Grito: a mudança em nossas mãos
28/08/2005
- Opinión
Vale a pena insistir na urgência de se superar visões setoriais e
trabalhar em favo da unidade regional, hemisférica e global, que articule
a todos, respeitando a particularidade de cada um.
Nosso país passa por um momento muito difícil, mas não deixa de ser
purificador.
Com a eleição de um presidente do campo popular, difundiu-se no meio de
nós a idéia de que a esperança venceu o medo. Passados alguns meses,
quando dizíamos que o governo estava em disputa, começamos a viver
momentos de perplexidade que aos poucos foram se transformando em
desilusão, já que não víamos perspectivas de mudanças. Após as denúncias
de corrupção, passamos para a decepção. E, segundo Dom Pedro Casaldáliga
agora nos perguntamos, “será que a esperança poderá vencer a decepção”?
Ao comemorarmos o décimo primeiro grito no Brasil e o sétimo nas
Américas, muitas pessoas, diante da situação que estamos vivendo se
perguntam: - Como será o Grito neste ano? É uma pergunta que todos os
dias chega à secretaria do Grito.
Muito simples, continuaremos gritando as mesmas coisas de antes, com uma
ênfase maior na ética, no combate à corrupção e na punição dos
corruptos. O documento do Grito Nacional lançado nestes dias destaca três
eixos principais:
-. “O povo brasileiro vive um misto de desesperança, tristeza e porque
não de decepção diante da situação do nosso país.
-. O Brasil ainda está refém dos juros altos e do endividamento externo,
o que o deixa sujeito a freqüentes ajustes fiscais exigidos pelos
representantes do capital financeiro internacional;
-. O governo tem se dobrado as essas exigências internacionais,
encaminhado as reformas neoliberais, o que o torna incapaz de implementar
políticas públicas de reforma agrária, e de aplicar maiores investimentos
na saúde, educação, transporte, habitação, direitos humanos, meio
ambiente, entre outras;
-. A sociedade brasileira está dilacerada pelo desemprego, a pobreza, a
fome, pela violência e a corrupção, o que muitas vezes resulta em revolta
ou indiferença por parte do povo quanto ao destino político do país”.
Realidade excludente
Segundo dados do BID, na América Latina, 10% das classes mais ricas têm
ingresso 84 vezes superiores a 20% dos ingressos dos mais pobres.
Oitenta e cinco por centos das crianças latino-americanas vivem na
pobreza, 33% das crianças sofrem de desnutrição. Na América Central entre
1992 e 2002, a porcentagem de gente faminta aumentou em 33%, de 5 milhões
para 6,4 milhões. Na Argentina, que produz carne e trigo suficiente para
alimentar a 350 milhões de pessoas, quase oito milhões de pessoas (mais
20% de sua população) são indigentes e subnutridos.
No Brasil o quadro não é diferente. Apenas cinco mil famílias detém o
patrimônio correspondente a 42 % do PIB o que nos torna um dos campões
das desigualdades sociais. O mais triste, porém, é que a política
econômica segue aprofundando as desigualdades. Mesmo que muitos digam e a
grande imprensa o confirma, que a economia vai bem. Mas não se perguntam:
“vai bem para quem”? Basta olhar os dados dos investimentos no campo e
da dívida externa. Vejamos!
Política voltada para o capital rentista e agronegócio.
No início de 1979, a divida externa do Brasil era de 52,8 bilhões de
dólares. Se o Brasil tivesse pago uma taxa de juros de 6% ao ano que é a
taxa mais que aceitável no 1º mundo, no final de 2004 o Brasil teria
crédito de 161 bilhões. Os Países ricos deveriam ao Brasil mais de 161
bilhões de dólares. O que daria para fazer com 161 bilhões de dólares?
-. 10 milhões de famílias sem terra, seriam assentadas.
-. Recuperar 20 vezes todas as estradas do Brasil .
-. Pagar 2 salários mínimos mensais, por um ano , para 55milhões de
brasileiros.
-. Gerar 20 milhões de empregos na agricultura.
A Dívida Pública em 1995 era de 208 bilhões de reais. De lá para cá,
pagamos 710 bilhões de reais e a dívida passou para 810 bilhões de reais.
