Linhas do Equador

29/04/2005
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O novo presidente equatoriano, Alfredo Palacio, que tomou as rédeas de um país em condições de extrema fragilidade das instituições democráticas, e sem Corte Suprema de Justiça, declarou que a primeira prioridade de seu governo será a de lhe devolver a legalidade e a legitimidade. Porém, deu a entender que isso não implica em apressar as eleições, pois diante do atual regime eleitoral, ele estaria perpetuando um sistema político deslegitimado. Palacio, médico guayaquilenho, sem filiação partidária, que se distanciou de Gutierrez desde o início de seu governo, criticando-o pelo abandono do programa eleitoral, manifestou a intenção de reformar o orçamento do Estado e a política econômica, para priorizar as metas sociais. Na sua opinião, o país deve investir na saúde, educação, ciência e tecnologia, proteção social e na reativação produtiva com vistas a diminuir a dependência da exportação petroleira. Os primeiros integrantes de seu gabinete, que não incluirá militantes de nenhum partido político, parecem ratificar uma mudança de rumo. Em particular, o Ministro da Economia, Rafael Correa, que criticou muito a dolarização e o Tratado de Livre Comércio – TCL, atualmente em negociação com os EUA. Mas também reconheceu que não há condições para abandonar, por agora, a dolarização. Além disso, Correa se comprometeu a não privatizar o petróleo e a fortalecer a empresa estatal Petroecuador. Ele se opõe à recompra, nas condições atuais, dos títulos da dívida externa e considera que a maior parte do excedente da entrada petroleira, que o país registra pelo alto preço do mercado internacional, deve destinar-se a investimentos sociais. Em relação ao Tratado de Livre Comércio com os EUA, Correa propõe uma nova revisão em toda a negociação. Para o presidente Palácio, apesar dos acordos comerciais serem inevitáveis, os países não devem negociar em condições de escravidão. Ele considera que a equipe negociadora deve ser fortalecida para negociar em temas de taxas e subsídios, além de temas como a dívida, a transferência tecnológica e a propriedade intelectual. Sobre esse último tema, como médico, Palacio enfatiza a necessidade de estabelecer salvaguardas para a saúde pública e de restringir as patentes na área de engenharia genética, que implica em patentear a vida. Também mencionou que o TLC poderia ser um tema de consulta popular. Apoio vigilante O novo governo goza no momento de um apoio vigilante de grande parte da população que se levantou contra Gutiérrez. Mas fora isso, sua margem de manobra é fraca. A legitimidade da resolução parlamentar que, com uma maioria simples, destitui Gutiérrez por “abandono de poder”, é questionada por alguns setores, e a comunidade internacional ainda não reconheceu o novo presidente. No dia 20 de abril, o alto comando militar demorou várias horas para reconhecer Palacio como novo presidente, não obstante sua nomeação no Congresso e o fato de eles mesmos terem retirado seu apoio a Gutiérrez. Isso colocou em evidência as diferenças internas no corpo militar, mas também deixou claro quem decide, em última instância, nas crises políticas equatorianas, continuam sendo as Forças Armadas. É um poder que os próprios atores sociais e políticos lhes atribuem, quando as chamam para intervir a cada vez que acontece uma crise institucional. A conferência Episcopal também anunciou seu reconhecimento ao novo presidente. Já as autoridades norte-americanas evitam reconhecer o novo governo, apesar de dizerem que mantêm “em relações”. A secretaria de Estado Condoleeza Rice fez um chamamento para “apoiar um processo democrático, constitucional” e insistiu na necessidade de adiantar as eleições. Enquanto isso, o Congresso é pressionado pelos gritos que continuam nas ruas e nas rádios da capital, exigindo "que se vayam todos". O Congresso está totalmente desacreditado aos olhos da população e nenhuma força política pode afirmar ter as mãos limpas na distribuição de cargos em instituições fundamentais do Estado. As bancadas parlamentares de algumas forças políticas indicam que