Onde o PT errou?

18/08/2005
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O PT errou e pede desculpas à nação. Falta apresentar os culpados. Dois são confessos: Sílvio Pereira, ex-secretário geral do partido, que se valeu do cargo para benefício próprio; e Delúbio Soares, ex-tesoureiro, que admitiu à CPI ter montado o esquema de caixa dois operado por Marcos Valério. O primeiro desligou-se do PT; o segundo permanece filiado, graças a manobras internas que protelam a apuração da Comissão de Ética. Talvez a resistência dele em revestir-se de boi de piranha represente uma ameaça a outros envolvidos em maracutaias. Onde o PT errou? Podem-se apontar vários indícios: o pragmatismo eleitoralista que resultou no uso de caixa dois; as alianças espúrias, coligando-se com partidos historicamente adversários; os empréstimos irresponsáveis tomados de Marcos Valério; a evasão de divisas e a sonegação fiscal em pagamentos a Duda Mendonça. Tudo isso, a meu ver, são efeitos. Há um momento em que a pessoa manda os escrúpulos às favas, dá as costas aos princípios éticos, fia-se na suposta invulnerabilidade de sua armadura de esperto e vira corrupto. Esse processo costuma ser mais coletivo que individual. Cria-se um caldo de cultura, em geral aquecido por funções de poder que induzem dirigentes a agirem ao arrepio das bases, dos estatutos e dos valores morais. É a velha convicção de que os fins justificam os meios. A causa dessa erosão ética é a perda de princípios ideológicos, que deveriam reger desde a escolha de critérios no marketing eleitoral aos parâmetros da macroeconomia. O que não significa que sejam honestos todos que lutam pela mudança social. Conheci uns tantos que o faziam por ambição de poder e de prestígio. Uma vez destituídos de suas funções ­ na igreja, no partido, no sindicato ­ aburguesaram-se sem culpa, indiferentes às causas que defendiam e voltados ao próprio umbigo. Alertava Brecht que não somos os melhores, melhor é a causa que defendemos, de erradicação da miséria e construção de uma sociedade livre e justa. Para tanto é imprescindível fazer política. E os meios destoam muito dos fins que almejamos. Não se faz o omelete sem quebrar os ovos. Mas quando se olvida a receita, corre-se o risco de trocar os fins pelos meios, como o apego ao poder. O modelo de poder imperante em nossa sociedade é o criticado por Jesus em Lucas 22, 24-27: prepotência, arrogância, demagogia. Daí a constatação de Paulo Freire, de que a cabeça do oprimido tende a hospedar o opressor. São infindáveis as tentações do poder: o dinheiro fácil, o desejável coincidindo com o possível, o assédio sexual, a fama, o prestígio social. Em volta, abrem-se os lábios em sorrisos; as mãos em aplausos; os braços em abraços; as mansões em recepções e, aos poucos, o político é cooptado pelo requintado clube dos que tiram proveito dessa perversa desigualdade social que assola o país. Torna-se mais vulnerável a essa cooptação quem suprime de seu horizonte ideológico o compromisso com a libertação dos pobres e a edificação de uma ordem social em que todos vivam com dignidade. Quando esses objetivos se apagam, o político transforma-se em militante de suas ambições pessoais ou de interesses corporativos, ainda que profira discursos retoricamente revolucionários. O PT precisa ser refundado, como assinala seu atual presidente nacional, Tarso Genro. Essa proposta faz sentido enquanto volta às inspirações originárias: organizar a classe trabalhadora (e, hoje, também os desempregados, sem-terra e sem-teto), fortalecer os movimentos populares, levar a cidadania e a democracia à sua radicalidade ­ o socialismo. Não a impostura que ruiu no Leste europeu, mas a proposta de emancipação de todo o conjunto da sociedade, na qual liberdade individual e justiça social se completem. No próximo dia 18 de setembro, salvo manobras suspeitas, todos os filiados petistas deverão ir às urnas para eleger a nova direção nacional. Refundar o partido significa partir de um novo patamar que sobreponha a ética à política e esta à economia. Entre os candidatos, todo o meu apoio a Plínio de Arruda Sampaio, homem justo, íntegro e competente, provado em muitas instâncias de poder. Nenhuma delas o seduziu. Antes, fortaleceram sua opção pelos pobres, inclusive no que concerne ao modelo econômico. - Frei Betto é escritor, autor do romance “Entre todos os homens” (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/es/node/112762
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