Abril Indígena
Carta da Mobilização Nacional Terra Livre
05/04/2006
- Opinión
Nós, as mais de 700 lideranças indígenas abaixo assinadas, representantes
de 89 povos indígenas de todo o Brasil, reunidos em Brasília no
Acampamento Terra Livre, entre os dias 25 e 29 de abril de 2005,
consideramos esta mobilização a mais significativa realizada pelos povos
indígenas do Brasil desde a triste comemoração dos 500 anos em Porto
Seguro, no ano 2000.
A presente mobilização consolidou uma aliança nacional entre dezenas de
povos, organizações indígenas e entidades indigenistas, com o objetivo
comum de defender e garantir a efetividade dos direitos indígenas no
Brasil, o que renova a nossa esperança na conquista de dias melhores.
Vimos a seguir apresentar à sociedade brasileira, ao Governo Federal, ao
Congresso Nacional e ao Poder Judiciário, os resultados das reuniões
plenárias e audiências com autoridades realizadas durante esta
mobilização nacional, em respeito aos 4 grandes eixos por nós
reivindicados.
1. Nova Política Indigenista
- a ausência da participação dos povos indígenas e de representantes da
sociedade civil na definição da política indigenista resulta hoje em
ineficiência das ações governamentais voltadas às populações
indígenas;
- sabemos que a elaboração e implementação da política indigenista hoje
é de competência de vários órgãos de Estado (Ministério da Justiça,
Saúde, Educação, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário,
Desenvolvimento Social, Funai, Incra, Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético- CGEN e outros);
- para maior eficiência na execução dessas políticas é necessário que
exista um órgão com competência para coordena-las;
- reivindicamos para isso a criação do Conselho Nacional de Política
Indigenista, que deverá ser composto por representantes dos povos
indígenas, das entidades de apoio à causa indígena e do Governo
Federal, e que terá poder para coordenar as ações governamentais dos
vários Ministérios voltadas aos povos indígenas;
- o Conselho deve estar vinculado a Presidência da República;
- o Conselho deve ter competência deliberativa, portanto ser criado por
Lei;
- o Governo Federal, por meio dos Ministros Márcio Thomas Bastos, José
Dirceu, da Casa Civil, e Luiz Dulci, da Secretaria Geral da
Presidência, se comprometeu a implementar o Conselho Nacional de
Política Indigenista;
-
- apoiaram a constituição do Conselho o Líder do PT no Senado, Senador
Delcídio Amaral, o Senador Eduardo Suplicy e o Deputado Eduardo
Valverde, coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos
Indígenas, além do Presidente da Funai Mércio Gomes.
2. Terras Indígenas
- manifestamos total apoio ao Governo Federal pela homologação da TI
Raposa Serra do Sol, em Roraima, em área contínua;
- o tratamento vacilante da FUNAI e do Ministério da Justiça na
garantia dos direitos territoriais indígenas tem resultado em
obstruções aos procedimentos de regularização de terras indígenas e
lentidão na constituição de GTs de identificação, na publicação de
resumos de relatórios e principalmente na expedição de Portarias
Declaratórias, caso das 14 terras paradas no Ministério da Justiça
cujo motivo da demora em declará-las não foi devidamente
esclarecido pelo Ministro da Justiça e muito menos pelo Presidente
da Funai;
- nos preocupamos com o tratamento dado à regularização de terras
indígenas nos Estados de Santa Catarina, Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul onde pressões políticas tem se sobreposto aos direitos
indígenas;
- é preocupante a falta de uma política decidida para resolver, de
uma vez por todas, os casos de ocupantes não-índios em Terras
Indígenas já homologadas;
- demonstramos preocupação quanto ao rumo que vem tomando o Poder
Judiciário quanto aos direitos territoriais indígenas, e esperança
de que ele venha a ser modificado para casos futuros, como é o da
ação relativa à Terra Indígena Caramuru-Paraguassu do povo Pataxó
Hã-hã-hãe, que aguarda há mais de 20 anos uma solução;
- exigimos a revogação da determinação do Presidente da Funai em não
iniciar os estudos para a revisão de limites de terras indígenas
cujas demarcações excluíram indevidamente partes do território
tradicional;
- o Ministro da Justiça se comprometeu a estudar caso-a-caso as 14
terras paradas no MJ, sem estabelecer prazos ou esclarecer os
motivos da demora, o que consideramos falta de compromisso
objetivo;
- o Presidente da Funai não se comprometeu em agilizar a
regularização de terras indígenas no que se relaciona à formação de
GTs, publicação de resumos de relatórios de identificação e
tampouco prestou esclarecimentos quanto à indevida negociação dos
direitos territoriais indígenas;
- o presidente do Incra assumiu o compromisso de realizar uma análise
das 74 áreas de conflito envolvendo povos indígenas e pequenos
agricultores, com o objetivo de reassentar os pequenos
agricultores fora dos territórios indígenas.
3. Ameaças aos direitos indígenas no Congresso Nacional
- nos preocupamos com o grande volume de proposições legislativas que
hoje tramitam no Congresso Nacional contra os direitos indígenas
assegurados na Constituição Federal, especialmente os territoriais
(destaques: PEC 38/99; PEC 03/04; PLS 188/04);
- entendemos que os direitos indígenas não devem ser tratados
isoladamente, mas de forma articulada dentro do Estatuto dos Povos
Indígenas;
- o Senador Delcídio, líder da Bancada de Apoio ao Governo no Senado
Federal, comprometeu-se em agir para que os direitos garantidos nos
artigos 231 e 232 da Constituição Federal não sejam alterados pelo
Congresso, bem como reunir numa única comissão todas as proposições
que estão tramitando para preparar a discussão de reformulação do
Estatuto dos Povos Indígenas;
- o Senador Delcídio também comprometeu-se e garantiu que o PLS 188
não voltará a tramitar no Congresso, a partir do entendimento de
que é uma matéria tratada isoladamente e contrária aos direitos
indígenas;
- o Ministro José Dirceu se comprometeu a orientar a base aliada para
conter as iniciativas legislativas que signifiquem retrocesso nos
direitos indígenas.
