Grito dos Excluídos
26/08/2001
- Opinión
“Na força da indignação, sementes de transformação” é o tema do Grito dos
Excluídos que a CNBB e os movimentos sociais promovem no próximo 7 de setembro.
A indignação nasceu do esgarçamento ético de parcela significativa do
Congresso Nacional, dos acordos espúrios entre partidos, do adiamento de
reformas como a agrária e a política.
O que torna especial o Grito deste ano é a proximidade das eleições,
oportunidade de renovar o Congresso Nacional e reconduzir os parlamentares que
se destacaram pela coerência ética e política. Porém, não se trata apenas de
dar continuidade ao governo Lula, cuja política externa realçou a soberania
brasileira, assim como as políticas socioeconômicas reduziram a inflação e,
com efeito, o preço dos alimentos, e aumentaram o valor do salário mínimo, o
número de empregos com carteira assinada, e promovem distribuição de renda aos
mais pobres através do Bolsa Família.
A questão de fundo é fortalecer o novo sujeito histórico: os movimentos
sociais. Daí a pertinência do tema do Grito. Não basta mobilizar-se pelas
eleições; é preciso lançar sementes de transformação. Por melhor que sejam as
políticas sociais, tendem ao retrocesso se não houver mudança de nossa
estrutura fundiária, o que implica o fim do latifúndio, o assentamento de
famílias sem-terra, a proteção do meio ambiente e, em especial, da região
amazônica, ameaçada pelo desmatamento e a poluição.
Abalado pelas duas guerras mundiais, em meados do século XX o capitalismo
articulou o pacto entre capital, trabalho e Estado. O neoliberalismo quebrou-o
com a ofensiva contra o trabalho (redução do salário real, desregulamentação,
aumento do desemprego) e o Estado (privatizações e corrupção). E fortaleceu o
capital através da mercantilização da natureza e dos seres humanos. Hoje tudo
é fonte de lucro: mídia e educação, saúde e cultura, esporte e religião. Até a
anatomia individual, submetida às exigências de perene juvenescimento. Em 2003
as mulheres brasileiras gastaram R$ 17 bilhões em produtos de beleza! “Fora do
mercado não há salvação”, é o novo mandamento dessa sociedade que pretende
reduzir a cidadania ao “consumo, logo existo”.
Trata-se, pois, de operar mudanças estruturais na sociedade, tarefa a longo
prazo que exige organização e mobilização da sociedade civil, tanto para
pressionar o governo e os donos do dinheiro, quanto para ocupar instâncias de
poder.
No Brasil, uma porta se abre: a reforma política. Será decepcionante se ficar
entregue à elite e aos politicos interessados apenas em retoques
cosméticos. Os movimentos sociais precisam aprofundar esse debate e
popularizá-lo o mais amplamente possível. Que reforma se quer? Como passar da
democracia representativa à participativa? Como dotar a sociedade civil de
instrumentos efetivos de participação política?
Não basta eleger homens e mulheres comprovadamente éticos e competentes para
aperfeiçoar a nossa democracia. É preciso tornar ética a institucionalidade
brasileira, vedando os buracos – legais e culturais – que facilitam a
corrupção, o nepotismo, a malversação.
O ser humano tem defeito de fabricação e prazo de validade. É o que a Bíblia
chama de ‘pecado original’. Nunca haveremos de extirpar da espécie humana a
ambição desmedida e, em conseqüência, a vontade de transgredir a ética que
rege a convivência social. Por isso, é preciso criar instituições que impeçam
a tentação de resultar em ação. Daí a importância, por exemplo, de a reforma
política determinar que toda a vida contábil do político, bem como o
patrimônio de seus familiares, sejam transparentes à opinião pública.
A 7 de setembro, data de nossa independência, haverá mobilizações em todos os
recantos do país para o Grito dos Excluídos ser ouvido pelos incluídos. Não é
suficiente gritar. É preciso sobretudo agir, articulando a sociedade civil em
movimentos sociais e criando conexões entre eles, pois o movimento dos sem-
terra não deve ficar alheio ao que faz o movimento indígena, nem o dos negros
indiferente às lutas das mulheres. Quanto mais fortes os vínculos de
solidariedade entre eles, tanto mais rápido as sementes de transformação
haverão de dar frutos.
Mais informações: gritonacional@ig.com.br
- Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho,
de “Essa escola chamada vida” (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/116608?language=en
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