Três desafios do sindicalismo
21/03/2006
- Opinión
O sindicalismo brasileiro está diante de gigantescos desafios. Se ficar apenas correndo atrás dos prejuízos, sem uma visão mais estratégica, ele corre o sério risco de definhar, agravando sua crise de legitimidade e representatividade que já dura mais de uma década e que se expressa na baixa capacidade de mobilização dos trabalhadores e de intervenção política na sociedade. Não há receitas nem modelos de como enfrentar as atuais dificuldades, que hoje afetam o conjunto do sindicalismo mundial. Mas uma coisa parece certa: se ficar preso à ação imediata, que reforça seus limites endógenos do economicismo e corporativismo, ele não superará sua crise estrutural. Diante deste cenário, penso que três desafios se destacam na atualidade:
1- Intervenção política
O sindicalismo não é uma ilha. Ele reflete e interfere nos rumos políticos do país. Ele sente diretamente os efeitos da evolução da conjuntura. Durante a ditadura militar, por exemplo, ele foi violentamente castrado – nos nove meses que se seguiram ao golpe de 64 mais de 430 sindicatos tiveram suas diretorias cassadas. Já nos anos 80, ele viveu uma fase de ouro. O Brasil se tornou o recordista mundial em greves, houve um intenso processo de renovação e reciclagem das diretorias sindicais, foram retomadas as articulações intersindicais e o funcionalismo público despertou para a organização sindical. Esse ascenso contribuiu decisivamente na luta pelo fim do regime militar e nas conquistas da “Constituição Cidadã”, em 1988.
Na década de 90, porém, o neoliberalismo se implantou no país com a sua tríade perversa: desestatização, desnacionalização e desproteção. O sindicalismo comeu o pão que o diabo amassou! Da fase de ouro, ele ingressou no período das vacas magras. O triste reinado de FHC teve início com o Exército ocupando as refinarias para reprimir a greve dos petroleiros e prosseguiu com o desmonte do trabalho sem qualquer negociação com os sindicatos. Esse projeto autoritário e excludente, entretanto, foi rechaçado na histórica vitória de um ex-grevista e líder sindical nas eleições de 2002. Com Lula no governo, a relação com o sindicalismo voltou a ser de diálogo e não houve mais qualquer ação de criminalização das lutas sociais.
Essa breve história serve para confirmar que o sindicalismo não pode se omitir nos embates políticos. Sua força deriva da situação política, do quadro de correlação de força na sociedade. Qualquer visão apolítica, de neutralidade, representa um crime para o seu futuro. Nesse sentido, ele não pode se abster do debate já em curso sobre a sucessão presidencial. Apesar das frustrações que o governo Lula pode ter gerado numa parcela dos trabalhadores, a pergunta que deve ser feita é qual o resultado eleitoral que mais interessa para o avanço das suas lutas e conquistas. A eleição de outubro tende a ser polarizada, sem a possibilidade real de uma ultrapassem à esquerda do atual governo. O risco maior é o da revanche da direita neoliberal!
O candidato do bloco liberal-conservador, Geraldo Alckmin, é um inimigo declarado dos trabalhadores – os servidores estaduais conhecem bem seu estilo fascistóide. Sem abdicar da sua autonomia, o movimento sindical deve encarar a batalha sucessória como prioridade máxima para o seu processo de acumulação de forças. Um retrocesso nas eleições de outubro teria forte impacto na discussão sobre a reforma sindical e trabalhista, na luta pela transição do neoliberalismo para um projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho e para o próprio avanço das esquerdas na América Latina. Sem cair numa postura de passividade acrítica, o sindicalismo deve evitar cair no extremo oposto do voluntarismo esquerdista. A pregação do voto nulo ou num candidato para marcar posição cobraria um alto preço no futuro imediato!
2- Repensar a ação
Ao mesmo tempo em que intervem na luta política em curso, agindo com sabedoria tática, o sindicalismo também precisa repensar sua atuação numa perspectiva mais estratégica. A avalanche neoliberal dos anos 90 acuou os trabalhadores e jogou os sindicatos na defensiva. A crise atual não decorre apenas de fatores subjetivos, da chamada traição das direções, como afirmam alguns setores idealistas. Se fosse tão simples assim, os que se autoproclamam de revolucionários não teriam tantas dificuldades para mobilizar as suas bases e para evitar distorções na ação sindical. A crise estrutural do capitalismo, que tem no desemprego a sua maior expressão, o amargo remédio neoliberal imposto pelo capital e o processo de reestruturação produtiva nas empresas afetaram a materialidade e a subjetividade de classe dos trabalhadores.
Mas estas causas objetivas da crise sindical não rebaixam a importância dos fatores subjetivos. No quadro de defensiva dos anos 90 foi possível assistir a criação de uma central sob inspiração do neoliberalismo, a Força Sindical, e também o processo de adaptação da CUT à visão do sindicalismo propositivo e cidadão, de feição socialdemocrata. Já as entidades de base, pressionadas pelas demandas do imediato, reforçaram sua prática corporativista e economicista. Para piorar, num cenário de cobertor curto, surgiram fenômenos preocupantes de burocratização e institucionalização. Muitas diretorias hoje perdem mais tempo e energia discutindo quem será liberado ou ficará com o celular e o carro do que organizando as lutas da classe. Os sindicatos se afastaram da base, deixaram de investir na formação e na mobilização de massas.
Um desafio urgente é o de repensar toda a prática sindical, o de revolucionarizar sua concepção e métodos de ação. Hoje é preciso refletir com maturidade, sem maniqueísmos, sobre o que está sendo feito, de fato e não na retórica, para organizar os trabalhadores nos locais de trabalho, no coração da exploração; o que está sendo feito para intensificar a mobilização da base e articulá-la com os outros movimentos sociais; o que está sendo investido para formar novas lideranças e reciclar as antigas. Sem organização, mobilização e formação o sindicalismo não conseguirá superar a atual crise. É preciso balançar a roseira para superar o espírito rotineiro e as práticas burocráticas. Do contrário, o sindicalismo permanecerá na UTI!
3- Evitar a fragmentação
Num quadro que ainda é de defensiva da luta dos trabalhadores e no qual campeia muita confusão teórica no meio sindical – por exemplo, na sua relação com um governo nascido das suas lutas –, o pior que pode ocorrer é a fragmentação das organizações da classe. Nesse sentido, a recente fundação da Conlutas é um grave erro! A partir da leitura voluntarista sobre a atual correlação de forças e da postura principista sobre a natureza do governo Lula, ela joga na divisão dos trabalhadores e na fragilização de seus organismos de frente única. Além disso, essa iniciativa artificial do PSTU presta um inestimável serviço aos que desejam domesticar as lutas sindicais e ainda contribui para o seu próprio auto-exílio. A saída da CUT foi festejada pelos setores mais burocratizados da central e causou graves fraturas nos promotores desta divisão!
A atual conjuntura, prenhe de possibilidades e também de graves riscos, exige fortalecer a CUT como um instrumento de unidade dos trabalhadores na luta por novos rumos no país. Não se muda de central como se troca de camisa. Não dá para dispensar um patrimônio construído na luta contra a ditadura e a ofensiva neoliberal e que representa o que há de mais representativo e combativo no sindicalismo. É preciso, isto sim, garantir que a central preserve sua autonomia e atue com sabedoria política – evitando a passividade e as armadilhas dos inimigos de classe. O próximo congresso da CUT pode cumprir relevante papel no sentido de pressionar o governo Lula no rumo das mudanças e de evitar a revanche da direita neoliberal.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).
https://www.alainet.org/es/node/114654?language=en
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