A floresta é um bem de todos

01/02/2006
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A devastação da Floresta Amazônica aumenta a cada ano. O fenômeno cresce exponencialmente, com secas mais severas, como a dramática seca que assolou a região em 2005.
 
Por isso, o ativista Jean-Pierre Leroy, do Projeto Brasil Sustentável e Democrático, traduz a mensagem do núcleo duro do governo federal ­ de buscar desenvolvimento e crescimento econômico a qualquer custo ­ como estímulo aos madeireiros, grandes fazendeiros e pecuaristas, que promovem a devastação da mata. Imbuídos da mentalidade da produção capitalista atual, eles acreditam representar o progresso quando, na verdade, levam pobreza, miséria e violência para a cidade e o campo.
 
Brasil de Fato ­ Como o senhor avalia o ano de 2005, repleto de desastres naturais, como a forte seca na Amazônia?
 
Jean-Pierre Leroy ­ - Como um aviso. Já tínhamos visto um grande incêndio em Roraima, anos atrás. E pouco antes da seca de 2005, no Acre, também houve grandes incêndios em áreas extrativistas. Esses acontecimentos eram vistos como fatos isolados. Mas, quando chega uma seca inesperada como essa do ano passado, as pessoas começam a refazer suas concepções. No imaginário brasileiro, quando se falava em Amazônia, os elementos que vinham em mente eram floresta e água que não acabam mais e que nunca vão acabar. Portanto, foi um choque colocar que a coisa não é bem assim.
 
BF ­ Como a situação chegou a esse ponto?
 
Leroy - ­ Há um grande passo entre os fenômenos e o reconhecimento de que as causas são ligadas à ação humana e ao modelo de desenvolvimento dominante. Existem vários elementos para gerar a seca, como mudanças na temperatura das águas no PacífiEl Niño ­ Fenômeco, associada no de aquecimento ao El Niño, e, anormal das águas dessa vez, o superficiais do Oceano Pacífico. aquecimento da água do Atlântico na região do Caribe. O mesmo fenômeno que provocou tornados como o Katrina, nos Estados Unidos. Na Amazônia, a conseqüência disso foi a seca. O modelo dominante nos países industrializados já nos atinge diretamente. Outro fator é que, na Amazônia, as chuvas funcionam por evapotransporação ­ o vapor vem do Atlântico, forma umidade, cai no solo da parte oriental da Amazônia (Pará), a vegetação absorve a água e transpira. A evaporação desse "suor" forma novas nuvens que vão mais adiante, num fenômeno que se repete até os Andes. Na medida em que se acaba com parte da floresta, esse fenômeno fica interrompido. Isso faz a seca aumentar a cada ano, graças à ocupação progressiva. O terceiro motivo é que, no sul da Amazônia, ao longo das cabeceiras dos rios Araguaia, Xingu, entre outros, há uma destruição extremamente intensa. Isso aumenta o assoreamento desses rios, tornando as enchentes mais violentas e as secas maiores, pois o número de nascentes diminui e os igarapés secam com facilidade.
 
BF ­ Quem são os principais agentes dessa devastação?
 
Leroy ­ - Durante muito tempo dizia-se que eram os posseiros, os pequenos produtores. Mas, se olharmos a longo prazo, o impacto produzido por eles, não é tão grande. Eles têm até interesse em manter uma certa vegetação e diversificam sua produção. Com melhores políticas sociais poderia se ter um manejo amigo da natureza, que mantivesse a natureza. Esse não é o caso dos madeireiros que avançaram sobre a floresta praticando o corte raso. Nesse processo, levaram consigo grileiros, pecuaristas e tiraram o melhor da mata. Hoje, eles entram na floresta escolhendo as melhores árvores. Tanto que, se você sobrevoar a Amazônia, não dá para ver nenhuma diferença. Mas, a pé, é possível verificar uma destruição muito grande. Isso contribui para a inflamabilidade da floresta. Quando morei no Pará, acompanhei muitas vezes a queimada da roça e o fogo jamais avançava sobre a mata. Hoje não é diferente. O corte seletivo das árvores faz com que o fogo avance. Além do quê, a situação de miséria a que está reduzido o extrativista sem apoio muitas vezes o leva a vender as árvores. E quando há reservas, os madeireiros invadem. O segundo elemento é o pecuarista. Aqui, inclusive com métodos modernos de corte, como o correntão. Essa máquina vai numa velocidade tremenda e, em poucos dias, pode-se derrubar milhares de hectares. O terceiro é a soja. Os produtores alegam não ser eles que derrubam a floresta mas, na verdade, a soja acelera o processo. No começo, os produtores escolhem áreas já derrubadas e compram do pequeno. Mas este mantém uma pequena mata, árvores frutíferas, o igarapé. O produtor de soja faz tudo isso desaparecer e começam a surgir grandes áreas devastadas.
 
BF ­ Do outro lado, quem é que mais sofre com esta situação?
 