4. Gestão territorial e sustentabilidade das Terras Indígenas
- constatamos uma dispersão dos recursos para gestão ambiental em
Terras Indígenas hoje existentes no Ministério do Meio Ambiente e
dificuldade de acesso dos povos e organizações indígenas a esses
recursos;
- entendemos ser necessário superar a lógica de projetos pontuais e
de curto prazo em favor de uma estratégia nacional concretizada em
programas etno-regionais de longo prazo, articulados com ações na
área de educação;
- estamos preocupados com a possível desvirtuação, no âmbito da Casa
Civil, do Ante Projeto de Lei de acesso a recursos genéticos e
conhecimentos tradicionais associados saído do Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético (Cgen) e elaborado com participação das
organizações indígenas e da sociedade civil organizada;
- repudiamos o projeto de transposição do rio São Francisco e
apoiamos um programa de revitalização do rio;
- propomos a criação de um programa nacional de gestão territorial e
proteção da biodiversidade em Terras Indígenas, com participação
das organizações indígenas em sua formulação e execução;
- reivindicamos a participação indígena no Cgen com direito a voto;
- o Ministério do Meio Ambiente assumiu o compromisso de finalizar a
formulação da pré-proposta do programa nacional de gestão
territorial e proteção da biodiversidade em Terras Indígenas até
maio para encaminhar para aprovação do Fundo Global do Meio
Ambiente (GEF);
- o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se em defender dentro do
Executivo a proposta de Anteprojeto de Lei de Acesso a Recursos
Genéticos e Conhecimento Tradicional apresentado pelo Cgen;
- o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se em trabalhar em
articulação com as organizações indígenas na preparação e
participação na 8a Reunião das Partes da Convenção da
Biodiversidade, a ser realizada no Brasil em março de 2006;
- o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se em reunir as várias
ações para os povos indígenas dentro do Ministério para integrá-
las.
5- Saúde Indígena
- entendemos que o modelo de Distritos Sanitários Especiais Indígenas
(DSEIs) deve ser assegurado, porém sua operacionalização encontra
vários gargalos tais como: falta de estrutura e capacitação para
os indígenas que integram os Conselhos Distritais; recursos
incompatíveis com as suas demandas; falta de autonomia
administrativa e financeira dos DSEIs;
- recusamos a tendência de municipalização da gestão da saúde
indígena e exigimos que a FUNASA se estruture para assumir de fato
suas responsabilidades no setor, garantindo sua federalização;
- requeremos a participação indígena efetiva na construção e
realização da Conferência Nacional de Saúde Indígena;
- reforçamos a necessidade de capacitação dos integrantes indígenas
dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena para a
fiscalização da aplicação dos recursos e das ações da FUNASA;
- exigimos que se garanta a autonomia administrativa e financeira dos
DSEIs;
- o Ministério da Saúde comprometeu-se em realizar a Conferência
Nacional de Saúde Indígena em Março de 2006, assegurando ampla
participação dos povos e organizações indígenas;
- o Ministério da Saúde analisará e implementará regras próprias para
as organizações indígenas conveniadas com a FUNASA e com o
reconhecimento profissional dos agentes indígenas de saúde;
- o Ministério da Saúde não se comprometeu com as demandas das
plenárias quanto a melhoria da eficiência da participação indígena
nos Conselhos Locais e Distritais e nem respondeu os
questionamentos sobre a tendência à municipalização da gestão.
6 – Educação
- entendemos que a transferência da execução das ações da educação
escolar indígena para os estados – e destes para os municípios – é
o principal problema para a implantação de uma educação escolar
indígena diferenciada e de qualidade;
- os Estados e os municípios não são capazes ou demonstram vontade
política em seguir as orientações do MEC quanto a este tema;
- exigimos do MEC a convocação de uma Conferência Nacional de
Educação Indígena e que o Governo Federal estude formas de exigir
dos estados e municípios o cumprimento da Constituição e das
normais legais que nos asseguram uma educação escolar diferenciada
de qualidade;
- exigimos a ampliação dos convênios com as Universidades Públicas
Federais e estaduais nas regiões e não só com a Universidade de
Brasília;
- exigimos do MEC que implemente junto aos Estados a abertura dos
cursos de ensino médio nas aldeias;
- o Ministério da Educação - MEC não se comprometeu a convocar a
Conferência Nacional de Educação Indígena e nem tocou no assunto
das escolas técnicas e dos cursos de ensino médio nas aldeias;
- o MEC se comprometeu a implementar o que chama de “assistência
estudantil” – uma bolsa de estudos para manter os estudantes
indígenas nas universidades;
- o MEC se comprometeu em pressionar os Estados para garantir a
presença indígena nos Conselhos Locais e Nacional do FUNDEF e em
aumentar o orçamento para a educação escolar indígena em 2006.
Ressaltamos que o Acampamento Terra Livre é a expressão da vontade de
união dos povos indígenas do Brasil entre si e com seus aliados.
Apesar das forças contrárias, continuamos determinados a lutar para
garantir o irrestrito respeito aos nossos direitos assegurados na
Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
Brasília, 29 de Abril de 2005
https://www.alainet.org/es/node/111928?language=en
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