Fiz a marcha pela Reforma Agrária e fui agredido
18/05/2005
- Opinión
A Marcha pela Reforma Agrária foi o acontecimento mais marcante deste 2005.
Como disse o companheiro Luis Basségio: "Foi um testemunho de organização,
protesto e solidariedade". Por questões de saúde, só pude fazer a marcha
final em Brasília. Tive muita honra de ser convidado para falar na última
tarde de formação (segunda-feira, 16, sobre "Mística e Movimento
Popular").
Ao iniciar a grande marcha desta 3a f. 17, "rumo ao Congresso Nacional", um
companheiro da direção nacional me convidou para ir na primeira fileira,
segurando com eles a faixa inicial da marcha. Era uma emoção ver a multidão
aplaudindo, a chuva de papéis picados caindo de edifícios. Era comovente
ver a organização e disciplina dos companheiros simplesmente juntos, em
momentos de silêncio, em outros acompanhando as músicas do carro de som ou
as palavras de ordem que pediam: "Reforma Agrária Já", "mudança estrutural
neste modelo econômico" e cidadania para todos os brasileiros.
Na praça diante da embaixada norte-americana, fechada como sempre e super-
protegida por centenas de soldados, os manifestantes deixaram lixo, símbolo
do que o imperialismo norte-americano impõe ao mundo. Ao chegar em frente
ao Palácio do Planalto, todos sabiam que o presidente Lula iria receber
naquela tarde 40 representantes do MST e dos participantes da marcha.
Entretanto, foi triste ao ver o palácio fechado e protegido por milhares de
soldados armados. Como se aquela marcha pacífica de mais de 15 mil pessoas
fosse ameaça ao presidente da República ou a quem quer que seja. Os
soldados nem queriam permitir que a marcha dobrasse na avenida diante do
palácio. De repente, nós que estávamos à frente, segurando a faixa, vimos
uma barreira de soldados, com cassetetes na mão, vindo sobre nós. Não deu
tempo para nada. Ao meu lado, os companheiros não recuaram. Os soldados
armados contra nós, desarmados. Ao meu lado, alguns lavradores tinham na
mão foice e outros tinham facões. Nenhu m brandiu estes instrumentos.
Mantivemo-nos segurando a faixa inicial da marcha. Apesar de empurrões e
agressões, conseguimos dobrar a estrada e conquistar o espaço para a
marcha prosseguir. Levei no ombro esquerdo a cotovelada de um soldado, mas,
apesar da dor que ainda sinto, o que me agrediu mais foi ver a
insensibilidade de homens que deveriam defender o povo e não agredir
cidadãos organizados que lutam pacificamente por seus direitos.
A marcha se desfez pela primeira vez, por uma hora, em frente ao edifício
do Ministério da Fazenda para um ato público marcado pela alegria e
descontração, além da brilhante palestra de Plínio de Arruda Sampaio que,
em palavras extremamente simples, explicou a todos o que é modelo econômico,
porque o modelo vigente no Brasil é injusto e qual a alternativa correta.
Após uma hora, retomamos a marcha para o Congresso Nacional. Aí aconteceu o
conlito mais grave. A Polícia Estadual buscava um pretexto para atacar.
Queria, a qualquer custo, criar um incidente que alimentasse os jornais do
dia seguinte. De fato, não podendo mais esperar, policiais que ocupavam um
carro investiram sobre a multidão. Como os manifestantes não tinham espaço
para ceder ao carro, o choque foi inevitável. Em horas assim, não há
racionalidade nem se pode pedir juízo de ninguém. Assim mesmo, um jovem
afirmou ter sido agredido porque viu dois soldados batendo em um lavrador
caído no chão e foi socorrê-lo. Out ros defendiam pessoas mais velhas e
até uma senhora grávida que estava na marcha.
Esta foi a agressão que dói na alma: ver a polícia agredir o próprio povo,
por puro ato de selvageria e prepotência, manifestação de uma luta de
classes que alguns diriam superada ou que, hoje, toma outra cara. Não tomou
não. Eu me senti na década de 70, em tempos da ditadura militar. Senti-me
mais agredido ainda vendo no dia seguinte os grandes jornais trazendo como
manchete: "Marcha do MST acaba em pancadaria".
O Ato Público em frente ao Congresso foi belo e profundo. O MST, a Via
Campesina e todos os movimentos sociais que participaram da marcha estão de
parabéns. Em tempos de "cada um por si mesmo e Deus por ninguém", a
sociedade brasileira só pode agradecer este exemplo de mobilização social e
educação cidadã. Na pessoa dos lavradores e seus aliados que marcharam, foi
todo o Brasil que foi agredido pela truculência da polícia e pela
imparcialidade anti-ética da grande imprensa. Temos ainda muito a fazer.
Eles nos mostraram que esta marcha tem de ser permanente e nos envolver a
todos.
- Marcelo Barros é monge beneditino e teólogo, autor de 27 livros, dos
quais "O Espírito vem pelas Águas", (Ed Rede da Paz- Loyola, 2004).
https://www.alainet.org/es/node/111992
Del mismo autor
- O papa e os movimentos populares: olhar o mundo a partir de baixo 27/10/2021
- Fórum Social das Resistências: uma das tentativas de construir um mundo novo 13/01/2020
- Direitos Humanos e da Casa Comum 09/12/2019
- Viva Bolívar e o bolivarianismo 25/07/2019
- A revelação divina que chega com atraso 01/07/2019
- O dever de desobedecer 17/05/2019
- Para um acordo mundial sobre os direitos da vida 05/04/2019
- A indignação profética de quem ama 15/05/2018
- No caminho do Che 10/10/2017
- Não podemos voltar atrás 22/08/2017
Clasificado en
Clasificado en:
