Recados da Marcha pela Reforma Agrária
17/05/2005
- Opinión
“Companheiro Lula, o povo te elegeu,
Cadê a Reforma Agrária que você prometeu”
Este era o grito que mais se ouvia no último dia da Marcha Nacional
pela Reforma Agrária, que partiu do Estádio Mané Garrincha e se dirigiu
ao Congresso Nacional, passando pela embaixada dos Estados Unidos,
Ministério da Agricultura, Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto e
Ministério da Fazenda. Como ocorreu ao longo dos 230 quilômetros,
percorridos em 16 dias, tudo foi muito organizado e pacífico. Aliás,
durante toda a marcha, os 35 policiais que a acompanharam tiveram como
única tarefa, auxiliar o trânsito ao longo das rodovias. As palavras do
comandante da operação foram de agradecimento à organização e colaboração
dos manifestantes que, também ele entende que estavam exercendo o
legítimo direito de lutarem pelos seus direitos. Ao final de suas
palavras além de agradecer aos marchantes, desejou-lhes boa sorte na
empreitada. Infelizmente, esta não foi a postura dos policiais designados
para fazer a guarda do Palácio Presidencial. Ao contrário dos rodoviários
que estavam orientados para garantir bem estar e segurança aos cidadãos,
parece que estes estavam orientados a dificultar a manifestação ordeira e
legítima dos manifestantes, típicas de países democráticos.
Ao final da Marcha, uma provocação desnecessária dos policiais militares
gerou uma animosidade com alguns marchantes que se assustaram com a
demonstração de arrogância da polícia que fazia vôos rasantes de
helicóptero com armas apontadas sobre os manifestantes, inclusive
desconsiderando a presença das 133 crianças e 19 bebês que se somavam à
Marcha. Quando a polícia não cumpre o seu papel de garantir tranqüilidade
e segurança durante suas operações, o pior pode acontecer. Felizmente, a
contragosto da grande imprensa que busca sangue para fazer notícia, os
marchantes estavam tranqüilos o suficiente para não permitir que o fato
desviasse o verdadeiro objetivo da Marcha que foi o de sensibilizar o
presidente Lula para que mude a política econômica que vem sendo
orientada pelo Sr. Palocci, junto com o FMI.
Ao longo da marcha houveram muitos aspectos positivos que merecem
serem lembrados, já que alguns setores da imprensa não tiveram interesse
em relatar. O processo de formação que todas as tardes era realizado foi
um dos exemplos. Os 12 mil marchantes acompanhavam diariamente, através
de uma estação de rádio montada no acampamento, palestras, debates e
estudos de documentos. A organização e disciplina também eram notadas no
cotidiano do acampamento: montagem e desmontagem das barracas,
distribuição da alimentação, zelo com o meio ambiente e a limpeza do
local por onde passava a marcha. Nem um simples papel era deixado no
chão. Durante os percursos, jovens passavam entre as fileiras recolhendo
toda espécie de lixo. Por onde passou a marcha, só ficou a admiração e o
apoio da população que a acolhia. Aliás, o grande número de jovens
marchantes mostra que o movimento cresce e se fortalece a cada dia.
A presença dos religiosas e religiosos da CRB que acompanharam a
marcha também emocionou: uma verdadeira demonstração de serviço,
gratuidade e compromisso evangélico. Ao contrário de uma das principais
Igrejas de Brasília que, equivocadamente, temendo a presença do povo
marchante, fechou as portas da Casa de Jesus por 2 dias, frustrando
inclusive os turistas que por ali passavam. São as contradições de uma
Igreja santa e pecadora.
Coorporativismo
A marcha evidenciou ainda o grau de corporativismo de alguns
setores que, outrora, mostravam-se mais organizados. Muitos sindicatos,
centrais sindicais, entidades e outras organizações estiveram totalmente
ausentes e, sequer seriam lembradas se não houvesse algumas faixas e
bandeiras espalhadas ao longo do percurso da marcha. Faltou apoio
político eficaz para uma luta que não é somente pela reforma agrária,
mas, sobretudo pela mudança de uma política que continua gerando
profundas desigualdades sociais, impossibilitando não só a reforma
agrária, mas a garantia dos direitos fundamentais do cidadão como
trabalho, moradia, educação, segurança e vida digna. É inexplicável como
estas organizações ainda não compreendam que lutar pela reforma agrária é
lutar pelo bem de todo o povo brasileiro, é lutar contra a fome, a
migração forçada e o inchaço das cidades.
Os recados da Marcha
Ficou claro o recado que o movimento quis dar aos Estados Unidos e
ao Ministro da Fazenda, Antonio Palocci. A simbologia utilizada na Marcha
falou por si só: “Um passo a frente, nenhum passo atrás: a reforma
agrária é o povo quem faz!” - gritavam os manifestantes.
A embaixada americana não foi poupada. Milhares de latas de coca-
cola, embalagens de Mac Donalds, e outros lixos impostos pela cultura
americana foram despejadas defronte à embaixada. Foi um gesto simbólico
para repudiar a imposição cultural e consumista estadunidense que
despreza e destrói as coisas boas do nosso país. Também armas de plástico
foram queimadas para dizer não à política militar de dominação dos EUA.
A Marcha não parou em frente ao Palácio do Planalto e sim no
Ministério da Fazenda, onde foi realizada uma mística. Uma grande águia
foi colocada no meio de várias bandeiras dos EUA. Ao lado um cartaz
dizia: Fazenda do FMI. Estava dado o recado. É preciso mudar a política
econômica. É preciso que o Brasil seja uma nação soberana onde a economia
não seja ditada segundo os interesses do FMI e das mega-empresas
estadunidenses. Infelizmente está ficando evidente que quem vem decidindo
os rumos do país é o senhor ministro da fazenda. É hora presidente tomar
as rédeas do Brasil e cumprir as promessas que o fizeram chegar ao poder.
Enquanto os trabalhadores do campo precisam lutar incansavelmente para
liberar crédito para a agricultura familiar ou linhas de crédito para os
assentados, o agro-negócio tem facilmente todas as regalias. Um exemplo
recente é a pressão que o governo federal vem sofrendo para liberar 500
milhões de reais para a realização do “Agri- Show”. Uma grande festa dos
fazendeiros e usineiros que acontecerá em Ribeirão Preto, neste ano.
Alguns setores na imprensa ainda se detém em fazer notícia com os 400 mil
reais liberados pelo governo de Goiás para dar suporte a caminhada dos
Sem Terra que luta por trabalho, justiça e vida para todos.
Desta vez os milhares de marchantes foram ao Ministério da Fazenda para
sinalizar que as coisas precisam mudar. Caso nada ocorra, o palco das
próximas mobilizações certamente será o Planalto, onde o presidente Lula
deverá responder porque a reforma agrária continua sendo só uma promessa
de campanha.
- Luiz Bassegio e Luciane Udovic, Secretaria do Grito dos Excluidos
Continental
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