Pagamos 3,4 vezes o que devíamos e ainda devemos 3,9 vezes mais.
Não bastasse isso, a atual política econômica privilegia os grandes
produtores rurais do agronegócio exportador, em detrimento da agricultura
familiar. Basta olharmos os créditos concedidos ou disponíveis para os
grandes proprietários e para os pequenos ou à agricultura familiar.
Para os 342 mil estabelecimentos rurais, com mais de 200 hectares, que
ocupam 13,4% da população rural, (2 milhões de pessoas), está previsto um
crédito, para 2005/2006, de 44 bilhões de reais.
Por outro lado, para 3,8 milhões de famílias que trabalham em pequenas
propriedades, e que ocupam 86% da população ativa no meio rural (14
milhões de pessoas) estão destinados, no mesmo período, apenas 9 bilhões
de reais em crédito. É por isso que mais do que nunca temos que gritar.
Porque tanta exclusão?
O Manifesto do Grito Continental que será lançado no dia 07 de setembro
analisa desta forma: “a exclusão social é acima de tudo uma relação: não
podemos entender a existência do excluído sem aquele que exclui; não
podemos entender a miséria absoluta sem a opulência vergonhosa; não
podemos entender porque existem os bairros miseráveis sem nos perguntar
sobre a origem dos guetos de multimilionários e das elites econômicas dos
negócios. A exclusão é necessária para o sistema autoperpetuar-se, mesmo
que com isso se condene a milhões de seres humanos a uma existência
fantasma, sem perspectivas de vida e sem esperanças”.
E acrescenta: “hoje sabemos que não é com mais mercado e com menos
Estado, nem com mais abertura e garantias para os capitais, que serão
resolvidos os graves problemas a que é submetida a maior aparte da
humanidade no início do novo milênio. Não é com o crescimento da economia
que se distribuirá a riqueza: deve-se distribuir a riqueza para que todos
possam crescer e a sociedade comece a ser verdadeiramente inclusiva. Esta
certeza é compartilhada por muitos movimentos, redes e organizações do
mundo inteiro, as quais, com o seu trabalho, fazem crescer a consciência
planetária sobre a necessidade de mudanças de cunho radical”.
Mas há sinais de mudanças
Em resposta ao poder da opressão, os excluídos/as rebelam-se contra a
violação dos direitos econômicos, sociais, culturais e humanos; derrubam
presidentes, criam movimentos autônomos, libertam territórios e tomam
fábricas.
Não será suficiente criar postos de trabalho enquanto as relações de
poder na sociedade continuem sendo por definição, assimétricas: superar a
exclusão significa transformar as estruturas e o exercício do poder em
nossas sociedades. Por isso, é hora de pensar em como precisamos avançar
na formulação de um projeto político global das resistências que
equivalem a uma refundação do mundo.
Precisamos, portanto,radicalizar a nossa opção pelos excluídos e
excluídas, construir uma utopia e um sujeito social (ou muitos sujeitos
sociais) aglutinadora, com capacidade de transformar a desesperança em
capacidade de mobilização, de ação e organização. Para isso somos
chamados a reinventar formas de organização coletiva, da economia até a
política, que nos permitam transformar a atual situação.
O esforço para globalizar a resistência e a solidariedade, aponta para a
necessidade de criar uma sociedade mundial capaz de distribuir de forma
eqüitativa a riqueza criada por toda a humanidade. Como dissemos acima,
não se trata de crescer para depois distribuir, mas de distribuir como
base de crescimento e solidariedade. É necessário também, a criação de
uma cidadania universal que permita aos trabalhadores/as ter plena
liberdade de movimento na busca e construção de oportunidades para o seu
desenvolvimento e dos demais.
Além das manifestações de 07 de setembro no Brasil e de 12 de outubro nas
Américas e Caribe, somos conclamados, no Brasil, a participar da
Assembléia Popular: Mutirão por um Novo Brasil, a se realizar em
Brasília, DF, de 25 a 29 de outubro com a participação de mais de 10 mil
pessoas
- Luiz Bassegio é Secretário do Grito dos Excluídos Continental
https://www.alainet.org/es/node/112831?language=pt
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