Leroy ­ - Primeiro é a população rural e florestal da Amazônia. Os ribeirinhos sofrem a mudança do regime das águas (seca) e encontram cada vez menos peixe porque os agrotóxicos da produção de grãos contaminam os rios. As populações agroextrativistas, que se instalaram por lá na época da borracha, sofrem com a falta de áreas demarcadas e de títulos de propriedade. Assim, não conseguem permanecer nas terras quando chegam os plantadores de soja e os pecuaristas. Eles são pressionados a vender seus terrenos e, quando resistem, vem a violência. Então vêem-se ilhados pela produção de soja e os agrotóxicos acabam eliminando a sua produção. Já quem foi para a região no período da colonização, em especial da construção da Transamazônica, não consegue permanecer na região por falta de apoio dos governos. Quando chegam as ofertas dos grandes produtores, não podem resistir. O reflexo de tudo isso é que as cidades, pequenas e médias, estão se enchendo de pessoas que deixam a floresta e a beira dos rios. Aí a cidade entra em colapso. A miséria urbana aumenta assustadoramente.
 
BF ­ Isso leva a um quadro de violência?
 
Leroy ­ - É claro. A violência urbana na região é quase tão forte quanto em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Mas, no campo, a violência é resultado da história da ocupação de território no Brasil: na marra e na violência. Como na Amazônia a maior parte das terras é devoluta, quando os setores dominantes chegam, querem ocupar a todo custo. Em Anapu (PA), uma das regiões da Transamazônica ainda muito preservada, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reservou a área para editais que formariam lotes de, pelo menos, 300 hectares na época da colonização. Quem adquiria essas terras só poderia se tornar proprietário se, dentro de um prazo, começasse a beneficiar o terreno. Poucos fizeram isso. A terra tornou-se pública e foi lá que vi o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), apoiado pelo Incra. A área atiçou a cobiça de fazendeiros, grileiros e especuladores. Só que já havia lá posseiros trabalhando em pequenos lotes, que tinham construído com a irmã Dorothy Stang esse PDS. Então se deu o confronto. Os pequenos resolveram resistir, amparados pelo programa. Essa resistência era intolerável e o confronto se acirrou.
 
BF ­ A atuação do governo mudou, após o assassinato da irmã Dorothy?
 
Leroy ­ - Teve uma ação espalhafatosa e inútil das Forças Armadas. A presença da Polícia Federal (PF) cresceu um pouco mas também não durou muito temo, já que não existe um posto permanente na região. E o Incra acelerou os trabalhos para definir onde o PDS pode se instalar. Mas, paralelamente, o clima de ameaças continuou muito difícil. A solução precisa ser preventiva: uma política permanente de presença do Estado na região. Multiplicando a presença da PF na região, do Incra também. E mais política pública. Isso intimidaria os agressores. Porém, a mensagem que passa o núcleo central do governo ­ de que a prioridade está no desenvolvimento ­ é entendida por todos os setores da seguinte forma: "Nós estamos do bom lado". Os grandes produtores acreditam estar no lado do progresso, da agropecuária moderna. "Nós vamos atrair investimento, atrair emprego". Só que toda bandidagem vai atrás. Portanto, essa mensagem de crescimento a qualquer custo é também um fator de desequilíbrio. Um fator que leva os extrativistas, os pequenos produtores e os que questionam grandes projetos na Amazônia a ser identificados com o atraso.
 
BF ­ O Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, atualmente aguardando votação no Senado, pode melhorar esse quadro?
 
Leroy ­ - Tenho muitas dúvidas sobre o projeto. A tese do Ministério do Meio Ambiente é de que a proposta vai tornar mais clara a diferença entre os bandidos e os que querem realmente trabalhar para o progresso e uma gestão sustentável. Oferecendo concessões para os bons madeireiros, os outros terão que deixar a região. Isso é uma aposta arriscada. Como o poder público vai conseguir eliminar quem está na ilegalidade? Fazer uma boa gestão custa mais, a madeira deles custa mais, e eles podem não conseguir se sustentar. O segundo problema é a intenção do governo de criar um sistema florestal. Em tese, esse seria um instrumento indispensável para controlar e fiscalizar. Mas como vão conseguir encontrar no orçamento os meios para aparelhar essa força se não têm recursos para os órgãos que já existem? Terceiro: historicamente, concessões públicas viram propriedade. É só olhar o que aconteceu com as rádios e televisões no Brasil. São concessões públicas mas não passa pela cabeça dos beneficiados prestar contas. O que vai fazer com que essas concessões, que precisarão ser dadas num prazo longo, sejam diferentes? Quarto: está previsto favorecer comunidades locais para que elas também possam explorar a floresta. Isso só pode ser viável se houver um investimento público de fôlego. O pequeno produtor precisaria formar cooperativas, preparar-se tecnicamente, ter capital, enfim uma série de condicionantes que não são fáceis. Não basta colocar no papel. São necessárias políticas públicas fortes e duradouras. Não basta criar concessões florestais. É necessário fazer mudanças na lei sobre manejo florestal. Hoje, é quase impossível um pequeno produtor vender madeira na legalidade. As normas e exigências legais são estúpidas.
 
Quem é
 
Mestre em Educação, JeanPierre Leroy é coordenador do Programa Brasil Sustentável e Democrático. Estuda a Floresta Amazônica há mais de 30 anos e morou no Pará, onde conheceu e tornou-se amigo da irmã Dorothy Stang. Participou da Relatoria para o Direito ao Meio Ambiente e é técnico da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).
 

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