas entre os movimentos sociais e o governo Lula. Num texto para a falida revista tucana Primeira Leitura, ele criticou “a cooptação dos sem-terra por meio de uma cornucópia de recursos e cargos públicos. Ocupando centenas de cargos de alto e médio escalão, dentro e fora do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Incra, e recebendo dezenas de milhões de reais por meio de convênios com pouco ou nenhum controle, o MST tem sua autonomia e agressividade domesticadas no mais puro estilo do trabalhismo varguista”. Puro despeito e reacionarismo tacanhos!
Reforma agrária do agronegócio
Mesmo o discurso em defesa da “legítima bandeira da reforma agrária” não passa de peça publicitária. Em recente visita ao Rio Grande do Sul, Alckmin explicitou que a sua prioridade será o agronegócio. “A agricultura precisa de ordem, com integral respeito às leis... Vou reduzir os juros paulatinamente e colocar mais recursos no setor. O progresso econômico e social do produtor rural auxilia o agronegócio”. Já o seu programa é bastante genérico, não fixando metas de assentamento e omitindo a existência do latifúndio, do trabalho escravo e de outras chagas do campo. Ele também está centrado na defesa do agronegócios.
Já o “ministro” Graziano, já indicado para fazer a fusão das pastas da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, segundo especulações da mídia, não vacila em dizer que a reforma agrária é coisa do passado. Numa esclarecedora entrevista à mesma revista Primeira Leitura, ele garantiu que não há mais latifúndio no Brasil. “O confronto com a realidade é gerado a partir das vistorias do Incra, que não encontram mais terras verdadeiramente improdutivas, e da fabricação dos sem-terra... Certamente, ainda há verdadeiros sem-terra, mas eles são resquícios... Afora os casos localizados, o resto é pura manipulação da pobreza... O modelo distributivista não serve para mais nada porque está superado, não funciona”.
Diante do ódio das elites aos movimentos rurais e da sua rejeição à reforma agrária, nada mais urgente do que a unificação dos lutadores do campo para “derrotar a candidatura Alckmin”, conforme o chamamento de João Pedro Stedile. O risco é enorme e não permite qualquer neutralidade ou omissão nesta hora.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).