II. A deprimente história da AFL-CIO

14/08/2005
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A recente divisão da AFL-CIO constitui-se em mais um trágico capítulo na história do sindicalismo nos EUA. Na sua origem, ele até teve um glorioso papel nas lutas do proletariado. Em meados do século XIX, devido à acelerada expansão capitalista no país, a sua jovem e aguerrida classe operária criou os primeiros sindicatos e, no bojo da ascensão de suas lutas, fundou a Federação Americana do Trabalho (AFL), em 1881. O seu principal mentor foi Samuel Gompers. Pouco depois, em 1886, ocorreram 5 mil greves pela redução da jornada para oito horas semanais. A repressão policial foi brutal e resultou no assassinato dos “Mártires de Chicago” – episódio originário das comemorações do Dia Internacional dos Trabalhadores. Com o tempo, porém, o sindicalismo estadunidense renegou o seu passado e se converteu ao pragmatismo mais exacerbado. A expansão imperialista do país, que abocanhou parte do território mexicano e estendeu seus tentáculos pelo restante do continente, resultou na formação de uma aristocracia operária que passou a justificar a espoliação dos trabalhadores das nações saqueadas. O sindicalismo passa a ser comandado por uma nova concepção – o tradeunionismo. O primeiro sinal dessa distorção surge durante as guerras de anexação das antigas colônias espanholas. Gompers, que antes se dizia “marxista”, defende os interesses da burguesia nacional e apóia o governo na agressão aos povos de Cuba, Haiti, Porto Rico e Filipinas. A partir desta fase, a visão pragmática do tradeunionismo resultaria nas maiores atrocidades da história do sindicalismo mundial. Diante da vitória da revolução russa, em 1917, a central hostiliza a jovem república proletária e defende o envio das tropas ianques para, juntamente com os exércitos da Europa e Japão, evitar a propagação daquela experiência socialista. O anticomunismo vira bandeira desta central sindical, passando inclusive a constar de seus estatutos. A luta de classes é renegada e as greves são rejeitadas pela central, que se torna cúmplice da repressão policial. A AFL passa a pregar abertamente a “mera regulação da mercadoria trabalho”, segundo orientação de Gompers, e a expansão do capitalismo-imperialista. Máfia e negócios Para implantar essa concepção burguesa, a burocracia da AFL esmaga toda a resistência interna. Grevistas são taxados de “comunistas” e delatados à polícia. A prática antidemocrática atinge o seu apogeu na fase da “grande depressão”, desencadeada pela queda da Bolsa de Nova Iorque em 1929. Diante da revolta dos operários contra a explosão do desemprego, a AFL realiza um acordo com a máfia. Transforma suas sedes em postos de contrabando em troca da ajuda dos gangsteres na repressão às lideranças rebeldes. A máfia chega a ocupar postos na executiva da central. Al Capone, líder do mundo do crime, justifica a violência nos sindicatos: “É preciso manter o trabalhador afastado da literatura vermelha e do logro comunista”. Outra marca que se cristalizou nesta época foi a do racismo. Os sindicatos nacionais, sob o argumento do desemprego, pregam abertamente a exclusão dos negros do mercado de trabalho e do quadro de sócios. O sindicalismo se elitiza, representando apenas os especializados. “Não queremos admitir como membros os rebotalhos, os que não prestam para nada”, defende um dirigente em 1933. A AFL rejeita a organização por ramo de produção e investe na representação por ofício. O contrato coletivo de trabalho é substituído pela negociação individual. Dirigentes se tornam negociadores profissionais, com salários milionários. “O patrão dirige a empresa e o líder sindical dirige as negociações coletivas. Os dois são técnicos e devem ser bem remunerados”, argumentaria outro líder da entidade. O efeito desta prática cupulista e elitista é a queda do número de sindicalizados, que despenca de 5,1 milhões para 2,6 milhões de sócios nos anos 30. Sem qualquer compromisso com a classe, a cúpula da AFL passa a usar os recursos dos associados para adquirir empresas, comprar terras na Flórida e aplicar em bancos. Inaugura-se a fase do business-union, do sindicalismo de negócios, turbinado com os vultuosos fundos destinados ao pagamento de pensões e aposentadorias. Segundo João Bernardo, no livro “Capital, sindicatos e gestores”, ainda no final da década de 70, “mediante os investimentos realizados pelos fundos de pensão que controlam, os sindicatos detinham percentagens consideráveis das ações em algumas importantes companhias: 13,7% do Holliday Inn, 13,6% da Texas Instruments, 12,9% da McDonalds, 12,8% da K Mart, 12,6% da Delta Air Lines”. Resistência abortada Com o objetivo de se opor à orientação patronal da AFL, em 1921 é criada a Liga Educacional Sindical, liderada por Willian Foster. A experiência durou pouco tempo; seus ativistas são expulsos das entidades com base no estatuto anticomunista. Já em 1938, com o aumento das greves operárias contra as chagas da recessão, lideranças descontentes rompem com a AFL e organizam o CIO (Congresso das Organizações Industriais), no primeiro grande racha do sindicalismo estadunidense. Ele se coloca como alternativa para a organização dos trabalhadores semi-especializados, dos negros e desempregados. A sua estrutura é por ramo de produção, contrapondo-se aos sindicatos de oficio e de empresas afiliados da AFL. O CIO ganha força durante a II Guerra Mundial. Enquanto a AFL financia e organiza entidades de apoio a Hitler e Mussolini, como a temida Catai, a nova central encabeça um movimento antinazista que adquire rápido prestígio na sociedade. Em 1945, o CIO ajuda na fundação da Federação Sindical Mundial (FSM), entidade que consegue unir o grosso do sindicalismo internacional na luta contra os restos autoritários do nazi-fascismo. Mesmo sofrendo enorme desgaste político e perda de associados, a AFL mantém o apoio do patronato, da extrema direita organizada no Partido Republicano e de setores do Partido Democrata. A esperança da construção de um novo sindicalismo nos EUA, independente e classista, não consegue se sobrepor à poderosa burguesia imperialista. Diante da violenta repressão desencadeada pela “guerra fria”, os dirigentes do CIO começam a dar sinais de fraqueza. As corporações capitalistas se recusam a negociar com seus sindicatos afiliados e o parlamento aprova a lei Taft-Hartley, em 1947, proibindo o registro de entidades “comunistas”. Em 1948, sua convenção de Portland decide adequar os estatutos às restrições da legislação federal. Um ano depois, na convenção de Cleveland, dez organizações afiliadas, representando um milhão de trabalhadores, são expulsas por manterem em seus programas a luta contra o capitalismo. Em fevereiro do mesmo ano, o CIO se retira da FSM. James Casey, tesoureiro-geral da central, explica a decisão: “No passado, unimo-nos aos comunistas para lutar contra os fascistas; em outra guerra, unir-nos-emos aos fascistas para lutar contra os comunistas”. Logo após, o CIO apóia a guerra na Coréia. Taxados de comunistas, os sindicalistas progressistas são expulsos das entidades afiliadas. Em dezembro de 1955, há exatamente cinqüenta anos atrás, a AFL e o CIO se fundem. George Meany, o primeiro presidente da central unificada, define sua linha político-sindical. “Nós cremos no sistema capitalista. Somos dedicados à preservação desse sistema e não estamos dispostos a permutar por nenhum outro”. A partir desta data, ganha forma a aparatosa estrutura da central estadunidense, que agora parece dar sinais de esgotamento. - Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, junho de 2005).
https://www.alainet.org/es/node/112715
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