estariam dispostas à renuncia, mas não sem antes deixar estabelecidas as condições básicas para o funcionamento democrático. Inclui, como medidas urgentes, um mecanismo para nomear a Corte Suprema de Justiça, atualmente vaga (sem que isto se converta numa distribuição de cargos entre os partidos políticos), e a revisão da nomeação inconstitucional do Tribunal Constitutional (do qual alguns membros já teriam oferecido a renúncia) e do Tribunal Suprema Eleitoral. Além disto, o presidente Palácio tem de enviar uma lista tríplice para nomear o promotor. Resta ainda, pendente, a nomeação do corregedor . Como primeiro passo, espera-se recuperar a capacidade de agir, e algum grau de credibilidade. Impõe-se com urgência uma limpeza no Congresso, algo que os partidos mostram intenção de fazer. Muitos consideram que a fragilização das instituições do Estado foi uma política orquestrada por interesses particulares. Uma situação pela qual Gutiérrez teve grande grau de responsabilidade desde que, em 8 de dezembro, tentou concentrar todos os poderes do Estado. O próprio Palacio, quando ainda era vice-presidente, horas antes da queda de Gutiérrez, referiu-se em termos bastante duros ao que descreveu como "plano diabólico destinado a produzir a demolição da maior parte das instituições fundamentais da democracia equatoriana". Disse que, pela conjunção de interesses visíveis e invisíveis interessados, não poderia determinar com exatidão os autores do plano, mas que, ainda assim, seria vital saber quem seriam os beneficiados. Criticou "todo aquele que tenta salvar grupos, em vez de salvar a Nação”. Em particular, mostrou-se crítico ao sistema financeiro internacional especulativo, que "muitos danos nos (aos equatorianos) causou", e que "se infiltra na maioria dos países". O movimento social que causou a mudança de governo mostra um fenômeno novo no cenário político e social do Equador. De um lado, demonstra o real enfraquecimento das forças sociais organizadas (incluindo o movimento indígena), como resultado da política desarticuladora do governo de Gutiérrez. Estas organizações apoiaram as mobilizações contra ele, mas praticamente não tiveram influência. Expressa também o desmoronar das lideranças políticas, especialmente em Quito, e, em menor extensão, nas outras cidades. As sucessivas marchas de protesto e greves convocadas pelos prefeitos de Quito (Paco Moncayo) e Guayaquil (Jaime Nebot), entre outros, não tiveram força suficiente para conseguir uma mudança no curso do governo e tentaram esconder os gritos de "Lucio fora", que ganhava força nas ruas. Foi então que aconteceu a “autoconvocatória” de "foragidos e foragidas" (termo usado como insulto por Gutiérrez, mas assumido pela população de Quito), conduzida com o apoio da Radio la Luna, junto a uma dezena de estações locais. Com o lema de uma mobilização pacífica pela dignidade do país, e rejeitando toda liderança tradicional, durante 7 noites (e a manhã do dia 20), uma multidão de todas as classes (com predominância dos setores médios), tomou as ruas de Quito. Saíram famílias inteiras, mas principalmente os jovens, que se auto-organizaram e decidiram, a cada dia, onde agrupar-se, os lemas, e as maneiras como iriam se manifestar. Após a queda de Gutiérrez, os cidadãos permanecem mobilizados. À noite, as reuniões continuam, para organizar a vigilância das autoridades e exigir o aprisionamento dos responsáveis pela repressão da última semana. No fim, o principal artífice da queda de Lucio Gutiérrez foi ele próprio. Tinha quase tudo a seu favor: apoio das forças armadas, de uma maioria parlamentar, do governo norte-americano. Não mediu as conseqüências para facilitar o retorno, em condições de impunidade, do ex-presidente defenestrado, Abdalá Bucaram. E a gota que derramou o copo de ira de Quito foi o anúncio de que, dia 20, o governo estaria trazendo à capital aproximadamente 100 ônibus com gente armada de paus - falou-se, mesmo, de machetes - para enfrentar a cidade mobilizada. Fato que, por fim, desatou a insubordinação generalizada. Tradução: Bárbara Ablas e Tiago Soares
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