As muitas incógnitas da eleição peruana
09/04/2006
- Opinión
O resultado da primeira volta das eleições peruanas confirma uma realidade que alarma Washington. Na América Latina está em desenvolvimento há alguns anos uma mudança na correlação de forças em desfavor da direita . O fracasso a nível continental das políticas neoliberais contribuiu para elevar o nível da consciência politica de amplos sectores populares.
Os povos sabem o que não querem. Condenam as agressões imperiais, o saque dos seus os recursos naturais, rejeitam a ALCA. Mas o consenso entre as forças progressistas desaparece quando se coloca a inevitável pergunta: o que fazer?
Do Rio Bravo à Patagónia, com raríssimas excepções, os latino americanos continuam a pagar um alto preço pelo funcionamento dos mecanismos de instituições de fachada democrática, concebidas para servir os interesses das classes dominantes.
Os povos têm dificuldade em compreender que a simples eleição de presidentes que se apresentam com programas anti-neoliberais e anti-imperialistas não é garantia de politicas orientadas para transformação radical de sociedades submetidas ao sistema de poder imposto pelos EUA. As promessas eleitorais são quase sempre não apenas esquecidas, mas negadas por estratégias com elas incompatíveis.
Tudo indica que no Peru começamos a assistir à repetição de um espectáculo bem conhecido.
Ollanta Humala foi o vencedor da primeira volta. Durante meses, a candidatura da direita oligárquica, representada por Lourdes Flores, liderou as sondagens. Mas nas últimas semanas perdeu ímpeto . Para a maior ia dos 27 milhões de peruanos ficou transparente que ela seria na Casa de Pizarro o instrumento de uma politica de privatizações, uma defensora do Tratado de Livre Comercio-TLC com os EUA, uma dócil executante das exigências da Administração Bush, do FMI, do Banco Mundial. Vai enfrentar Ollanta Humala na segunda volta.
Alan Garcia foi superado pela senhora Flores por poucos votos. Mas o seu partido, a Aliança Popular Revolucionaria Americana- que hoje nada tem de revolucionário - conquistou o maior numero de lugares no Parlamento,o que dificultará a tarefa do futuro chefe do Estado. A sua presidência, anos 80, ficou assinalada por uma vaga de escândalos de tal magnitude que teve de deixar o pais para fugir à Justiça. Nunca respondeu pelos crimes e pela corrupção de que foi responsável.
Ollanta Humala, para a maioria dos europeus, é uma incógnita. Entre as forças progressistas, entretanto, um sector ponderável, sobretudo na juventude, tende a ver nele um revolucionário. Intelectuais com responsabilidades, em França e na Itália, já o compararam a Chavez, sugerindo que optará, se eleito, por uma politica bolivariana. de orientação claramente anti imperialista.
Esses exercícios de futurologia são no mínimo levianos.
O passado de Ollanta Humala desaconselha o optimismo prematuro de admiradores que há poucos meses lhe desconheciam a existência. Apresentou-se como o candidato dos pobres e o marketing da sua campanha funcionou.
O discurso inflamado de Ollanta e a sua tónica anti imperialista não apagam a memória de um passado recente que justifica preocupações.
Durante a presidência de Fujimori, quando exerceu como militar o comando de uma guarnição numa área selvática, a repressão que exerceu sobre as populações ficou assinalada por actos de barbárie.
O esforço que desenvolve para persuadir o eleitorado progressista de que Fidel e Chavez são para ele duas referencias no que se refere à defesa da soberania nacional não impressiona aqueles que acompanham com apreensão o seu relacionamento com personalidades que têm contas a prestar à Justiça. Alem de apoiar candidatos ao Parlamento como Torres Caro, que foi uma criatura de Fujimori e se move num mundo de negócios escuros, confiou tarefas de responsabilidade na sua campanha a homens que trabalharam intimamente com Montesinos, talvez o mais sinistro aventureiro peruano no século XX. Num comunicado divulgado há dias o Partido Comunista Peruano sugeriu-lhe alias que esclareça os motivos da escolha de Salomon Lerner e de coronéis de passado equivoco para o controle das finanças da sua campanha.
É um facto que os homens mudam e muitas vezes avançam com a historia. Mas não é tranquilizador que Ollanta evite o diálogo com organizações de trabalhadores, preferindo negociar nos bastidores com personalidades politicas .
Perante três candidatos que inspiravam legitima desconfiança, não é de estranhar que se fale muito do «mal menor» e que uma parcela importante do eleitorado tenha respondido nas sondagens que somente à boca das urnas decidiria em qual votar.
O precedente de Alejandro Toledo preocupa. A esquerda peruana não conseguiu unir-se em torno de uma plataforma programática assumida por um candidato com prestígio nacional.
Há quase quatro décadas, um soldado progressista,o general Velasco Alvarado, utilizou as Forças Armadas para levar adiante reformas de conteúdo revolucionário que, em media dúzia de anos, transformaram em profundidade a sociedade peruana. Velasco levou adiante a reforma agrária mais profunda da América do Sul, socializou a comunicação social, expropriou a transnacional que controlava o petróleo e o gigante mineiro Cerro do Pasco, criou as comunidades industriais, nacionalizou quase tudo o que existia para nacionalizar. Mas essas grandes reformas foram empreendidas de baixo para cima, sem participação popular.
Na hora em que, desaparecido Velasco, um presidente cúmplice do imperialismo, o general Morales Bermudez, abriu as portas à contra revolução, o povo permaneceu passivo, não soube defender aquilo que recebera como dádiva, sem luta.
Em poucos anos, o Peru voltou a ser um pais imperializado, tratado por Washington como semi-colonia.
Sintetizando: a vitória de Ollanta Humala na primeira volta das eleições peruanas foi uma derrota da direita. Mas o futuro próximo é imprevisível.As incógnitas persistem.
O Partido Comunista Peruano alerta o povo para elas ao dirigir-se ao candidato:
«Esperamos, sr.Ollanta Humala que, se eleito, cumpra as exigências populares e que todo o seu nacionalismo e antimperialismo não sejam uma pose, e que, se não for eleito, fique com o povo, lutando pelas suas reivindicações de classe, construindo a unidade da esquerda e que não seja apenas uma alternativa de governo mas sim de poder popular».
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